09 novembro 2009

tudo isto ruiu com o Muro


Rainer Panzel foi um aluno modelar até que um acto de rebeldia juvenil lhe custou a liberdade. Em 21 de Setembro de 1961, uma quarta feira, Rainer, uma figura ilustre da FDJ local e os seus colegas de turma do sexto ano da escola de Anklam, perto de Neubrandenbourg, resolveram, em sinal de protesto (...), chegar à escola vestidos de preto e proclamar que " carregavam o seu futuro até à sepultura".
No mês anterior fora construído o Muro de Berlim (...) Ainda mais recentemente, o parlamento alemão oriental aprovara uma lei que criava o serviço militar obrigatório, integrado no Exército Nacional Popular. Mas ninguém podia ter previsto as repercussões que se seguiram a este pequeno acto de rebeldia.
Rainer, de dezassete anos, foi acusado de traição e condenado a cinco anos de prisão. Outro "cabecilha" também foi preso e condenado. Outros foram expulsos da escola e deste modo impedidos de fazer o exame final, um requisito para entrar na universidade. Alguns professores foram despedidos. Os pais viram-se obrigados a fazer autocrítica e a admitir as suas limitações na educação política dos filhos.
O Politburo recebeu um relatório sobre a actividade "contra - revolucionária" na escola. Cópias pessoais do relatório foram enviadas ao líder do partido, Walter Ulbricht, e ao seu futuro substituto, Erich Honecker. A organização do Partido no interior da escola foi obrigada a admitir que falhara, a FDJ local foi criticada pelo seu papel "politicamente negativo" e as ligações entre alguns professores e o antigo regime nazi vieram a lume. (...) mas para Rainer o desastre foi pessoal e não nacional (...)
" Prenderam-nos, a mim em primeiro lugar, e a mais dois que vi em tribunal. A nossa turma foi desmantelada e os professores demitidos. Levaram-me para o escritório da STASI em Anklam, em Ellbogen Strasse. Limitei-me a dizer: É certo que nos vestimos de preto, mas nunca foi nossa intenção derrubar o governo. Eles não sabiam o que fazer connosco e transferiram-me para a prisão deda STASI em Neustrelitz nessa mesma noite. (...). O julgamento realizou-se em 13 de Janeiro de 1962. Havia três arguidos, Dietmar Tietbohl, Peter Klause, dois colegas, e eu. (...) Os outros foram condenados a três anos e meio e eu a cinco, porque os meus actos haviam ameaçado todo o país e porque me consideravam o líder desta actividade contra - revolucionária. Ficámos estupefactos. Nem conseguimos pensar. Ninguém chorou, mas caímos num abatimento profundo.
Peter Molloy, in O Mundo Perdido do Comunismo (págs 108-111), Bertrand 20009

3 comentários:

A disse...

Como (quase?)tudo na vida, a liberdade não pode ser tomada como dado adquirido.
Infelizmente, cada vez tenho mais receio desta crise galopante, não só do ponto de vista económico, mas sobretudo de atenção relativamente aos atropelos que se estão a fazer aos direitos das pessoas, em nome da dita crise económica.
Post oportuníssimo.

Ana Paula Sena disse...

Gostei imenso de ler este testemunho, Paulo.
Há ruínas construtivas. A queda do muro de Berlim é uma delas.

É extraordinário onde pode chegar o fundamentalismo ideológico, entrincheirado em sistemas repressivos.

Obrigada :)

Paulo disse...

Austeriana
A liberdade é uma construção individual e, depois, colectiva. Para mim, é um conceito que implica respeito pela diversidade e empenho de cada um na construção duma sociedade assente em valores. É, justamente, nos momentos de crise - económica e de valores - que surgem os maiores perigos de soluções "providenciais", que, historicamente,passam pela liquidação das liberdades como solução necessária (e muitas vezes aceite)para vencer a crise. Indispensável a atenção.

Ana Paula
A democracia e a liberdade não são - apenas - votar de 4 em 4 anos. Tão pouco a garantia de ter um emprego, um sítio para morar, saúde gratuita e cultura sob programa pré definido faz as pessoas felizes, como se viu na ex RDA. Há toda uma construção social de respeito pela individualidade e pela diversidade que faz falta às pessoas. Para mim, foi isso que a queda deste Muro quis dizer.