31 julho 2009

Sincerely Yours















A voz grave, melodiosa, inimitável; um espectáculo envolvente, sóbrio, inesquecível. Cohen cantava especialmente para cada um de nós, num Pavilhão quase cheio. O charme, a elegância de gestos, uma postura serena que só se encontra em quem já tem a sabedoria das coisas "quase" insignificantes.
Um must.

"Buda"

Vi, no teu rosto de cão,
o amor que pouco vi no rosto dos homens.

(José Agostinho Batista)

29 julho 2009

Imagem


Tê gostava muito da rua de trás, era lá que moravam os ciganos e a menina Cremilde, onde ela ía, de vez em quando, lanchar pão com marmelada. A menina Cremilde era costureira e cantava enquanto passava a ferro. Ao sábado, chegava o senhor da menina Cremilde.
Logo a seguir,entre cheiro a mofo e carapaus fritos, havia uma pequena loja de roupa usada, onde morava uma senhora velha, muito velha e com ar de feiticeira.
Tê passava por lá e metia conversa com a velhota.
Um dia, esta, com um sorrisinho maroto, disse-lhe:
-Tenho aqui uma coisa que deve ser da menina.
-O que é?
A velhota foi buscar lá dentro e apareceu, com o mistério na mão.
Estendeu-lhe uma fotografia já um pouco amarrotada.
-Mas, sou eu! Como é que a senhora tem uma fotografia minha??
-Olhe, menina, estava no bolso deste sobretudo, este.
Era azul.
-Então e de quem era o sobretudo?
-Ah, era de um menino.
-E onde mora o menino?
-Olhe, não sei bem, mas acho que é lá para cima, para os lados da Sé.
-Mas não sabe o nome dele?
-Não sei, não, menina.
Tê teve a certeza de que ela sabia, mas não insistiu.
Agradeceu e levou a foto para casa.
Tinha sido tirada já há um tempo e havia sido arrancada dos ficheiros da piscina. Aliás tinha uma espécie de carimbo, certamente da altura da inscrição.
Ora esta, pensou Tê, quem será?
Fartou-se de pensar, mas acho que nunca chegou a saber.
Quando passa pela rua de trás, lembra-se sempre dos ciganos, da menina Cremilde e da velhota marota.

Do menino nada sabe, mas também, que raio de apaixonado era aquele que deixava assim a imagem do seu amor, ao deus-dará,por esses bolsos do fim do mundo?

28 julho 2009

Bendita Cafeína


Pode afirmar-se que existe uma relação inversa entre consumo de café ao longo da vida e incidência de patologia neuro-degenerativa em geral?
Neste momento, existe evidência de efeito neuro protector da cafeína não só em relação ao declínio cognitivo associado ao envelhecimento e possivelmente doença de Alzheimer, mas também em relação à doença de Parkinson. De facto, dois estudos epidemiológicos de grande dimensão* mostram que o consumo de cafeína está associado a um menor risco de desenvolver doença de Parkinson. Seria interessante investigar se um efeito semelhante se verifica em relação a outras doenças neuro-degenerativas.
Prof. Alexandre Mendonça, Dep. de Neurologia e Laboratório de Neurociências,
Fac. Medicina de Lisboa e Instituto de Medicina Molecular, Universidade de Lisboa

*The neuro-protective effects of caffeine: a prospective population study (the Three City Study). Neurology 69:536-545
(imagem aqui)

27 julho 2009

História de um crime

História Universal da Destruição dos Livros (Texto Editores,2009) é uma obra lúcida, contundente e arrasadora dum crime perpetrado desde que apareceram os primeiros livros na Suméria há mais de 5000 anos. Fernando Báez conduz-nos com a maestria do amor pelo livro, neste singular e incompreensível parodoxo da humanidade que é a destruição do que de mais belo e nobre têm criado.Uma dolorosa mas fascinante viagem que começa na Suméria e nos leva a Alexandria, aos Manuscritos do Mar Morto, à perseguição chinesa dos textos Budistas 200 anos AC, à censura e perseguição no Império Romano, aos anos de trevas medievais, a Inquisição, as proibições da ortodoxia inglesa na "caça às bruxas", o período anterior à Revolução Francesa com a destruição das obras de Voltaire e, depois da Revolução, o desaparecimento de mais de 4000.000 livros considerados contra revolucionários. O século XX é revisto exaustivamente, desde a Guerra Civil de Espanha (1936-39), à Invasão do Iraque (2003), passando pelo bibliocausto Nazi, a censura de Estado na América do Norte e nos regimes soviéticos, a Revolução Cultural Chinesa e as ditaduras sul americanas.Um livro intenso, de leitura obrigatória para quem ama o livro, a cultura e a memória da humanidade.

História Universal da Destruição dos Livros aqui

25 julho 2009

Casa



Este lugar donde se pode ver o mundo
este lugar é uma ruga ou um assombro
sentido do tempo onde pousasse a dor
vestígio de silêncio em desalinho

Longo caminho de pedra e de passado
das margens do ser que te morava
aqui o branco é lento e sujo
o gesto breve o lume brando

Aqui deste lugar que te cercou
onde se morreu o dia pela tarde
a sombra se transforma em liberdade

24 julho 2009

Prelúdio matinal

O criador da nova composição nas artes é um fora-da-lei até que ele seja um clássico.

Gertrude Stein

23 julho 2009

Barroco Tropical,de José Eduardo Agualusa


Este livro, o último de José Eduardo Agualusa, "Barroco Tropical", conta-nos não uma história, mas muitas, e, à sombra de Jorge Luís Borges, vão-nos aparecendo todas as personagens fantásticas, quase irreais, que povoam uma Luanda meia enlouquecida, do pós-guerra, da pós-independência, do pós-tudo.
..."O centro de saúde mental Tata Ambroise recebe apoio governamental, de instituições privadas e de familiares dos acorrentados. O governo entrega a Tata Ambroise não apenas os doentes mentais sem eira nem beira que vagueiam pela cidade e arredores, mas também um ou outro dissidente mais contestatário. O facto de alguém denunciar , com excessiva veemência, as políticas governamentais, ou a inexistência de políticas governamentais e de uma "verdadeira democracia", seja lá o que isso for, já indicia, na opinião dos nossos dirigentes, certa instabilidade mental."
Agualusa, usando a ficção, denuncia, com coragem, a corrupção, a violência, a injustiça.
No entanto, o seu livro, talvez o melhor, leva-nos numa viagem sentida a uma Luanda colorida, onde tudo pode acontecer, onde os melhores e os piores, os traficantes de armas, os estropiados, os terroristas, curandeiros, catorzinhas,pintores, cantoras e, até, um anjo negro se cruzam, num relato sentido, divertido, poético.
"...Lua é o diminutivo carinhoso, com que nós, os luandenses, nos referimos à nossa cidade. Acho um termo muito acertado. Luanda partilha com a Lua a mesma árida e agreste desolação, a mesma poeira sufocante. Todavia, como a lua, vista de noite, e de longe, parece bela.  Iluminada, seduz. Além disso, a sua luz tem o estranho poder de transformar homens simples em lobos ferozes".

22 julho 2009

Que c'est mignon!

O projecto de formação, em 1906, dos Petits Chanteurs à la Croix de Bois (PCCB) deve-se a dois estudantes que, em férias, tiveram a ideia de criar um coro itinerante de música religiosa, mas que não estivesse afecto a nenhuma paróquia ou igreja específica. Este facto, só por si, constituiu uma ruptura com a tradição milenar deste tipo de coros infantis.
Cerca de 1924, com um sucesso sem precedentes e reconhecido pelo Vaticano, o grupo impulsiona decisivamente o canto coral na Europa, o que originaria, nos anos 50, a formação dos Pueri Cantores, repartidos por vários grupos corais, integrando milhares de jovens de todos os continentes.
(Quem viu o filme Les Choristes, de 2004, certamente se lembrará da prestação fabulosa de um desses alunos-cantores, "ganho" pelo professor justamente através do canto.)

Para os que não conhecem, partilho aqui um exemplo do trabalho vocal desses jovens, num concerto dado em Seul, em 1996.
A peça, geralmente atribuída a Rossini, é um mixed de algumas passagens de Otello com a Katte-Cavatine de Weyser, que Robert Lucas de Pearsall criou para o seu Duetto Buffo di Due Gatti.
Digam lá se não é uma delícia...

Saída de emergência...

O mais longo eclipse total do Sol deste século (6 minutos e 39 segundos, um recorde que apenas será superado no ano de 2132 !!!) não foi visível em Portugal.
Sete novos casos de gripe A (H1 N1) aumentam para 161 o número de infectados em Portugal.
As taxas de juro da Euribor continuam em queda.
O carro de James Bond foi vendido por 122 mil euros.
Reforma da saúde desgasta Obama, que enfrenta oposição no seu partido.
Os peixes europeus estão cada vez mais pequenos, devido ao aumento da temperatura das águas.
O défice do Estado quase duplicou no espaço de um mês.
Os nativos do signo Caranguejo devem fazer marcha atrás para resolver assuntos pendentes, sem se deixarem vencer.
Dificuldades financeiras levam uma jovem equatoriana de 28 anos a leiloar, na net, a sua primeira experiência sexual.
A Helena Roseta conseguiu enfiar-nos uma grande peta.
Romário passou uma noite na prisão.
Dez em cada cem internamentos hospitalares têm danos para o doente.
Homens que lavem a loiça têm melhor vida sexual, mas passar mais tempo com os filhos prejudica a intimidade do casal e diminui o número de momentos românticos.
Três pessoas foram acusadas de terem deixado que ratos comessem dedos do pé de uma bébé de seis meses.
Beber vinho tinto dá mais cinco anos de vida.
O último Harry Potter é agora a saga de dezenas de hormonas andantes.
Duas mulheres foram colhidas por um comboio da Linha do Oeste.
O descrédito na justiça é um dos maiores problemas da democracia portuguesa.
etc., etc., etc,.

Como diria o Mário-Henrique Leiria*: Não há dúvida que o Paraíso está a tornar-se cada vez mais chato! Vou atrás do próximo eclipse. . . da lua.

* in Contos do Gin-Tonic, 1976

21 julho 2009

O mistério da Senhora


Tinham passado meses desde o meu último trabalho. A crise ia alastrando e chegava agora à investigação privada. Tudo o que eu fazia nestes dias resumia-se a levantar tarde, beber litradas de café e fumar por todos os poros. Isto como actividade diurna; à noite tinha retomado, com esforço, as aulas de Forró no Paladium, onde destilava toxinas e produzia aminas compensadoras.
Dizem que é nestas horas difíceis que se sente a crença de cada um.
A minha era escassa mas, depois do que me sucedeu neste início de Primavera, tudo está em aberto.
........
Naquele meu primeiro contacto com a imagem reversível de Nossa Senhora não houve um caso de amor à primeira vista. Acabava de fazer a rotineira entrada no escritório, só para ver se havia muitas facturas pendentes no meio da espessa poeira do lugar, quando reparei na estatueta pousada na secretária.
O olhar que a Senhora me devolveu não tinha a doçura quente da confiança, mas a opacidade branca duma limonada gelada em dia de inverno. Mesmo na obscuridade amarelada do espaço, a expressão atingiu-me com dureza.
Porém, foi a reversibilidade da peça o que alimentou em mim a esperança de que, se a olhasse dum outro ângulo, poderia sentir algo próximo da confortável paz das divindades.
Nada mais falso: o que surgia, ao rodá-la como um pião, era uma vulgar azinheira em cima da qual caíam flocos algodonados de uma nata esfarelada, imitando neve, sempre que agitávamos a imagem.
Revendo o rosto da Santa, entendi-a e, sobretudo, fez-se claro para mim como, com uma carga destas sobre os ombros, o quente olhar de mãe arrefecia e gelava da mais negra tristeza.
Quem e porquê a teriam posto ali?
Talvez peregrinos, fumadores por supuesto, já que o maço de Ducados, aberto ao lado da imagem, não deixava dúvidas. O cheiro acre, corrosivo, que dele se desprendia tinha-me tocado à entrada e tornava-se cada vez mais organizado nos meus sentidos. Era bem a Espanha toureira, morena, andaluza, que agora em mim habitava. Naquele cheiro preto, quente e ácido havia o calor da Meseta, a secura dos campos de miséria de Las Hurdes e o árido chão Granadino tingido pelo sangue de Lorca. Senti-o ao esfarelar um cigarro deste tabaco grosso e difícil de queimar.
Teria sido deixado junto à imagem reversível de Nossa Senhora por acaso? Haveria ligação entre os dois objectos?
A resposta poderia estar na brancura enigmática dum post it colado no tampo da mesa. Escrito nele seis vezes o algarismo seis a seguir a um indicativo internacional, facilmente identificado por mim, que trabalhei nisto toda a vida, como sendo o da gélida cidade de Akureyri, na Islândia.
Assim, deslizava lentamente para aquela sala uma brisa árctica que tornava mais sombrio o rosto da Senhora e menos saleroso o fumo negro que saía do Ducados que eu, entretanto, tinha acendido.

20 julho 2009

Aveiro Canal Central

Ponte Pedonal entre o Rossio e o Alboi

Está a concurso um projecto de ponte pedonal entre o Rossio e o Alboi.
A ideia, em si, não parece mal, uma vez que permite o acesso rápido entre a zona da Universidade e o Rossio e Praça do Peixe.
A minha dúvida e de muitas pessoas é :
1-Porquê fazer uma ponte pedonal sem contar com o circuito de bicicletas, tão importante na nossa cidade?
2-Por que não fazer a travessia noutro sítio menos prejudicial ao Canal Central, menos danoso ao Rossio com as suas magníficas palmeiras?
3- Qual a razão desta ponte que põe em causa o projecto Polis, uma vez que este previa o atravessamento na zona da Lota, causando menos problemas?
4-Por que não se faz um debate público sobre o assunto?
Muita atenção a esta zona sensível da nossa ria, uma espécie de salão nobre da cidade.

20 de Julho de 1969



*

Niels Armstrong pôs os pés na Lua
e a Humanidade saudou nele
o Homem Novo.
No calendário da História sublinhou-se
com espesso traço o memorável feito.
Tudo nele era novo.
Vestia quinze fatos sobrepostos.
Primeiro, sobre a pele, cobrindo-o de alto a baixo,
um colante poroso de rede tricotada
para ventilação e temperatura próprias.
Logo após, outros fatos, e outros e mais outros,
catorze, no total,
de película de nylon
e borracha sintética.
Envolvendo o conjunto, do tronco até aos pés,
na cabeça e nos braços,
confusíssima trama de canais
para circulação dos fluidos necessários,
da água e do oxigénio.
A cobrir tudo, enfim, como um balão ao vento,
um envólucro soprado de tela de alumínio.
Capacete de rosca, de especial fibra de vidro,
auscultadores e microfones,
e, nas mãos penduradas, tentáculos programados,
luvas com luz nos dedos.
Numa cama de rede, penduradada
da parede do módulo,
na majestade augusta do silêncio,
dormia o Homem Novo a caminho da Lua.
Cá de longe, na Terra, num burburinho ansioso,
bocas de espanto e olhos de humidade,
todos se interpelavam e falavam,
do Homem Novo,
do Homem Novo,
do Homem Novo.
Sobre a Lua, Armstrong pôs finalmente os pés.
Caminhava hesitante e cauteloso,
pé aqui,
pé ali,
as pernas afastadas,os braços insuflados como balões pneumáticos,
o tronco debruçado sobre o solo.
Lá vai ele.
Lá vai o Homem Novo
medindo e calculando cada passo,
puxando pelo corpo como bloco emperrado.
Mais um passo.
Mais outro.
Num sobre-humano esforço
levanta a mão sapuda e qualquer coisa nela.
Com redobrado alento avança mais um passo,
e a Humanidade inteira,
com o coração pequeno e ressequido,
viu, com os olhos que a terra há-de comer,
o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira
da sua Pátria,
exactamente como faria o Homem Velho.

António Gedeão, Novos Poemas Póstumos, Ed. Sá da Costa, 1990.
* Sting & The Police - Walking on The Moon

19 julho 2009

Romancero Gitano


As bonitas ruínas do Convento do Carmo são, até 23 de Julho, o cenário do espectáculo Romancero Gitano, encenado por António Pires, com Graciano Dias, João Barbosa, Lula Pena, Gabriel Gomes, Ricardo Aibéo e Rita Loureiro no elenco.
Concebido a partir da obra homónima de Federico Garcia Lorca, a que se juntaram poemas e peças de teatro da sua juventude, o espectáculo cruza as sonoridades do fado, do flamenco e do acordeão. A voz grave de Lula Pena realça o lamento que percorre toda a peça.

Começou à hora marcada. E foi um belíssimo espectáculo. Simples, sóbrio e intenso, como muitos dos versos dos poemas.
(Para combater a fria brisa nocturna, valeu-nos o chocolate quente a seguir e o calor do riso dos amigos.)

A foto é do Paulo.

18 julho 2009

Parabéns


Foram Muito Felizes (conclusão)


Anoitecia e Julieta apareceu ao portão, chamando Tê.
-É por causa do meu pai, ele quer falar contigo e já. Pede que lá vás, tem que ser já!
Julieta que a puxava e Tê a ver tudo à roda, de repente, cinzento e verde. Duas cores que Tê visualiza, quando sobe a adrenalina. Devia ser amarelo, mas não, é cinzento e verde.
A casa baixa, o cheiro não é propriamente o perfume do Cenoura, muito menos o do professor. A porta e, a seguir, um cortinado às flores, depois umas pernas deitadas na cama pobre. Um corpo e, no fim do corpo, uma cabeça, uma cara, um bigode. Na mão, o cigarro. À volta, cinzento e verde.
Tê estava em casa do cigano.
E o cigano perguntou:
-É verdade que deu essas brincadeiras à Julieta?
-É, fui eu que dei.
-Era só para saber, não quero que a Julieta roube nada. De certeza?
-É, é verdade, fui eu. (cinzento e verde).
-Então está bem, pode ir embora.
Não agradeceu. Só disse: pode ir embora. Tê sorriu aliviada. Já não teve medo e achou o homem simpático, embora com o tal olhar. Moralmente superior, uma felina dignidade.
O mistério desaparecera. Acabava o medo dos ciganos, por isso não voltou a brincar com Julieta Bota.
Hoje ela trata-a por menina. São da mesma idade, mas há um fosso, ou uma cumplicidade.
Julieta passa com os filhos. Tê anda no Liceu.
Há duas coisas que Tê não esquece: os sapatos do cigano, em cima da cama e o olhar selvagem.
Do olhar, já se sabe que é selvagem e já se disse tudo, dos sapatos ainda não.
Os sapatos dos ciganos são diferentes de tudo. Normalmente são castanhos e mais bicudos. Vulgarmente têm aqueles furinhos,até de Inverno. Como os ciganos,têm espelhados na pele as longas caminhadas. Não são, simplesmente, uns sapatos velhos. São uns sapatos vividos, e nas rugas do couro, podemos ouvir segredos, negócios estranhos, grandes amores. Se forem pretos, têm o salto um pouco mais alto e remetem para danças e brigas, salero, espanholices e coisas assim.
Também os sapatos das ciganas...

Muitas luas passaram.
O Liceu lá está, imóvel.
Julieta continua a deambular com a filharada, todos em bando, já tem netos.
Nós andamos por aí.
Do professor nada sabemos.Desapareceu, quando foi expulso,por ser diferente e honesto.
O Cenoura guia enormes automóveis e há quem o acuse de golpadas e negócios escuros. Sempre-de-lenço-ao-pescoço.
Uns teimam em não se acomodar, buscam sempre o impossível. Estão, por isso, envelhecidos, embora bronzeados,embora in, estão cansados.
Outros foram muito felizes.
Todos tiveram meninos.

(pintura de Miró)

17 julho 2009

O Homem sem Qualidades


...Entrou na pequena sala onde estava o caixão com o morto. Aquela cela severa, de paredes direitas, no meio da azáfama agitada que suscitava, era qualquer coisa de estranhamente inquietante. O morto, hirto como um pau, flutuava entre as ondas dessa azáfama, mas durante alguns instantes a imagem invertia-se, agora era o vivo que parecia hirto, e o morto deslizava num movimento incrivelmente calmo. "Que importam ao viajante", disse de si para si, "as cidades que vão ficando para trás nos lugares onde aporta? Eu vivi aqui, comportei-me como me era pedido, mas agora a viagem continua!..."A insegrança do homem que vive no meio dos outros mas busca algo diferente deles oprimia o coração de Ulrich: olhou de frente o pai. Talvez tudo aquilo que ele via como singularidade pessoal não fosse mais do que uma contradição dependente desse rosto, que um dia assimilara infantilmente. Procurou um espelho, mas não havia nenhum na sala, e toda a luz era reflectida por aquele rosto cego. Tentou descobrir nele semelhanças. Talvez existissem. Talvez tudo estivesse aí, a raça, a dependência, a impessoalidade, a corrente da hereditariadade em que somos apenas uma ruga, a limitação, o desânimo, a eterna repetição e o círculo vicioso do espírito, que odiava do fundo da sua vontade de viver!
Subitamente tocado por esse desânimo, interrogou-se sobre se não devia fazer as malas e regressar antes mesmo do enterro. Se ainda tinha alguma coisa a fazer na vida, porquê ficar ali?...

Robert Musil, O Homem sem Qualidades (Tradução João Barrento, D.Quixote)
Fotografia:Annelise Kretschmer (Encontrada aqui).


Em O Homem sem Qualidades Robert Musil propõe-nos uma intensa viagem em torno das emoções, dos sentimentos e dos valores, numa sociedade em mudança. Neste excerto uma perturbante reflexão sobre o significado da morte do Pai e do sentido que a sua figura teve (tem) na nossa construção.

16 julho 2009

Foram Muito Felizes


O professor falava, a bata branca um pouco curta por cima do fato cinzento, sempre cinzento.Os professores e os fatos cinzentos...só que este tinha colorido na alma e, por baixo das lentes grossas, um olhar inesperadamente terno e sincero. Também a fixação dos inteligentes. Quantos anos teria? Não sabíamos, mas era novo, apesar dos prováveis trinta, o que seria, para nós, em situação normal, sinal evidente de um ser caduco e a abater. Este era novo.

Era O Professor.
Imediatamente eleito, aceite, introduzido nas tertúlias, convidado para as festas de anos.
Havia sempre, mas sempre, um pequeno grupo que o levava a casa, ao fim da tarde. Aconteceram paixões secretas que ele recusava, sistematicamente. Não era feliz, contudo. Uma esposa que vinha, ao fim de semana, que era estranha, que dormia com um gorro na cabeça!
Sempre pareceu a Tê que isto do gorro era peta, como é que sabiam que a mulher dormia assim enchapelada?
De qualquer forma, todos achávamos que um homem como ele não merecia dormir com alguém-de-gorro-na-cabeça. E esse facto redobrava a nossa afeição,tentávamos tudo para o compensar de tão cruel destino.
O nosso professor não nos poupava a esforços, contudo. Nas aulas , fazia-nos trabalhar muito e havia um acordo secreto, mas não explícito, de que ninguém quebraria essa regra. Tê quebrava-a, mas só exteriormente. Enquanto falava de Platão e de Sócrates, de Camus, de Sartre, muito de Sartre, olhava os seus gestos suaves, seguia o seu olhar adivinhador que percorria ,um a um, os cadernos, as cabeças, as carteiras, ou então vagamente a janela, a cabeça levantada, quando mais atento. Elegante, e esse cheiro a lavanda fresca, quando passava. O perfume ficava até à aula seguinte. Como é que os perfumes podem ter efeitos tão diferentes, conforme as pessoas que os usam? O Cenoura. O Cenoura, por exemplo, quando entrava na explicação, era um desgosto. Vinha todo cheiroso, despejava os frascos de after-shave do pai pela cabeça abaixo. Toda a gente ficava enjoada. E depois, usava aqueles lenços de seda ao pescoço, por dentro do colarinho aberto - de tão charmoso que se punha, acabava por ser rejeitado. Pobre Cenoura, não se pode ser diferente.

Julieta Bota. Via-a passar já com filhos. Dezassete anos, dois filhos. Um corpo ainda bonito, mas já amolecido pelos trabalhos. O olhar, sempre aquele, fixo. Que o olhar dos ciganos é muito diferente, um misto de raiva e ternura, é selvagem e antigo. Vem do fim dos tempos, traz a memória dos povos por onde deambularam. Nunca submisso. Tê andara com ela na escola. Ainda por cima, os Bota moravam na rua de trás.
Tê, às vezes, vinha com Julieta, entrava no quintal pelo portão do fundo e brincavam, na sala do piano. Não se pode dizer que fosse a companhia mais edificante, mas Tê gostava dela, ou tinha curiosidade, sei lá...Julieta falava de coisas tão estranhas, dos casamentos, das lutas, dos enterros, das festas, das músicas, dos parentes, das histórias. Tê ouvia-a, cheia de cautelosa atenção. Cautelosa, porque sabia, mais cedo ou mais tarde, não resistiria, iria a casa de Julieta Bota conhecer esse fantástico e assustador mundo. Cautelosa, porque segredo, a mãe nunca deixaria, o pai talvez.

Numa dessas tardes, Tê resolveu dar-lhe uma prenda, um servicinho-miniatura de louça Vista-Alegre pintado à mão, uma relíquia da casa, coisa finíssima e ancestral. Julieta, incrédula e muda, levou-o, contentíssima e sorrateira.
Ninguém deu pela falta e os dias foram correndo, como correm os dias. (continua)

15 julho 2009

A Avó

Fechou o portão da cerca e prendeu a cancela com o arame ferrugento. Não se afastou logo… ficou ali parada, a olhar as cabras que se juntavam no bebedouro e sorviam toda a água que podiam, numa luta de encontrões em que as maiores tomavam a primazia.
A brisa trouxe-lhe o cheiro quente do restolho e sorriu enquanto o olhar se estende para a lonjura do horizonte, onde o sol se deita, lá para os lados de Messejana e, mais longe, Odemira.
O pensamento voa agora com o olhar e traz uma sombra ao rosto, enquanto o peito é inundado por uma a angústia sem nome.
Por entre a água que lhe humedece os olhos, é como se Rosa visse, naquele segundo antes de escurecer, o castelo onde vivera a infância, embrulhada nos contos mágicos e nas lendas fantasiosas da avó. E lembra:

“Vocemecê dá-me com a miúda em doida” ralhava a mãe quando a vinha buscar depois das semanas de ceifa em Ferreira.
“Não ligues, Vó… não te importes com o que diz a Mãe…” Amanhã venho para ouvir a história da Moira e do Toiro. Contas, pois contas, Vó?” - perguntava Rosa, os olhos abertos e o rosto colado ao da velhota, sentada junto ao lume.
“ Rosa, Rosa, deixa de dar à língua, cachopa!”. “Tu apanhas, tu apanhas!” - gritava a Mãe a arrastá-la de novo.
Pela noite, na cama minúscula, antes do sono chegar, Rosa recordava as palavras da Avó e todas as histórias já ouvidas. Contos de princesas, alcaides e castelos…
“Era um castelo como o nosso, Vó?” - interrompia Rosa.
“Maior, muito maior” - dizia a velhota com os olhos brilhantes…. “Com muralhas até ao céu…”

Agora, a escuridão já ocupou o céu e trouxe Rosa à realidade, tão longe da Avó. Falou ao gado, desejando boa noite, e caminhou para a casa térrea.
Tinha de encher a lamparina antes de entrar. Quando se instalaram ali, depois do casamento, Toino dissera-lhe que a luz não lhes faria falta,
“ Isso são manias que te ficaram da tua Avó.” respondera com brusquidão, quando ela fizera a sugestão de ter electricidade. “ gastos de rico, mordomias”…
“Pra cozer a roupa, homem, ou chegar-te alguma coisa que precises depois da deita…”
“Gastos de rico, te digo! Quem se deita antes do sol se pôr e se levanta quando começa o dia, não tem precisão… fantasias daquela velha".

Era bem verdade que a luz a lançar sombras nas paredes lhe trazia a lembrança das histórias aprendidas em casa da Maria do Pranto, sua Avó.
Mulher conhecida em todos os lugares da freguesia de Messejana e até mesmo em Aljustrel. Fazia benzeduras, tirava mau-olhado, mas sobretudo punha gente no mundo.
Tantas vezes, de noite, acordara com o povo a bater à porta da Avó:
“Oh da casa, Maria do Pranto…venha depressa, mulher…”. E ela corria aonde a chamavam.
“Não me canso de pôr gente no mundo, filha” - dizia sempre que ela lhe perguntava se não se importava de sair da cama a toda a hora.

Nunca me habituei à sua ausência - pensa Rosa, sentada na mesa da cozinha. Olha a chama do candeeiro e sorri às memórias… Uma vida carregada de perdas. O Pai… Não, o Pai não é perda; nunca o viu, então não é perda.
“Um Ganhão, sem eira nem beira” - dissera-lhe a Mãe das poucas vezes que quis saber do Pai. “ Nunca soube o destino que levou…”
A Avó fora sempre prudente nos comentários, dali nunca apurou nada…
“Uma peça, filha, aquilo era uma peça… e levou a tua Mãe no seu canto… Desgraçou-a, foi o que foi”…
Depois Rosa casou. Nasceram os filhos, ainda com ajuda das mãos da Avó, e a Mãe morreu logo a seguir. Talvez fosse tudo isso o que lhe apagou a vontade de saber do Pai.
É verdade que, por vezes, sentira muito a sua falta. Sobretudo quando, já sem a Avó, tivera de enfrentar sozinha o grande desafio da sua vida. Uma provação bem mais difícil do que era esta de ter os dois filhos na guerra, lá longe, numa África que só conhecia de nome e de dor.
Por mais duros que fossem estes tempos, não tinham o perigo que tivera de enfrentar, dentro de casa, naquele inverno que não quer lembrar.

Chico


"Leite Derramado" é o novo livro de Chico Buarque.

Chico Buarque já não é só o grande cantor, poeta, compositor.
Agora é, sobretudo, um grande escritor.
Este seu "Leite Derramado" surpreende, vai muito além dos livros anteriores.
Num hospital, um velho muito velho vai narrando à filha, à enfermeira, pedaços da sua vida e do Brasil, uma saga familiar, a história da sua decadência social e económica, tudo misturado com figuras do Império, da Primeira República e, até, do Brasil actual.
Divertido, dramático, cáustico, "Leite Derramado" lê-se de rajada, sem se poder parar.
Cheira a Machado de Assis e sente-se um Chico muito acima, depurado, intenso, inovador.

"Leite Derramado"-edições D. Quixote

13 julho 2009

Câmara Lenta

Depois de matutar no fim de semana, respondo com muito gosto ao desafio feito aqui (5 situações + 1 bónus).

1. O compacto de 2 anos de vida, começando aí por Janeiro de 74 e terminando em Janeiro de 76.
Um tempo onde tudo pareceu possível, 2 anos que foram uma montanha russa de emoções, sonhos, desilusão, amargura e festa, muita festa. No final, ficou a memória.

2. O abraço forte do pai, no momento em que me tornei oficial do mesmo ofício. Foi como um fechar de ciclo, pela sua mão percorri todos os corredores da grande casa que é a vida e ele foi-me abrindo algmas portas para mostrar onde ficam as coisas.

3. O momento em que ela, ainda de fralda, se ergue do chão, segura com firmeza a borda da banheira, olha para mim que, de joelhos no chão, estendo os braços, e a sorrir dá os três primeiros passos até abraçar o meu pescoço.

4. A primeira aparição pública ("concerto") de um talentoso adolescente que sonhava ser profissional de guitarra clássica.

5. Um jantar de verão onde aprendi a importância da polpa dos dedos na descoberta do amor.

( 6. O último longo e terno abraço que me deu, pressentindo que não haveria outro. )

12 julho 2009

Cães Nossos Amigos


Amigos:
Este é um desabafo.
Fui hoje, como vou frequentemente, passear os meus, nossos, cães, que são uma cadela muito querida chamada Nini e um senhor cão, chamado Trigo.
A Nini é uma Yorkshire-Terrier, como consta da foto, extremamente alegre e sociável.
O Trigo é um Golden-Retriver, o mais pacífico e bondoso dos cães.
Quando passeamos temos de tudo: gente que pára para lhes fazer festas, miúdos que os querem levar para casa, ou então o oposto, pessoas que se afastam, com medo (!), cidadãos que vociferam, por acharem que sujam os relvados.
Claro está que tenho sempre o cuidado de limpar os presentes que nos oferecem, mas como nem todos o fazem, lá pagamos moralmente pelos incumpridores.
Depois, há a guerra dos elevadores.
Agora puseram um letreiro, no sítio onde moro, proibindo a viagem dos nossos melhores amigos nos ditos meios de transporte.
Eu que, até há pouco, morava numa vivenda, onde estava à vontade, tenho que me submeter agora a estas regras discriminatórias.
Porque se trata disso!
Já não sei o que fazer.
E é tudo, foi um desabafo.

Funny the way it is

Porque os amigos nos dão informações que, depois, gostamos de partilhar:

(do álbum Big Whiskey and the GrooGrux King)

Cerca de quinze anos de existência.
Excelentes actuações ao vivo. A última ontem, em Algés, no Optimus Alive 09.
Intensa e leal coorte de fãs.
Quatro discos a entrar directamente para o primeiro lugar do top americano.
Um Grammy e 14 milhões de discos vendidos.

Lying in the park on a beautiful day,
Sunshine in the grass, and the children play.
Siren’s passing, fire engine red,
Someone’s house is burning down on a day like this?

The evening comes and we’re hanging out,
On the front step, and a car rolls by with the windows rolled down,
And that war song is playing, “why can’t we be friends?”
Someone is screaming and crying in the apartment upstairs

Funny the way it is, if you think about it
Somebody’s going hungry and someone else is eating out
Funny the way it is, not right or wrong
Somebody’s heart is broken and it becomes your favorite song

The way your mouth feels in your lovers kiss
Like a pretty bird on a breeze or water to a fish
A bomb blast brings a building crashing to the floor
You can hear the laughter, while the children play “war”

Funny the way it is, if you think about it
one kid walks 10 miles to school, another’s dropping out
Funny the way it is, not right or wrong
On a soldier’s last breath his baby’s being born
Standing on a bridge, watch the water passing under me
It must’ve been much harder when there was no bridge, just water
Now the world is small. Remember how it used to be,
with mountains and oceans and winters and rivers and stars?

Watch the sky, the jet planes, so far out of my reach
Is there someone up there looking down on me?
Boy chase a bird, so close but every time
He’ll never catch her, but he can’t stop trying
(...)

11 julho 2009

A Mulher


(Este texto foi feito a partir de leituras várias)

Os estudiosos das primeiras idades da Humanidade que interpretaram os raros e incertos testemunhos, monumentos, religiões, línguas, tradições, documentos, dizem poder distinguir, na condição da mulher, três estádios da evolução primitiva.

O primeiro estádio seria o da comunidade de mulheres. Como os rebanhos, elas pertencem à tribo.
A incerteza da paternidade não permite outro parentesco senão o da mãe de quem a criança toma o nome e a herança. É curioso pensar que a noção de paternidade, atribuida ao pai, é um dado recente e, portanto, cultural.

O segundo estádio terá sido o da poliandria. A mulher tem vários maridos.

Enfim, o terceiro seria caracterizado pela passagem do matriarcado ao patriarcado. O homem, o marido, afirma-se como chefe.
É a sua vez de ter várias mulheres.. É o regime de poligamia, com intervalos ou excepções de monogamia, ou bigamia.

Alguns factos são, no entanto, susceptíveis de interpretações contraditórias. De qualquer modo,é-nos permitido admitir que, entre os primitivos e mesmo na alta antiguidade, a condição feminina se identifica como a ideia de propriedade: o homem obtém a mulher pela via da conquista, por compra, por cedência, tem sobre ela direito de vida ou de morte.
Que o acasalamento dos seres humanos não é , na regra, uma instituição civil e religiosa, fundamentada nos sentimentos afectivos.
A crença na imortalidade, a religião, economia, influenciariam,doravante , o destino da mulher.

Prazeres da Vida


Todos os seres humanos têm – os esquizofrénicos e bipolares em maior grau – um traço biológico cognitivo da personalidade que é a desinibição.
Quanto maior for a desinibição, maior criatividade existe e, portanto, mais facilidade de criação artística e musical. As artes plásticas e a música geram, como a boa comida, o sexo e as drogas, sentimentos de bem-estar. Ouvir boa música e compô-la fazem também parte do sistema "motivador e de recompensa" que garante a sobrevivência dos seres pela busca de bem-estar.
A composição musical talvez seja um fenómeno mais misterioso para a maioria das pessoas do que cozinhar uma receita especial, mas isso não é razão para as separar (alegando uma suposta espiritualidade da música) de todos os circuitos neurológicos que conhecemos.
As investigações mais recentes revelaram que a música, actuando sobre o sistema nervoso central, aumenta o nível de endorfinas, os opiáceos próprios do cérebro, assim como de outros neurotransmissores, como a dopamina, a acetilcolina e a oxitocina. É sabido que as endorfinas dão motivação e energia face à vida, que produzem optimismo e alegria, que diminuem a dor, que contribuem para a sensação de bem-estar e que estimulam os sentimentos de gratificação e satisfação existencial.
No Centro de Estudos da Adição, em Stanford, o farmacologista Avram Goldstein comprovou que metade das pessoas estudadas sentiam euforia ao ouvir música. As substâncias químicas reparadoras geradas pela alegria e a riqueza emocional da música levam o organismo a produzir os seus próprios anestésicos e a melhorar a actividade imunitária. Goldstein propôs a teoria de que a “emoção musical”, quer dizer, a euforia que resulta de ouvir uma determinada peça musical,é consequência da libertação de endorfinas pela hipófise, ou seja, fruto da actividade eléctrica que se propaga numa região do cérebro e que está ligada aos centros de controlo límbico e autónomo. (...) Outros estudos sugerem também que, de facto, a música convoca circuitos neuronais semelhantes aos que respondem especificamente aos estímulos (biologicamente) relacionados com a sobrevivência - como o sexo e a comida - e a outros que se sabem ser activados por drogas. A descoberta da possibilidade de activação destes sistemas pela música poderá representar, assim, uma capacidade emergente do sistema cognitivo humano.
Eduardo Punset, in El Viaje A La Felicidad (tradução livre)
Foto de Leonard Bernstein, que ensinou tantas gerações o prazer da música.
Música: Mahler, Adagietto da 5ª Sinfonia, convocando todos os nossos circuitos neuronais para a produção das aminas necessárias à sobrevivência...

09 julho 2009

da infelicidade

... Sobrestimamos repetidamente – talvez imersos num afã ridículo e prepotente de nos diferenciarmos do resto dos animais – a singularidade do nosso cérebro. Foi, inclusivamente, considerado “ a máquina mais perfeita do Universo”. A verdade, não obstante, é outra. O cérebro tem sérias limitações, perfeitamente compreensíveis se pensarmos na sua situação: Os humanos – ao contrário dos crustáceos, que têm o esqueleto no exterior e a “carne” no interior - têm o esqueleto e o cérebro no interior e a “carne” no exterior. O cérebro, diz o neurologista norte – americano Rodolfo Llinás, está completamente às escuras. A sua única forma de elucubrar o que ocorre no exterior é interpretando, mal ou bem, as mensagens codificadas que lhe chegam através dos olhos – cheios de conjuntivites e defeitos oculares -, os ouvidos – carregados de otites – e das papilas gustativas deterioradas e obrigadas a pedir auxílio às células olfactivas - mais sofisticadas que elas -, para definir sabores. Não é estranho que em tais condições, as elucubrações do cérebro ampliem ou subestimem a realidade exterior, com o consequente impacto negativo nas emoções e atitudes individuais. Os físicos dizem que 90% da realidade é invisível; os grandes neurologistas como Richard Gregory , que o cérebro “não procura a verdade, mas elucubra para sobreviver” e os fisiologistas atestam que os circuitos de percepção cerebral são extremamente complexos e, portanto, vulneráveis.
(…)
Há quem admita que, perante a impossibilidade de gerir toda a informação disponível e necessária para analisar um facto, um personagem ou um processo, o cérebro opta por conceptualizá-los em modelos abstractos. Face a uma realidade impossível de abarcar em toda a sua extensão – diz o neurocientista Semir Zeki – o cérebro cria modelos abstractos, quase perfeitos – a casa, o homem, a mulher, ou o carro ideais – que contrastam com a trivialidade da vida quotidiana. Como é de esperar, a comparação raramente favorece a coisa, o indivíduo ou o processo em questão, que nunca se aproximam do todo do modelo abstracto e idealizado. O resultado é um estado de insatisfação constante que estaria na base da depressão generalizada…
Eduardo Punset, in El Viaje A La Felicidad
Pintura, Edward Munch

Eduardo Punset nasceu em Barcelona, em 1936. Advogado e economista, teve um papel importante no que toca à abertura de Espanha ao exterior como ministro das Relações para as Comunidades Europeias. Participou na implantação do Estado das autonomias como conseller de Finanças da Generalitat e, como presidente da Delegação do Parlamento Europeu na Polónia, tutelou parte do processo de transformação económica dos países do Leste depois da queda do Muro.Trabalhou também como jornalista económico da BBC e da The Economist, e como representante do Fundo Monetário Internacional na área das Caraíbas. Professor em diversas instituições universitárias, é autor, entre outros livros, de Viagem à Felicidade. Actualmente, dirige e apresenta o programa Redes na televisão espanhola.

(O texto do Post é uma tradução livre feita a partir da edição em castelhano que é a que tenho disponível. Existem traduções em português desta e de outras obras de Punset.)

Sete Partidas


Do alto de Penacova D. Pedro observa
lá em baixo as tropas de Bragança o irmão
bastardo. Vêm cansados sujos desprevenidos.
Pode escrever-se um poema nesse momento
não haverá outro assim para o Infante
acabar com boatos e depois tranquilamente
dizer ao jovem rei que não pretende a coroa
mas apenas respeito pelo modo
como regente serviu sem ambição o reino.
Pode escrever-se um poema nessa hora
com D. Pedro pôr fim à intriga e derrotar a inveja
o mal dizer a mesquinhez e a mentira
essas velhas doenças que são o cancro
de Portugal. Mas de súbito por um escrúpulo moral
um supremo desprendimento que será talvez
um narcisismo do avesso ou (o que é o mesmo)
um excesso de confiança um desinteresse
ou uma incontrolável melancolia
D. Pedro não segue o impulso inicial
nem ouve os que lhe dizem que é preciso
atacar sem demora. O poema escreve-se
nessa razão misteriosa que leva o Infante a retirar-se
sem saber ou talvez sabendo que ao fazê-lo está
a retirar-se da própria História e a permitir
que sejam outros a fazê-la e a escrevê-la. Ninguém
saberá nunca porque hesitou naquela hora. O poema
escreve-se do alto de Penacova e nessa
hesitação fatal em que D. Pedro
inverteu o sentido do futuro. O seu e o nosso.
Talvez acima de tudo ele gostasse
não propriamente do poder mas de
podê-lo ter e não o querer. O poema escreve-se
com D. Pedro no alto de Penacova
nesse instante de renúncia em que ele diz
que mais do que poder o que é preciso
é outro modo de ser e outro país.

[Segunda das Sete Partidas de Manuel Alegre, Edições Nelson de Matos, 2008]

08 julho 2009

O noviço

O fresco da madrugada afagou-lhe o rosto ainda ensonado, enquanto se esforçava por abrir a pesada porta de madeira.
Deslizou suavemente no estreito espaço entre o umbral e correu pelo caminho de terra que, através das vinhas do mosteiro, descia até ao pequeno riacho, agora quase seco.
Nascia mais um dia do Verão de 1561. Sebastião Vaz, depois de muito hesitar e após uma longa e dolorosa reflexão, decidira abandonar o lugar onde, aos 9 anos, fora deixado por sua mãe, Beatriz.
Ali vivera os últimos cinco anos, aprendendo a ser um homem de Deus, como lhe repetia, vezes sem conta, o seu confessor e mestre João Salovino.
Hoje seria a primeira vez que faltaria às Laudes. Embora a sua ausência fosse notada de imediato, sabia que só muito mais tarde o iriam procurar.
Ao primeiro toque do sino, os frades viriam até à capela e depois de fazerem os louvores da manhã, entrariam no refeitório. Esse seria o momento em que Mestre João notaria um lugar vazio. Antes, estaria absorvido demais para olhar à volta, pois aquela hora na capela era de elevação e êxtase: braços em cruz, joelhos na pedra, Mestre João conseguia ver Cristo.
Mil vezes lho disse: - “se fechares os olhos durante a oração, vás a ver-Lo, cerra os olhos e guarda Sebastion, ali está Ele, eu sei que non é um sonho” dizia, com os olhos congestionados e todos os músculos rígidos por baixo do hábito negro.
Ao princípio o som aragonês fazia rir Sebastião, distraindo-o do que o frade dizia. Depois, com a ajuda de alguns puxões de orelhas, desligou do linguajar e passou a ouvir com interesse, quantas vezes com espanto e sempre com devoção.
“O início do dia está siempre ligado à ressurreiçon” dizia grave, “ sei que é o Seu rosto que vejo a sorrir. Ele aparece para nos compensar de tanta entrega”.
E se observava espanto no olhar do seu discípulo, acrescentava com um olhar perdido: “ só quem acredita O verá, Sebastion”. "Reza, jejua, sacrifica-te e verás o Seu sorriso. Então, com o Seu olhar a guiar tu camino, verás como serás recompensado e chegarás junto d’Ele”.

Nas longas conversas que tinham,às perguntas que Sebastião fazia, das simples às mais rebuscadas, fosse a dúvida sobre o facto de os patos voarem em bando, ou onde faziam ninho as andorinhas no Inverno, até à dolorosa questão de saber onde residia a sua culpa ao sentir vontade de conhecer o corpo e os seus mistérios, a todas as questões Mestre João respondia com a mesma fórmula: ajoelhar, rezar e jejuar. "As respostas viron depois con Sua graça".

A necessidade de compreensão obcecava Sebastião desde criança. Aprendera da mãe as estações do ano, a cíclica transformação das árvores e o milagre das ovelhas e das suas crias. Recordava o olhar gélido que o mestre lhe lançava quando ele questionava a intervenção divina nestes acontecimentos.

Agora tinha de chegar rápido, e sem ser visto, ao pequeno riacho, que no Verão era um fiozinho de água, correndo até ao rio grande que ia para Coimbra.
“Cidade mui grande, de muchos sábios”, dissera-lhe num outro Verão o Mestre. “A tua mãe deve por lá andar em busca de teu pai”, acrescentou.
Durante muito tempo sentiu a necessidade de sair do mosteiro e procurar a mãe e o pai. Depois decidira interessar-se mais pela vida espiritual. Tinha o sonho de ser cumpridor e virtuoso, de forma a conseguir também ver as barbas de Cristo e o seu rosto anguloso a sorrir-lhe, como Mestre João.
Tomara essa decisão depois de saber que seu pai não era um erudito nem um religioso, como chegara a acreditar, mas um tal Belchior Vaz, o algoz de Coimbra.
Só de recordar que muitas noites tinha adormecido abafando as lágrimas por nunca ter sentido no rosto as mãos do pai, ficava arrepiado ao imaginá-las a fazer correr o laço de corda no pescoço dos hereges, como lhe tinham contado.
Custava-lhe entender como o confessor se empolgava ao elogiar esse mister. Para ele, tudo o que sentia era medo.

Idêntico pavor era o que lhe invadia ultimamente o peito, quando mestre João o obrigava a cumprir castigos cada vez mais exigentes, como forma de corrigir a sua busca duma razão clara para as coisas.

Finalmente chegou, ofegante, ao riacho. Alcançaria a outra margem sem dificuldade, embora ainda molhasse as sandálias de couro que um mercador de passagem no mosteiro lhe trocara por duas dúzias de ovos e um saco de avelãs.
Tinha agora de atravessar vários casais e terras, pertenças de lavradores que conhecia, frequentadores do mosteiro, onde pagavam tributos.
Queria afastar-se rapidamente destes lugares sem que o vissem. Precisava chegar à estrada grande antes do sol subir.
Não podia perder tempo se queria encontrar o que procurava.

07 julho 2009

Dizer as sombras


*

Faz-me o favor...

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.

O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.
Tu és melhor - muito melhor!
-Do que tu.

Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.

Mário Cesariny, O Virgem Negra, Assírio & Alvim, 1996
* Melody Gardot, Our Love is Easy
Foto de C. ("Parede com Sombras")

06 julho 2009

Cantar e fintar a morte

Já tinha ouvido alguns testemunhos acerca do poder terapêutico da música. Pelo que consta, este é mais um. Ou de como se fintou a morte com coragem e ... melodia.

Aos 19 anos, o grave acidente que podia ter-lhe tirado a vida motivou o início da sua carreira artística. Melody Gardot foi atropelada por um automóvel quando regressava, de bicicleta, a casa. Resultado: múltiplas-fraturas na região pélvica, cervical e na cabeça. Para recuperar algumas das aptidões cognitivas, o médico recomendou que fizesse uso da música como terapia. Mesmo incapacitada, presa a uma cama, ela compôs e gravou as canções do EP intitulado Some Lessons: The Bedroom Sessions, chamando a atenção da rádio local.
Hoje, aos 24 anos, M.G. continua lutando contra as sequelas do acidente que a obrigam a usar constantemente óculos escuros, devido à hipersensibilidade à luz, tampões nos ouvidos, bengala para se apoiar e um dispositivo preso à cintura que estimula a produção de endorfina no organismo, tornando as dores mais suportáveis.
O uso de elementos do Jazz, Blues e Folk nas suas composições, bem como a suavidade da voz, fazem-nos lembrar Norah Jones. Mas as semelhanças entre estes dois talentos ficam por aqui. Quem já a ouviu, diz que Melody tem uma rara capacidade de congregar humor e emoção no que faz.
Para ser honesta, ficar no palco durante 30, 40, 50 minutos é uma das experiências mais agradáveis que tenho. Porque é durante este tempo que eu realmente não sinto qualquer dor. Acho que é transcendental - diz ela.

No próximo dia 27 de Julho, Melody Gardot actuará, em estreia, na primeira edição do Oeiras Sound, comemorando os 250 anos deste concelho. Nos maravilhosos jardins do Palácio Marquês de Pombal.

Discografia:
Some Lessons: The Bedroom Sessions (2005)
Worrisome Heart (2008)
My One and Only Thrill (2009)

Encontro de amigos


...........

Manuel Alegre e Paulo Sucena apresentam o livro de homenagem a Mário Sacramento no dia em que este faria 89 anos.

Lisboa, Livraria Círculo das Letras (Av. Óscar Monteiro Torres, junto Av. Roma). Terça Feira, 07/07, 18h.

05 julho 2009

Bruno

Tenho um cãozinho tão lindo, disse-me. Que era preto, apenas três meses, ainda trémulo e titubiante do recente desmame, e de uma dessas raças agora tão em moda, creio mesmo, dum certo ar de lord inglês a haver.
Vai ser o guarda da quinta - afirmou - como só os homens fazem, dando um ar definitivo às coisas.
-Como se chama?-arrisquei.
Um breve silêncio e, do outro lado: BRUNO.
-Porquê?-indaguei, entre o desespero e o desconforto.
-Não sei, achei que tinha cara de Bruno. - Bruno Brito - será B.B.
B.B. seria, portanto, situado entre a Brigitte Bardot e o Baptista-Bastos, o que, à partida, não me parecia muito confortante, pela óbvia falta de espaço que tocava o seu destino. Mas: Seria então este nome fatal responsável por um fantástico destino, repito.
Quando as estações do ano estavam no sítio certo e se cumpriam rituais, desde o jejum às festas, quando os frutos anunciavam o tempo certo, quando o homem não ia à lua, que é um sítio onde, francamente, ninguém haveria de ter pousado o pé, desromantizando, completa e inexoravelmente a dita, os cães chamavam-se Fiel, Leão, ou mesmo Benfica, caso fosse o dono aficcionado e de poucos voos, Pastor, ou até Snoopy, aculturando, mas ainda assim, caramba, nome de cão.
Não se deve desafiar a Providência, porque ela vinga-se: qualquer dia corremos, de facto, o risco de chamar Boby a um filho, Sr.Antunes a um gato siamês. Não dá, não é ecológico. E os deuses não gostam, embora saibam que é desse desafio que o mundo se renova. Et pour cause.
Claro está, engoli em seco, perguntando, a partir de então, educadamente, pelo Bruno, cheguei mesmo a mandar-lhe mensagens sonoras. Completamente rendida.
Com este nome tão importante, o sr. Bruno Brito logo se achou capaz de tomar conta de si e dos seus desígnios de guarda.
Rapidamente tomou o freio nos dentes, fazendo longos e demorados raids em intermináveis aventuras, para o que , obviamente, não estava preparado. Cheio de si, o sr. Bruno ia atrás de tudo o que mexia, cheiricando cada canto mais recôndito, ávido de novíssimas, inusitadas sensações, até aí desconhecidas. Mas resistiu. Não passara pelo colo, pelo cesto, pelo borralho, cheio do seu estatuto de lord, pensando longe, alto, e dedicando já um olhar mais demorado a uma certa cadelinha.
Logo, logo tinha querido alargar fronteiras, esticar o senhorio, quiçá, alargar a propriedade ao Cosmos, desafiar os deuses. Sem a meiguice pragmática dos rafeiros, cheio de si e do seu estatuto, tanto andou, tanto se aventurou, que desapareceria no nevoeiro, donde creio, algum dia regressará homem feito, um pouco encorpado, vincando o andar de viandante sem pressa, mas sabendo que terá sempre o seu lugar por óbvio direito inalianável de morgado, mesmo acompanhado, mesmo com alguma pata ferida numa emboscada.
O tio lá estará, na sua cadeira, a ler os semanários com a avidez de sempre, sorrindo com a incongruência política deste pequeno país de antanho, ainda queirosiano, ainda pessoano, agora juntando um tudo-nada de euro-pimba, mas no essencial, o mesmo de sempre.
Aos pés do tio talvez haja um gato chamado Leonardo e um pastor alemão de nome Marcelo, sempre a ladrar, a ladrar, mas que não mete medo a ninguém.
Bruno Brito não está preocupado, porque sabe que, quando voltar, ninguém lhe perguntará nada, ocupando, rapida e placidamente o seu lugar, sem qualquer esforço ou contestação.
O tio voltará a página do Expresso e, olhando por cima dos óculos, fixará o lume vivo da lareira, à procura de uma ideia nova redentora.

Deidda



Uma inexplicável ternura,
um remorso comovido lacrimoso,
Por todas aquelas vítimas - principalmente as crianças -
Que sonhei fazendo ao sonhar-me pirata antigo,
Emoção comovida, porque elas foram minhas vítimas;
Terna e suave, porque não o foram realmente;
Uma ternura confusa, como um vidro embaciado, azulada,
Canta velhas canções na minha pobre alma dolorida.
…………..
Uma gaivota que passa,
E a minha ternura é maior.

(Fragmento de Ode Marítima / Fernando Pessoa)

Mariano Deidda cantor, compositor e músico italiano é único no seu género. Os seus discos são dedicados à grande Literatura e Poesia.
Desde há alguns anos, é um divulgador da poesia de Pessoa. "Deidda interpreta Pessoa" é um projecto musical com três volumes, iniciado em 2000, a partir dos poemas de Pessoa traduzidos por Tabucchi.

Mingus Dynasty Septeto

Uma esplanada, um refresco... e a noite sobe, com a lua em passos musicais.
Para este fim de sábado, a antecipar as férias merecidas, uma actuação esplêndida do Mingus Dynasty Septeto, quer pelos momentos solísticos quer pela cumplicidade e humor com que o grupo revitalizou o legado de um dos mais criativos instrumentistas e compositores do jazz moderno.
Para partilhar, pois.


*

*


* Charles Mingus, Jelly Roll
* Charles Mingus, Self-Portrait In Three Colors
(Ambas do Álbum Mingus Ah Um)
Fotos de C.

04 julho 2009

Paixão


Vens do grego em sofrimento
e dominas sem pesar
o nosso instante sereno

Fundamentas os silêncios
serotoninas o ser
em transtornos possessivos

Desarrumas a vontade
idealizas cenários
paralizas toda a gente

Pathos pathos somos nós
contribuintes proteicos
da tua verliebtheit

Projectas passividade
narcisas comportamentos
idealizas o ego

E quando no fim nos deixas
extenuados desfeitos
vais bater a outra alma

Abandonados neuróticos
descobrimos finalmente
que te chamavas
Paixão