30 agosto 2012


As línguas são imperfeitas
pra que os poemas existam
e eu pergunte donde vêm
os insetos alados e este afeto
seu braço roçando o meu.

(Adélia Prado)
 
Foto: C




29 agosto 2012

Insólito

A culpa foi.. dos saltos altos


Até gosto de saltos altos (não muito!), porque acho que favorecem as mulheres, sobretudo as mais baixas e as tornam mais elegantes... mas perante a notícia veiculada hoje pelo Jornal de Notícias, fico apreensiva - nunca me passaria pela cabeça que alguém pudesse perder a vida desta maneira.
A notícia pode ser lida em:
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Gente/Interior.aspx?content_id=2740459






28 agosto 2012

Quando a chuva passar...



amanhecer cinzento, chuva mansa de agosto...


 

 

27 agosto 2012

Coincidências?


 2012 - 40 anos do lançamento de "Rocket man" (Elton John)

26 agosto 2012

Daí, desse lugar...



Um dia aconteceu que o homem desceu na Lua e nela caminhou pela primeira vez. "Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade" - aprendemos a dizer.
Um feito para a História, testemunhado por mais de 600 milhões de olhos deslumbrados que viram, na caixinha mágica, tudo o que foi divulgado. Tudo o que muitos julgavam jamais poder ver.
Os portugueses assistiram a este momento crucial da história da humanidade na madrugada de 21 de Julho de 1969, às 3:56:20.
“Foram 18h de emissão ( ... ) vistas por dois milhões de portugueses que se deitaram mais tarde – ou se levantaram mais cedo... ou simplesmente não se deitaram – nessa madrugada de 21 de Julho, que caiu a uma 2ª feira, dia de trabalho”, como se afirma no livro: RTP, 50 anos de História.

Mas hoje, Armstrong, como será essa outra dimensão, rumo à qual iniciaste esta viagem?

Foto: NASA/AP

Samia


Na manhã de 19 de Agosto de 2008  Samia Yusuf Omar, 17 anos, competia nas eliminatórias dos 200m nos Jogos Olímpicos de Pequim. Foi a mais lenta das 52 atletas em prova. Nas suas palavras: Foi uma experiência espectacular. Levei a bandeira da Somália, desfilei com os melhores atletas do mundo.
Quatro anos depois, ninguém deu pela sua falta em Londres 2012.
Segundo o seu  treinador, Samia continuou sempre a treinar-se no Estádio Olímpico de Mogadíscio para conseguir um lugar em Londres 2012. Falhado esse objectivo, apostou em chegar à Europa de maneira a ter condições de treino. 
Agora, chega a notícia de que morreu quando tentava atravessar o Mediterrâneo, de barco, a caminho de Itália.

Contam os jornais que a mãe de Samia vendera um pequeno terreno que tinha para pagar a viagem à filha.
E, assim, disseram tudo..

24 agosto 2012

Paisagem


Vejo as cabras carregadas de calor
Por entre as pedras e os matos
Esfíngicas dobram as tardes
Pertencem à luz  e ao azul

Deitadas nas sombras
Clareiam a praia
Estão lá  em cima
Carregam a existência pobre  
Magras são sinais de companhia  viva
São ágeis são amadas
Na fertilidade do amor nos olhos da mulher  
Creio que  são tão azuis o  mar e o céu 
Como suas línguas saltitantes e vivas

Tudo é longe
Como o barco de fome do pescador
Que ali tem a casa e a mulher
E o neto que afirma ter cabeça de andorinha
Quando o deitam a voar
Diz  isto para que exista e o vejam
 
E a mulher do pescador que tem os brincos  limpos
Como o ouro  de um sol diferente de há muitos anos
Diz   das cabras  a beleza   
Como quem está certa de um  amor sempre  nascente 


Passam os carros  sujos  por areias e  caminhos  pobres
Exibem  presunção de viagem  e sol posto
São o  poder  móvel  a incerteza  e  o recreio
Na paisagem  
A par das cabras do pescador ausente
Da mulher  e  do neto  
Estive eu  mediterrânico  como um  destino
De olhos  levados  nas tardes

23 agosto 2012

Excerto 2


"Guten Tag", digo a Herr Schroeder quando o encontro. "Tag", acena ele com a cabeça e sorri vagamente. Herr Schroeder é o nosso carteiro. Embora não fale com ele com muita frequência, é a única pessoa que vejo todos os dias
Herr Schroeder colecciona selos. "Guarde-me todos os que forem interessantes, sobretudo aqueles novos, croatas" diz ele. "Basta que mos deixe em cima da sua caixa do correio".
E eu deixo, quase amorosamente.
Herr Schroeder vem todos os dias exactamente às 10h,30. Da minha varanda do primeiro andar, monitorizo a sua pontualidade. Se sinto que há alguma hipótese de me ver - basta-lhe olhar para cima - delizo par trás da cortina. E sinto uma vaga excitação ao fazê-lo.
Assim que ele se vai embora, corro até ao rés-do-chão, para ver se há algum correio. Do cimo das escadas vejo logo, com inexplicável satisfação, que ele levou os selos que lhe deixei na véspera.
Aquela sequência - o movimento da minha mão segurando a cortina fina enquanto deslizo para trás dela para me esconder, baixando a cabeça, e um pouco mais tarde a nuca cinzenta de Herr Schroeder enquanto avança pelo caminho para a direita ( sempre para a direita!) - aquela sequência vem-me muitas vezes à cabeça, como se estivesse a vingar. É a medida integral da minha solidão berlinense.

Dubravka  Ugresic, O Museu da Rendição Incondicional, Ed. Cavalo de Ferro, 2011

Foto: Nathalie Mohadjer, Weimar Paradies


Estilhaços

22 agosto 2012

Do filme "Catch and Release" - "What if you" (Joshua Radin)

Colaboração

Há sempre um "se" nas nossas vidas...
Se tivesse feito isto...
Se tivesse feito aquilo...
Se tivesse escolhido este rumo...
Ou, se pelo contrário, não tivesse agido...
Tropeçamos constantemente em "ses"! São eles que nos definem, nos condicionam, nos refreiam, nos fazem crescer.

"If" - escrito em 1895 pelo poeta britânico Rudyard Kipling

20 agosto 2012

Escrever


Ao sol o gato fez tantas contas invisíveis
Soube do raio do avião viu a pluma do carro
Ouviu a lagartixa na orquídea longe da água natural
Sem  mistério moveu o pêlo numa orelha de luz
Fez  parte do vaso do sol da brisa reuniu a tarde 
Leu-me a  lagartixa amorosa  na flor  rebelde
Deu-me o tempo na  unidade da minha tinta
No papel no vaso e no passeio da lagartixa  
 
 É inútil o que escrevo ou  vaso da orquídea
 Não se tem por balada a rosa ou a garganta 
 É  justa  a  tinta maculada e  o brio dos olhos do gato
 Justo  também se corta o coração com viva a tarde
 E não separa    
 A natureza junta-se ao vento porque escrevo

 Foi  isto
O gato  esteve  à espreita  no canavial de folhas quietas
Olhou  o  vaso com a lagartixa  migradora de azulejo
No seu  caminho de água na  luz  atónita e levantou-se 
Eu senti a tarde com uma só balada
Protegi o ouro dos olhos com precisão

19 agosto 2012

O Barco - A Aldeia


Uma traineira portuguesa, azul, enrola um bocado do Atlântico.
Bem ao longe, um ponto azul, mas eu estou lá - onde seis homens
  a bordo não veem que nós somos sete.

Assisti à construção de um barco destes, parecia um alaúde enor-
me sem cordas
na ravina de pobreza: a aldeia onde lavam e lavam sem parar, com
fúria, paciência, melancolia....


Tomas Tranströmer, 50 Poemas, Relógio D'Água, 2012
(Tradução Alexandre Pastor)

Foto: C.

17 agosto 2012

Em Montemor não beberei


Em  Montemor  bebi  
E com um lenço  na mão 
Brandamente escondi
A  morte

Eram  muitos  os   meus   amigos 
Presentes
Mas  só  eu  vi  a árvore de forca
À beira da estrada
Só  eu  vi o gavião  dobrar  asas
No  céu indiferente  a quem passava 
Só  eu  vi  e pela morte  passei

Bebi   com os  meus  amigos
E  com lenço  cru  escondi
A morte em  Montemor  

Quis  sozinho  esperar  por um  outono
Só  meu
Sem  beber  em  Montemor  
Devassado  pelo grito
Da  árvore  de forca
À beira  da estrada

Em  Montemor   não beberei
Nem  verei  a árvore  da forca
Onde  achei   o vagabundo  
O  errante  sem  luto
Morto  às expensas  da lei


Carlos Drummond de Andrade



.... As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.



15 agosto 2012

Canção


O que te canto à tarde
Nos dias do aloendro
São duas gotas
Precisas
Nos  dias  que andam
chovendo

O  que te canto à tarde
Nos   dias do aloendro
É  um tempo exacto
E denso
Nos  dias  que   vão
 nascendo

O  que te canto à  tarde
Nos  dias   que vão
passando
É  um pulo  vadio  na geometria
das  noites
Nos  dias do aloendro

 



14 agosto 2012

Badajoz, 1936. A barbárie


Silencio que naufraga en el silencio
de las bocas cerradas de la noche.
No cesa de callar ni atravesado.
Habla el lenguaje ahogado de los muertos.

Miguel Hernández, El tren de los heridos.
(mais sobre o assunto aqui)

13 agosto 2012

Luz

 É o rouxinol  de água
 No  lódão  de luz          
 Pela hora

 A  hora de pão
 E  sorvo de café

 É a hora  do  lódão  verde
 Contendo  o rouxinol
 E  o canto  da manhã

 O pão rasgado
 Contra o vidro da mesa
Está  nos  dedos  

 A  gota de café
 Luz  no sobreprato

 A  semente  de girassol  
 É do   pão 

 O lódão verde
 é o  canto  do rouxinol
 E a hora
 É o rouxinol  de água
 No  lódão  de luz          
 Pela hora

 A  hora de pão
 E  sorvo de café

 É a hora  do  lódão  verde
 Contendo  o rouxinol
 E  o canto  da manhã

 O pão rasgado
 Contra o vidro da mesa
Está  nos  dedos  

 A  gota de café
 Luz  no sobreprato

 A  semente  de girassol  
 É do   pão 

 O lódão verde
 é o  canto  do rouxinol
 E a hora

12 agosto 2012

Olá amigos:

Trago-vos uma longa entrevista dos sessenta anos literários de Urbano Tavares Rodrigues. A primeira é actual, na antena 2, a segunda foi dada a Igrejas Caeiro, anos 50.
É um documento importante que devemos registar.

11 agosto 2012

Excerto 1


.....Mais ou menos a meio de Fevereiro de 1988, respondendo aos seus apelos implorantes, apanhei um avião para Munique onde ele por acaso estava por um período curto. Encontrei-o no átrio do Opera Hotel, sentado num cadeirão de vime entre ramos de orquídeas brancas e violeta, que caíam, em cascata, de jarras gigantescas. Quando me viu no átrio, levantou-se, avançámos na direcção um do outro como se estivéssemos num palco, cobrindo ao mesmo tempo uma distância muito superior à daqueles poucos passos. Íamos passar dois dias fechados num quarto de hotel, não nos tocaríamos, diríamos apenas as palavras mais essenciais. Ele olharia fixa e aborrecidamente para a televisão, sem perceber alemão, e eu iria de tempos a tempos para a varanda esfregar os meus dedos nervosos na pequena placa na balaustrada que, por uma razão qualquer, tinha gravado o número treze ( o secreto cenógrafo da vida arranjara aquela coincidência “kitsch”). Eu tomaria frequentes duches longos para ele não me ouvir chorar. Debaixo da água quente, sentiria uma agradável languidez molhada misturada com uma poderosa sensação de perda. Tomei várias vezes a decisão me levantar, chamar um táxi, pegar na mala, bater a porta e deixá-lo para sempre, mas fiquei, presa por um inultrapassável sentimento agridoce de infelicidade....

Dubravka Ugresic, O Museu da Rendição Incondicional, Cavalo de Ferro Editores 2011

09 agosto 2012

Férias, tempo de viagens




....Baudelaire venerava os devaneios de viagem como um emblema de nobreza dos espíritos inquietos, que descrevia como "poetas" jamais satisfeitos com os horizontes familiares por mais que pudessem apreciar os limites de outras terras, e cujo humor oscilava entre a esperança e o desespero...
...Por vezes [Baudelaire] sonhava ir a Lisboa. Aí faria mais calor e ele, estendido ao sol como um lagarto, ganharia novo vigor. Era uma cidade de de água, mármore e luz, propícia ao pensamento e à serenidade....

Alain de Botton, A Arte de Viajar, Ed. D. Quixote,2010
Foto: C.

07 agosto 2012

N 37º 2' 9,95'' ,W 8º 2' 28,85 '' (hoje - 20h 01m)




















...Por caminhos de cabras descias
à praia, o mar batia
naquelas pedras, naquelas sílabas.
Os olhos perdiam-se afogados
no clarão
do último ou do primeiro dia.

Era a perfeição.

Eugénio de Andrade

Foto: Paulo

05 agosto 2012




Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser até ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou.

Ruy Belo

03 agosto 2012

(somos) escritos no tempo


"Um ramo fértil tem origem no livro:
a escrita e a leitura são tarefas inacabadas. Demoradas.
Uma linha atravessa o livro, reinventa-se em cada página
e transita para outros: como se de um mesmo livro se tratasse.
Uma linha imemorial que vem de trás e que nos ultrapassará.
Linha infinita que atravessa a História. Os autores contaminam-se.
As personagens, citações e ideias migram de uns livros para outros.
As leituras cruzam-se criando novos sentidos.
Abrem-se estradas, propõem-se passeios e deambulações.
O livro exige de nós tempo."

Tarefas Infinitas, Quando a Arte e o Livro se Ilimitam,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

Imagem

02 agosto 2012

Com o Infinito nas mãos

"Abrir um livro é correr o risco de encontrar o infinito.
 Ter ao alcance da mão, nos limites da página, o sem-limites.
     E que de outro modo poderíamos nós encontrar o infinito senão no finito?
Mensurável, palpável, visível. Nesse espaço aberto e branco da página,
nas suas dobras, pode surgir o sem princípio, nem fim, nem centro: o Livro infinito.
Liberdade de leitura que é também desorientação: perdem-se as certezas e as referências habituais; os caminhos e os sentidos bifurcam-se; a noite cerca-nos.
Uma espécie de cegueira: o livro abre uma obscuridade essencial.
    A dos novos começos."

Tarefas Infinitas, Quando a Arte e o Livro se Ilimitam 
(Fundação Calouste Gulbenkian,o livro como lugar de uma expressão estética única).

Imagem: "Les Illuminations", Sonia Delaunay,1885-1979; Arthur Rimbaud, 1874-1891

01 agosto 2012

Moonrise Kingdom

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer...

(Maria do Rosário Pedreira, "Nenhum nome depois")