o Cego falou em direcção á mão do miúdo que lhe segurava o corpo pelo braço, os dois num medo de estarem quietos para não serem engolidos pelas enormes línguas de fogo que saiam do chão a perseguir o céu de Luanda
- se eu soubesse explicar a cor do fogo, mais-velho, eu era um poeta desses de falar poemas.
com voz hipnotizada o VendedorDeConchas acompanhava as tendências da temperatura e guiava o Cego por entre caminhos mais ou menos seguros onde a agua jorrante dos canos rebentados fazia corredor para quem se atrevia a circular por entre a selva de labaredas que o vento açoitava
- te peço, vê você que tens vistas abertas, eu estou sentir na pele, mas quero ainda imaginar na cor desse fogo
O Cego parecia implorar numa voz habituada a dar mais ordens que caricias, o VendedorDeConchas sentiu que era falta de respeito não responder áquela duvida tão concreta que pedia, numa voz de carinho, uma simples informação cromática,
embora difícil e talvez impossível
O miúdo puxou de dentro de si umas lagrimas quentes que o levassem até á infância porque era aí , nesse reino desprevenido de pensamentos, que uma resposta florida podia nascer, viva e fiel ao que via
- não me deixe morrer sem saber a cor dessa luz quente...
as labaredas gritavam com força e mesmo quem fosse cego de ver devia sentir uma sensação amarela de invocar memórias, peixe grelhado com feijão de óleo de palma, um sol quente de praia ao meio dia, ou o dia em que o ácido da bateria lhe roubou a animação de ver o mundo
- mais-velho, estou a esperar um voz de criança para lhe dar uma resposta (.....)
as labaredas gritavam com força e mesmo quem fosse cego de ver devia sentir uma sensação amarela de invocar memórias, peixe grelhado com feijão de óleo de palma, um sol quente de praia ao meio dia, ou o dia em que o ácido da bateria lhe roubou a animação de ver o mundo
- mais-velho, estou a esperar um voz de criança para lhe dar uma resposta (.....)
Ondjaki, Os Transparentes , Ed. Caminho, 2012
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