28 fevereiro 2009

Agustina


De Agustina, em "Fanny Owen"
...Porém havia nas margens do Douro uns nativos especiais que se alimentavam de bacalhau cozido com ovos à ceia, refeição com tradições de mesmice gastronómica. Às nove da noite, e à luz metálica dos gasómetros ou das velas em castiçais de dois braços, sentava-se à mesa o lavrador do Douro, homem no geral de génio ponderado e de trato soberbo. Tinha quatro filhas e dois rapazes, um deles morgado, entroncado e bebedor; antes dos vinte anos ficava órfão e deixava a herança nos botequins da Régua....

Posso dizer que acho a prosa de Agustina, no que diz respeito à crónica de costumes e contornos psicológicos, absolutamente saborosa e certeira. Juntamente com Camilo e o nosso Aquilino, será quem melhor conhece o nosso país, num tempo datado, é certo, mas a que voltamos sempre.

Descoberta

(Soutine)
...como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade iria ser sempre clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
Clarice Lispector, Felicidade Clandestina
in Contos, Relógio d'Água 2006
A narrativa, carregada de intensidade, da descobeta do corpo e do amor, feita por uma mulher de sensibilidade invulgar. É assim que Clarice Lispector deve ser lida, com "o peito quente e o coração pensativo".

27 fevereiro 2009

À entrada de Março




demorar os dedos na chávena quente do café,
pôr a música a tocar em preto-e-branco, criar a sintaxe do dia.

entrar pelo avesso numa velha camisola, e aquecer-se
à luz diagonal e extensa de uma janela comovida.

na melodia, fazer-se em novelo, embrulhar-se em rebuçado,
o queixo sobre os joelhos, o livro fechado.

toda a carícia devia ser
qualquer coisa como isto.
mão de caligrafia inclinada

C.

Aprendizagem dos afectos

(imagem daqui)
Seguramente não teriam mais de quinze anos e eram estudantes, as mochilas às costas pesando, atrapalhando. Riam-se e olhavam para quem estava, ela mais reservada nos gestos, ele eufórico.
De início pensei que o rapaz segredara à rapariga qualquer coisa que a deliciou. Mas não. O gesto dela foi largo na tentativa de afastar o amigo – Está quieto, Mateus, não vês que me aleijas?!
O jovem insistia, impaciente, tentando beijá-la, tocar-lhe os seios, enfiando a mão desajeitada pelo decote da T-Shirt com uma falsa ternura que começava a incomodar quem parava à porta da pastelaria. A jovem, de braços cruzados sob o queixo, segurava com cada uma das mãos a alça contrária da mochila. – Vá lá, Soninha, não me curtes? – e roçava a face, ainda imberbe, nos cabelos dela, na testa dela, lutando contra o desaconchego dela. – Anda daí, tá? Não vês que tou cheio de tusa?A garota sacudiu-o, acossada na sua aparente fragilidade, e num gesto brutal lançou as mãos ao peito do rapaz, projectando-o contra a parede do edifício. – Pára lá com isso, pá, és mesmo bruto! Vai mas é curtir a bezana pra casa. Valia mais era ter ido à merda da aula.E desandou para o passeio contrário da estrada, em direcção à tabacaria, onde comprou uma caixa de Trident Ice azul, de mentol. Também reparei nisso.
O mancebo ainda a chamou, em gargalhada desafiadora: – Ó Sónia, dá aí uma pastilha!
Qual quê! A jovem descobrira que uma merda nunca vem só... e foi à vida.

Acabei o meu cigarro e entrei na pastelaria. Antes que me confundissem com algum figurante dos Morangos com Açúcar.

C.

26 fevereiro 2009

Piaf


Esta voz que sabia fazer-se canalha e rouca
ou docemente lírica e sentimental,
ou tumultuosamente gritada para as fúrias santas do «ça ira»,
ou apenas recitar meditativa, entoada, dos sonhos perdidos,
dos amores de uma noite que deixam uma memória gloriosa,
e dos que só deixam, anos seguidos, amargura e um vazio ao lado
nas noites desesperadas da carne saudosa que se não conforma
de não ter tido plenamente a carne que a traiu,
esta voz persiste graciosa e sinistra, depois da morte,
como exactamente a vida que os outros continuam vivendo
ante os olhos que se fazem garganta e palavras
para dizerem não do que sempre viram mas do que adivinham
nesta sombra que se estende luminosa por dentro
das multidões solitárias que teimam em resistir
como melodias valsando suburbanas
nas vielas do amor e do mundo

Quem tinha assim a morte na sua voz
e na vida. Quem como ela perdeu
toda a alegria e toda a esperança
é que pode cantar com esta ciência
do desespero de ser-se um ser humano
entre os humanos que o são tão pouco.

Jorge de Sena, Poesia III
Edições 70,1989

Nasceres

Sushila Burgess

Estou a escrever-te com as mãos enregeladas e no escuro. Na meninice, eu gostava de trepar às árvores e ver os pássaros que nasciam. O último que saía do ninho era o que (sei-o hoje) tinha razão.
Isto, cá fora, é uma merda.
Sebastião Alba in Albas

25 fevereiro 2009

Fahrenheit 451

Fahrenheit 451

O acontecido não mereceria qualquer comentário sério se não fossem os tiques de intolerância estarem a surgir num crescendo preocupante.
Os cidadãos que se riem (alarvemente) nas festas estudantis, em que se queimam fitas ao som de canções que repetem à exaustão "A cabritinha gosta de boa comida, boa cama e boa vida /Adora luxo e bem-estar/ Ela adivinha a hora a que chego a casa /E vai logo preparar /Os peitinhos para eu mamar...", queixam-se agora à Polícia do incómodo que causa à família o livro da mulher nua, esperando que alguma (outra) queima lhes limpe (com fitas...) o sujo do olhar.

Em escuta...



Inesperadamente, o modo aleatório em que escutava o Media Player trouxe-me isto. Partilho-o convosco.



Kate Walsh (não a actriz de Anatomia de Grey, mas a cantautora britânica) lançou o seu primeiro álbum – Clocktower Park – aos vinte anos de idade.
Nascida em Burnham-on-Crouch, Essex, foi buscar ao parque principal da sua vila o nome para o seu primeiro trabalho discográfico, por considerar que este ponto de encontro reflectia as suas experiências enquanto jovem preocupada com o mundo e as emoções circundantes.
Lembro-me de a ter escutado, em Julho de 2004, num registo inicialmente mais acústico, na Ler Devagar, ainda no Bairro Alto, por altura da digressão promocional desse disco de estreia.
A voz doce, o ar de menina determinada e meia dúzia de canções melódicas eram o seu cartão de visita. Os temas It's Never Over, Animals on Fire ou Impressionable revelavam uma autenticidade e um descomprometimento de quem canta por prazer e fascínio pela poesia.
De resto, Clocktower Park é isso mesmo: um disco de poemas cantados.
Admiradora de Joni Mitchell, Jeff Buckley ou Aimee Mann, a cantora reconhece que foi sobretudo o talento de Tori Amos para a composição o que a levou a seguir o rumo musical.
Kate Walsh, com uma guitarra na mão e a juventude toda no sorriso, partilha as suas histórias com quem esteja disposto a ouvi-las, partilha as memórias dos tempos passados no largo de Burnham-On-Crouch e traz-nos até aos dias de hoje, por entre referências a quem mais admira na música, experiências e motivações. Sempre com um olhar sobre o futuro.
(mais aqui)

Mundos perfeitos



Quiseram para os filhos tudo o que lhes faltou ou tiveram de menos, e tarde.
Quiseram para eles caminhos de algodão e seda. Quiseram-nos imunes à dor e à contrariedade. Desfizeram-se em ternuras de fim-de-semana, apressadas e distantes, cheias de culpa pela ausência. Chamaram a isso mimos e carinho, pintando os gestos de afecto com as cores de Barbies, Nintendos e Playstations.
No sossego das casas vazias à chegada da escola, os filhos passaram a imitar-lhes os tiques, os gestos e as raivas de quem se vê a crescer sem interlocutor.
Adivinharam os seus desejos enquanto dormiam e, olhando-os amorosamente, fizeram de todos eles seus desejos também. E chamaram a isso o melhor dos bens, a melhor face do amor.
Sem se aperceberem, foram pequenos tiranos o que criaram. Têm-nos agora a exigir o que nunca será possível dar-lhes – um mundo sem lágrimas, sem esforço, sem morte.
Mas nem virtualmente – saberão as crianças isso? – o mundo é perfeito.

Amar por amor















Se hás-de gostar de mim, seja, somente,
por amor. Nunca penses: “Ela agrada
pelo sorriso, o olhar, a delicada
maneira por que sempre fala e sente, -

A forma de pensar, intimamente
à minha, por meu bem, acomodada” –
pois, que não mude, nisso, não há nada,
e mudar pode o amor só nisso assente.

Nem deves, meu amor, gostar de mim
por teu carinho os olhos me enxugar;
teu amor perderei, a ser assim,

Se, por te ter, já não souber chorar.
Ama só por amor, que não tem fim,
para, também sem fim, poderes amar.

Elizabeth Barrett Browning

24 fevereiro 2009

Nela


Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.
(E. A.)
Com enorme saudade

Nela

Maria Manuela Seiça Neves


Faz hoje um ano que partiste.
A foto em que estamos as duas, aos vinte anos, junte à torre da Universidade, está sempre pousada na mesa da sala de Cabanões, na casa que tu amavas talvez até mais do que eu, onde nos ríamos, cozinhávamos, sob as ordens sábias da Melo, outra Manela, a tua grande amiga, os conselhos avisados do Helder e a fleuma gentil do Tito.
Eu andava por ali com as minhas inseguranças habituais que só a tua presença e a da minha mãe sabiam pôr em ordem: tinhas sempre uma palavra de serenidade, um conselho racional, no momento certo.
Fazes-me tanta falta, nem imaginas, tu que foste a minha irmã de verdade!
Um grande beijinho, Nela.
Falei hoje com os teus filhos, os teus meninos.
O Paulo vai pôr aqui uma foto tua, o Paulo também gostava de ti e a Celeste, o Vasco, os teus alunos, a Carminho, a Guida, as Manelas, todos.

" Allons, rentre en classe, ouvre ton cahier. Jusqu à la dernière si tu le veux, nous en tournerons les pages...ensemble"-Noelle Chatelet, La Dernière Leçon.

Josefov

As comunidades judaicas de Praga foram confinadas a um gueto no século XII.
Em 1784 a descriminação foi reduzida por José II e, em 1850, o Bairro Judeu passou a chamar-se Josefov quando foi englobado formalmente na cidade.
Embora o antigo gueto tenha desaparecido quase por completo, permanece ali um espaço muito rico da cultura judaica, com várias sinagogas, em torno do Antigo Cemitério Judeu.
Este surpreendente espaço foi durante 300 anos (1478 - 1787) o único local de enterramento dos Judeus de Praga. Devido à sua pequena dimensão, pensa-se que as cerca de 12000 lápides correspondem a mais de 100.000 pessoas ali sepultadas.
Uma das sepulturas mais visitadas é a do Rabi Löw (1520- 1609). Segundo a tradição, este filósofo e académico terá sido o criador do Golem, um ser sagrado, associado à tradição mística do judaísmo, que defendia e protegia os judeus sempre que ameaçados.

23 fevereiro 2009

Lagoa Henriques


Faleceu ontem o escultor Lagoa Henriques, de doença prolongada,  em Lisboa.
Lagoa Henriques deixa uma obra transformadora e em ruptura com o clássico.
O Mestre era um grande comunicador e motivador das novas gerações.
De entre muitas, tantas obras, é autor da estátua de Fernando Pessoa, junto à Brasileira.
Todos nos lembramos dos seus programas televisivos, da sua simpatia e afabilidade, tornando simples o que é complexo, sem nenhuma pose académica, preferindo o humanismo e comunhão sincera com os espectadores.
Um grande vulto da nossa cultura.

Jan Saudek

Jan Saudek - Carnival

Jan Saudek nasceu em Praga (1935) e cresceu num campo de concentração nazi para crianças, perto da fronteira polaca. Tão aplaudido como perseguido e censurado, o seu trabalho tem como temas recorrentes a infância e a transição para a idade adulta, a ambiguidade masculino - feminino e a religião.


22 fevereiro 2009

Mucha


Alphonse Mucha nasceu no ano 1860, em Invancice perto de Brno (actual República Checa).

Estudou pintura em Praga, Viena, Paris e é aqui que o seu trabalho ganha visibilidade ao trabalhar como ilustrador em várias revistas de prestígio. Convive com Gaugin e participa activamente no movimento Modernista.

Em 1894, num período de escassez de trabalho, surge a oportunidade de desenhar o cartaz do espectáculo de Sarah Bernhardt, Gismonda, já que ela tinha rejeitado o que lhe fora proposto inicialmente.
A partir deste trabalho, torna-se definitivamente consagrado como autor de litografias e ilustrações.
Alphonse Mucha é ainda, a partir de 1880 um estudioso da fotografia , que utilizará como meio de estudo para as suas litografias.
Em Março de 1939 a Checoslováquia é ocupada pela Alemanha Nazi e Mucha, desde a juventude um opositor da germanização do país, passa a ser, naturalmente, um resistente.
Morre em Junho de 1939, após os interrogatórios da Gestapo.

21 fevereiro 2009

O "outro"

Jan Nepomuk Neruda (1834-1891) escritor, poeta e jornalista checo, nasceu e cresceu em Mála Strana, pequeno bairro da zona velha de Praga. Esse é o microcosmo inspirador do seu primeiro trabalho em prosa publicado em 1878: "Povidky Malostranské" (Contos do Pequeno Bairro, em tradução livre). Posteriormente, publica outra ficção, muita poesia e faz ainda jornalismo. Participa activamente no movimento Escola de Maio que, no final do séc. XIX, abre a literatura checa às correntes dominantes na Europa.
(foi o seu apelido que o chileno Ricardo Eliezer Neftalí Reyes Basoalto adoptou quando decidiu chamar-se Pablo...Neruda).

AVEIRO


Não é uma Catedral, não é muito grande,mas tem a calma de uma deusa espraiada...

20 fevereiro 2009

A Catedral

Chega-se à Catedral depois de passar o segundo pátio do Castelo cuja história se confunde com a cidade. Visitá-la é uma viagem de mil anos. Olhemos o coro construído a partir de 1372, notável pela altura das abóbadas, decoradas com um intrincado rendilhado gótico.
Aqui foi cantada, em 1791, a coroação de Leopoldo II, rei da Boémia aos 45 anos. Mozart compôs a ópera La Clemenza di Tito para assinalar a ocasião.

O importante

Contribuo
com o que posso
para
a lixeira cultural
não é muito eu sei

outros dão muito mais
eu não passo de um amador
enfim

o importante
é cada um dar o seu melhor
como dizem os irresponsáveis

Alberto Pimenta

Peace through music

Não gosto particularmente das controvérsias sobre religião, detesto as que se tornam acerbas acerca de futebol e abomino as contendas políticas, sobretudo no que estas revelam de disputa e necessidade de afirmação pessoal. É que, em verdade, há uma substancial diferença entre discutir e disputar: todos os cenários de guerra, ao longo da História, têm vindo a dizer-nos isto.
Todavia, vou encontrando algumas marcas d'água contra a descrença. Como aqui

Encantos

Beth Gibbons, uma cantora que nos encanta.

19 fevereiro 2009

AVÓS


(Monet)

Avós são quem tem as memórias sempre à mão.

Memória deve andar no bolso para nos lembrar em que bolso a trazemos.

Bolso é o lugar onde os segredos se contam pelos dedos

(Who`s Who, Footnote)

Discípulos

Houve um tempo em que fui tentado a confundir a prole de intelectuais que expunha ou dissecava determinado corpo de doutrina, com o seu progenitor: via num darwinista, Darwin; num marxista, Marx, e assim por diante. Sei hoje que isso me era tão nefasto como ver, em cada uma das mulheres que amei, a mulher do meu sonho.

Sebastião Alba, in Albas

18 fevereiro 2009

Matinées dançantes

SE FOR A PRAGA

Se for a Praga, segundo Joaquim Coelho Ramos, do Instituto Camões, nessa cidade:

Os verdadeiros  tesouros de Praga não estão nos roteiros habituais. A apenas duas ruas do Caminho Real, encontra-se Mozart e o período barroco e frequenta "hospodas"onde se põe uma cerveja à frente do cliente antes de perguntar o que deseja. Em alternativa , vai aos bares de jazz, ou aos restaurantes típicos de Namesti Miru, a Praça da Paz. Quando recebe amigos, não os acompanha nas visitas ao Castelo e à Catedral. Prefere levá-los a assistir a um concerto de música clássica na Igreja dos Espelhos.
O café Slavia é onde os intelectuais, como o ex-presidente Vaclav Havel costumam reunir-se. Tem uma bela vista para o castelo e para o rio, e é um óptimo sítio para tomar o pequeno almoço.

E agora digo eu: não perca o Hotel Paris, o melhor exemplo de arte-nova, a Casa da Cultura , o bairro  judeu. Dê uma saltada ao Cerneho Vola, uma taberna local e vá ao All That Jazz, perto da Praça Principal.

Se lhe crescer tempo, vá aos lugares turísticos e ao teatro, à ponte Carlos, Castelo, enfim...


Os olhos do coração


Janela, palavra linda
Janela é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as duas folhas de madeira à toa pintada,
Janela jeca, de azul.
Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,
meu pé esbarra no chão.
Janela sobre o mundo aberta, por onde vi
o casamento da Anita esperando neném, a mãe
do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi
meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:
as minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,
clarabóia na minha alma,
olho no meu coração.
Adélia Prado, Poesia Reunida,1991
Adélia Prado, brasileira de 73 anos (n.1935). A sua poesia reflecte uma visão do quotidiano onde o Divino está no mais comum das coisas. Ninguém como ela o consegue.
Voltaremos à sua poesia.

Bom dia

17 fevereiro 2009

Micro-ficções

Troca-Tintas
Gostava de tinto e bebia verde. Adorava Cesário Verde e lia Guimarães Rosa. Apaixonou-se por Rosa e casou-se com Violeta.
O daltonismo tem destas coisas. Até jura que tem sangue azul.
Fernando Gomes
Os meus problemas
os taxistas perguntam-me sempre se não tenho mais pequeno. as mulheres, se não tenho maior.
Rafael Mota Miranda
E eu no meu caixão, quietinha
Ouço-os em redor do meu caixão, falando baixinho. Lamentam-se dizendo que é injusto, tão injusto. Ficam calados durante uns instantes, talvez olhando para o chão, talvez perguntando-se que horas serão; e depois repetem: tão injusto.
Alguém diz, pesaroso: teve uma vida simples e monótona, tão altruísta. Ninguém responde: e o silêncio incomodando. Novo lamento: uma vida de sacrifício, para que fossem felizes. Depois, uma confissão inesperada, quase inaudível: tanto que a amávamos.
E eu no meu caixão, quietinha. Um pouco surpreendida: amavam-me? E só agora é que mo dizem?
Paulo Kellerman

in Primeira Antologia de Micro-Ficção Portuguesa (selecção e organização de Rui Costa e André Sebastião)

A Música e a Escrita

...... Se um escritor define a música, fica sempre aquém; ou melhor, fala de outra coisa; ao reler o que escreveu pensa, resignadamente, que aquilo é literatura.
A mim, essa impotência nunca me escandalizou. Quando ouço música, pergunto-me sempre: "mas donde vem isto? O que é isto?".
E sinto que a minha iconoclastia não esboroou todos os deuses, deixou um qualquer de pé e estou a ser imolado. Acabo de ouvir o 1º movimento do Concerto nº 20 de Mozart; lendo este rascunho, vejo que até a caligrafia se ressente.
Sebastião Alba
in Ventos da Minha Alma




Manuel António Pina

Manuel António Pina, como sabem, é escritor, poeta e cronista do quotidiano. Tem uma presença destacada na imprensa, onde trava um combate diário na defesa duma cidadania feita de dignidade, honra e aprumo.
É um prazer lê-lo e é uma honra fazer, aqui, a divulgação do que Manuel António Pina - Cidadão escreve.

Em defesa de Dias Loureiro

Dias Loureiro diz que "não se lembra" de ter assinado os contratos para a compra ruinosa de duas empresas tecnológicas em Porto Rico que o "Expresso" revelou, e que só porque, na altura,
não se lembrava, é que declarou na Comissão de Inquérito ao BPN que nunca tinha ouvido falar do Excellence Assets Fund, parceiro no negócio. Por isso está, obviamente, de "consciência tranquila". Compreendo-o perfeitamente; as pessoas esquecem-se, eu ainda ontem me esqueci de umas luvas (sem ironia) no café.
Diz William James que a memória é uma narrativa com que construímos o passado que, em cada momento, desejamos ou tememos; se alguém é culpado no caso, não é, pois, Dias Loureiro, é William James.
Marc Augé assegura, por seu lado, que uma má memória rejuvenesce, e toda a gente viu o ar fresco e jovial que Dias Loureiro exibia durante a audição parlamentar. Alguns poderão ter pensado que teria feito uma plástica, mas o esquecimento é mais eficaz que o botox para eliminar as rugas, as do rosto como as da consciência. Ora se os filósofos e os antropólogos absolvem Dias Loureiro, quem somos nós para o condenar?

Manuel António Pina, Por Outras Palavras, JN 17/02/2009

OVELHA NEGRA

Todas as famílias têm uma...
Duas semanas antes das eleições americanas, a mulher de Dick Cheney, o poderoso vice-presidente a quem é imputada a orquestração da guerra do Iraque, fez uma confissão pública:

Enquanto vasculhava a genealogia da família, Lynne Cheney descobriu que o marido é primo em oitavo grau de Barack Obama, o Presidente eleito. Ambos descendem de um emigrante francês que desembarcou nos Estados Unidos no século XVII. A vice-primeira dama comentou à BBC que achava espantoso o facto de haver alguém que tenha sido responsável por vidas que seguiram caminhos tão diferentes. O porta-voz de Obama, Bill Burton, foi menos lírico: "Todas as famílias têm uma ovelha negra". E não era ao seu patrão negro que ele se estava a referir.
in Expresso

N'écoutant que ton coeur…

Na transição de um mundo predominantemente francófono para o de uma afirmação crescente do inglês como língua de primeira escolha, Os Pequenos Vagabundos (Les Galapiats) deliciaram muitos da minha geração.

As memórias ... são cintilações. Chegam-nos, por vezes, à revelia de toda a vontade. São, talvez, aquilo a que Teolinda Gersão, noutro contexto, chama “o inconsciente em relâmpagos."
Seria, então, preciso voltar àquela sala, aos cheiros e ruídos daquelas manhãs de sábado.
Porque é que esta série, curta e a preto e branco, da década de 70, me ficou tão viva na memória? Não sei.

Mas ao rever o episódio, achei interessante que fosse a inteligência sensível de Marion des Neiges a descodificar eficazmente a maior parte dos enigmas durante a busca do suposto ouro dos templários, também supostamente escondido no castelo sem nome.
En n’écoutant que (son) coeur, com a palma da mão.
Ora espreitem lá, ao minuto 6:20...


(Ah, e o Jean-Loup era o meu herói.)

16 fevereiro 2009

Para sair da Crise...


COMUNICADO
Nos termos do disposto no artigo 248º do Código dos Valores Mobiliários, a Caixa Geral deDepósitos, SA informa que adquiriu à Investifino – Investimentos e Participações, SGPS, S.A.("Investifino"), através de transacção efectuada fora de mercado regulamentado, em 16 deFevereiro de 2009, 64.406.000 acções da sociedade CIMPOR-CIMENTOS DE PORTUGAL, SGPS,S.A. ("CIMPOR"), correspondentes a 9,584% do capital e direitos de voto da referida sociedade CIMPOR.
Após a referida aquisição, a Caixa Geral de Depósitos passou a deter 64.825.894 acções da CIMPOR e os correspondentes direitos de voto.
Mais se informa que o contrato de compra e venda de acções pelo qual a Caixa Geral de Depósitos adquiriu as acções acima indicadas também confere à Investifino uma opção de recompra das mesmas acções, que pode ser exercida durante o prazo de 3 anos a contar da data d a referida operação de venda.

Caixa Geral de Depósitos, SA Lisboa, 16 de Fevereiro de 2009

Noticia do Diário Económico: Caixa pagou 306 milhões por 10% na Cimpor
Tiago Freire 16/02/09 17:46 "A Caixa comprou metade da posição que Manuel Fino detinha na Cimpor com um prémio de quase um euro por acção, apurou o Económico.
O negócio foi feito ao valor de 4,75 euros por acção, envolvendo um montante global de quase 306 milhões de euros, sendo que os títulos da cimenteira fecharam hoje nos 3,79 euros por acção.
Manuel Fino vendeu ao banco público metade dos 20% que detinha na Cimpor, como forma de saldar parte das dívidas perante a Caixa, segundo noticiou hoje o Jornal de Negócios. Manuel Fino fica, ainda assim, com o direito de recomprar esta posição nos próximos três anos."
16/02/09


Explicando: o "investidor", investe em acções com dinheiro que pediu emprestado à Banca (CGD).
Entretanto as acções desvalorizam-se e, na falta de pagamento das prestações do empréstimo, o Banco "ameaça" executar as garantias ( o Banco, é um Banco Público note-se).
Aí, o "investidor" propõe antes que lhe comprem as acções (que comprou com dinheiro do Banco) a um valor 1 Euro superior ao real.
O Banco aceita e o "investidor recebe directos 61 829 760 Euros (Sessenta e um millhões de euros) do tal Banco a quem devia dinheiro.
...e assim todos contribuimos para o combate à Crise.
Vou ali vomitar...

AS MANIAS DE D: SEBASTIÃO

No seu livro "D.Sebastião E O Vidente", Porto Editora, conta-nos a sua autora várias diatribes do nosso Desejado.

De entre várias, houve uma que me chamou particularmente a atenção.
Na sua loucura messiânica, o nosso héroi tinha por hábito mandar abrir os túmulos dos reis de Portugal que o precederam, ora para os glorificar, ora para os insultar, por nada terem feito a fim de aumentar o Império, ou muito simplesmente por querer ver se eram altos ou baixos!

Finalmente, quando partiu para Alcácer-Quibir, cheio de fé e arrogância, foi buscar a espada que estava no túmulo de D. Afonso Henriques, uma espada enorme e pesadíssima, com a qual pelejou e degolou, ou não, a moirama infiel.
E lá ficou a espada do nosso conquistador.

Claro está que eu, pessoalmente, nada disto vi, mas ocorre-me dizer: Já não se pode estar morto descansado(a).

Ainda Ana Goês...

num poema que integra a antologia 366 Poemas que Falam de Amor

CONVIDA-ME SÓ PARA JANTAR

E não queiras depois fazer amor.
Convida-me só para jantar
num restaurante sossegado
numa mesa de canto
e fala devagar
e fala devagar
eu quero comer uma sopa quente
não quero comer mariscos
os mariscos atravancam-me o prato
e estou cansada para os afastar
fala assim devagar
devagar
não é preciso dizeres que sou bonita
mas não me fales de economia e de política
fala assim devagar
devagar
deita-me o vinho devagar
quando o meu copo estiver vazio.
Estou convalescente
sou convalescente
não é preciso que o percebas
mas por favor não faças força em mim.
Fala, estás-me a dar de jantar
estás-me a pôr recostada à almofada
estás-me a fazer sorrir ao longe
fala assim devagar
devagar
devagar

Ana Goês
In
366 Poemas que Falam de Amor
Antologia organizada por Vasco Graça Moura, Quetzal, 2003

(Co) incidências

Numa pesquisa de material interactivo sobre fonologia, dei de caras com uma página do site da dgidc, do ministério da educação. Na descrição das actividades (para os três ciclos do ensino básico...?! Os três ciclos?!) pode ler-se na referida página:

(...) Estes enunciados orais são habitualmente compreendidos devido à entoação e às pausas, feitas pelo locutor quando produz as frases, ou devido ao contexto em que as frases são produzidas.
As frases homófonas foram escolhidas em Goês, A. (2003), Aliás voltas sempre / Ali às voltas sempre – Jogos com a Língua Portuguesa. Lisboa: Ed. Replicação. Trata-se de pares de frases que se comportam como as palavras homófonas: são pronunciadas da mesma maneira, mas têm grafias e significados distintos. Funcionam também como jogos fonológicos e sintácticos com implicações directas na alteração do valor referencial das palavras, portanto das classes a que pertencem, e no plano da semântica da frase.

Valha-nos o facto de não ter sido este (abaixo) o exemplo de exercício escolhido para a referida página ministerial.
Mas se os jogos fonéticos atiçarem a curiosidade de alguns infantes, e criarem neles o gosto pela poesia (o que está certíssimo), temo-los à pega. Parece que estou a vê-los, na aula, aos cochichos: ó pá, olha-me para este verso!!! Bué da kurtido! tá no livro, tá lá. É que... omitir as fontes é desonestidade intelectual.

Corrijo, sempre é melhor.
Cu rijo sempre é melhor…

Coxeio, dói-me!
Cu cheio dói-me…

Ecológico
É cú, lógico!

Ela nem sequer o comove…
Ela nem sequer o cu move!

Mas que cozinho, lá isso é verdade…
Mas que cuzinho, lá isso é verdade!

No cume cheira.
No cu me cheira!

Nunca o coagiu assim…
Nunca o cu agiu assim!

Nunca tive comadre…
Nunca tive cu, Madre!

O meu corresponde mal…
O meu cu responde mal!

Quando o comanda…
Quando o cu manda…

in Aliás voltas sempre - Ali às voltas sempre, de Ana Goês, Ed. Replicação

Mas que a autora está atenta, e maneja bem as virtualidades da língua portuguesa, lá isso é verdade, e o livro vale a pena. A começar pelo título.

Portugal de Sucesso


Dívidas forçam Manuel Fino a entregar 10% da Cimpor à CGD

"O empresário Manuel Fino, principal accionista da construtora Soares da Costa, está prestes a entregar cerca de metade da participação de 20,3% que tem na Cimpor à Caixa Geral de Depósitos (CGD), como forma de liquidar parte do empréstimo de várias centenas de milhões de euros que contraiu junto do banco público.
Ao que o Negócios apurou, o investidor vai saldar parte da dívida contraída para comprar acções através da entrega de cerca de 10% da cimenteira à CGD.
No entanto, o acordo de reestruturação do financiamento dá a Fino o direito de, a qualquer momento nos próximos três anos, recomprar aquela participação.
Durante este período, o banco não pode vender as acções. O entendimento entre a Investifino, "holding" pessoal de Manuel Fino, e a Caixa ficou fechado na semana passada e deverá ser formalizado através de um contrato de dação em pagamento, a celebrar nos próximos dias.
O acordo pressupõe que os 10% da Cimpor sejam avaliados, para efeitos desta cedência de titularidade, acima do actual valor de mercado que ronda os 250 milhões de euros, soube o Negócios. "

...... Ou seja, o "investidor" passa todo o risco de mercado das suas acções para a CGD. Se a Cimpor cair mais de 90% nos próximos 3 anos, a CGD assume a perda sem poder mexer nas acções. Daqui a 3 anos a CGD dá ao "investidor" novo crédito e ele recompra as acções.
A cumplicidade entre as Administrações das Instituições públicas (CGD) e os (chamados) investidores, a corrupção o compadrio e o tráfico de influências aceleram a queda a pique da economia(zinha) que temos....
( Filipe, obrg.)

Cecília

Mas não era tempo de Primavera
a compor os ramos no azul.
Era quase o Outono, a levar o que havia sido verde.
(in Cidade Azul)
Cecília da Maia Sacramento, faria hoje 91 anos (nasceu em Cabanões em 1918)
Todos os que foram tocados pela sua presença, pelo exemplo de ternura com que encheu os dias, sabem como a sua vida foi um permanente acender de estrelas que tanto iluminou o nosso caminhar.
Um beijinho, Clara.

Demo... quê?


- Eh lá! Mas que é que se passa que o computador deixou de funcionar?
- Olha..., tenta o Reiniciar. Normalmente resulta.

Carlos Paredes


"Não são dedos:
são lágrimas.
Não são cordas:
são fios de saudade.
Não é um país: é um coração
que soletra lágrimas
na saudade que temos de nós mesmos."
(Mia Couto)




Carlos Paredes nasceu em 16 de Fevereiro de 1925.
Faria hoje 84 anos.

15 fevereiro 2009

Como Foi Possível?

Mário Vargas Llosa escreve sobre "AS BENEVOLENTES"

"O leitor sai de "As Benevolentes", romance de Jonathan Littel, que acaba de ganhar o prémio Goncourt, em França, onde teve um sucesso de público sem precedentes, asfixiado, desmoralizado e ao mesmo tempo estupefacto diante dessa viagem através do horror e a oceânica investigação que tornou possível esse livro. Não me recordo de ter lido um romance que documente com tanta minúcia e profundidade os pavorosos extremos de crueldade e estupidez a que chegou o nazismo no seu afã de exterminar os judeus e outras "raças inferiores" durante a sua curta, mas apocalíptica trajectória"

Mário Vargas Llosa

Domingos

.... houve um tempo em que, ao domingo, passávamos na Ponderosa antes de jantar.

Quem seria o banqueiro,segundo Agustina?Quem Será?



Na "Corte Do Norte", a nossa Agustina conta uma história, localizada na Madeira, que pode ou não ser ficção:

"Há milionários por dinastia, e há outros por revelação. Era mais que certo que ele descobrira a maneira de ganhar ao jogo(...).Apurava todos os sentidos para chegar a essa informação e, sempre que chegava ao casino (...) era para prestar uma atenção desmesurada ao ruído dos mecanismos da roleta. Sabia imediatamente se estava viciada e como era possível desfrutar disso. (...). Lembrou-se de negociar os seus conhecimentos e então, porque os registara num livro, pagaram-lhe fabulosamente para não o publicar.(...) obtinha uma renda dos casinos mais famosos, incluindo Montecarlo e Deauville (...)
-in "Corte do Norte"


E assim esta personagem da nossa sábia escritora, passou a receber 1% dos lucros de todos os casinos do Mundo!

Quotidiano




SLN comprou terrenos perto do futuro aeroporto de Alcochete

Empresas ligadas ao BPN são donas de quase seis mil hectares dos terrenos onde vai ser construído o novo aeroporto de Alcochete.
De acordo com o jornal Sol, os terrenos foram comprados em 2006, poucos meses antes de o Governo ter decidido a localização do novo aeroporto.

Tonel (Antonio Eligio Fernández) ASUArtMuseum


(des) Amores

Agora que passou o frenesim dos "namorados"...


14 fevereiro 2009

E puor si muove




"Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas- parece-me que estou a vê-las -
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.

Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos
."

António Gedeão, Poema para Galileo


Em 15 de Fevereiro de 1564, faz hoje 443 anos, nasceu em Pisa Galileu Galilei.

O seu contributo para a Humanidade foi imenso, na Matemática, da Física e da Astronomia.

Em 1632 publica o livro Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo: o ptolemaico e o coperniano onde defende que a Terra, imóvel, como centro do Universo é uma "teoria com falhas".

Em 1633, na sequência da publicação deste seu livro, é preso e levado a Roma onde é condenado por um Tribunal do Santo Ofício por defender ideias heréticas.
Todos os seus livros são, em seguida, proibidos.

Claridades

O pássaro era verde
era azul o campo
Ai
tão longe
o futuro era longe
tão alto
Ai
Mas Agora
pensando bem
agora é sépia
o campo é sépia
e o pássaro ouro

Só a madrugada
não mudou
continua linda
e fresca
lá no alto
Tão alto

clara s.

obrigado, clara, pelo contributo.

O amor é...

“A criança e a vida” é um livro maravilhoso de poesia, autêntica poesia, escrita pelos meninos das ruas e dos bairros de lata da margem sul de Lisboa, alunos de uma escola primária onde Maria Rosa Colaço leccionou nos anos 60.
O primeiro poema do livro, escrito por um menino de 9 anos, fala assim:
«O amor
é um pássaro verde
num campo azul
no alto da madrugada»

O autor chamava-se Vítor Barroca Moreira e tinha 9 anos. Eu nunca o soube, durante anos a fio em que este poster esteve colado numa das paredes do meu quarto de adolescente.
Era das edições ITAU, lembro-me bem.
Hoje, olho para a imagem e releio: ... é um pássaro verde... o amor é um pássaro verde. (deixa lá ver outra vez a cor dos teus olhos...)


O que é o Amor?

Durante uma pesquisa feita por um grupo de profissionais da educação, duas crianças entre os 4 e os 9 anos, responderam assim à pergunta:

"Quando a minha avó ficou com artrite e deixou de poder dobrar-se para pintar as unhas dos pés, o meu avô passou a pintar as unhas dela, apesar de ele também ter muita artrite."
Rebecca, 8 anos.

"Quando alguém te ama, a forma de dizer o teu nome é diferente..."
Billy, 4 anos.

Portugal

BPN
Dias Loureiro mentiu à Comissão de Inquérito

"... o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado, feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós..."

Alexandre O'Neil (1965)

... actual como nunca, O'Neil!




Urbanidades


- Avô!...
-... diz
- ... Avô...
-... sim ?
........
- O leite vem do supermercado, não vem?
-... não.
-... então?
-... vem das maminhas das vacas....
- ... Oh, Avô... és mesmo maluquito.

Efemérides

Em 14 de Fevereiro de 1786 Portugal proibe a importação de meias de seda de cor.

Em 14 de Fevereiro de 1956 Khrushchev faz, no XX Congresso do PCUS a denúncia dos crimes de Estaline.

Em 14 de Fevereiro de 1989 Khomeini profere a fatawa contra Salman Rushdie.

Em 14 de Fevereiro de 2003 a ovelha Dolly é sacrificada aos 6 anos de idade por sofrer duma doença incurável.

... faites la liaison

Anúncio

Hoje à noite em Leuven (Bélgica), os Deolinda fazem um concerto. Quem puder vá, assista e divirta-se.
Vai valer a pena.
Quem falhar Leuven, aproveite dia 20 Pinhel, 21 Portimão e 27 Abrantes.
Peçam "bis" para Movimento Perpétuo Associativo.

13 fevereiro 2009

Boletim Meteorológico 13/02/09

Hoje, em Bragança, está sol e a temperatura é de 2 graus.
No Porto há nevoeiro e estão 8 graus.
Em Cabanões há nebelina, ouvem-se os galos desde cedo, não se espera chuva e a temperatura é de 6 graus.
Aveiro acordou com vontade de Costa Nova e Barra.
Na Mealhada e Anadia faz sol e em Coimbra há conhecimento.
Na Figueira da Foz o mar brilha, magnífico.
Em Lisboa não há vento e o céu está limpo. Temperatura 1o graus e junto ao Tejo está-se bem.
Em Évora há sol , a temperatura é de 12 graus e é bom sair da cama.
Em Faro o céu está azul, mas não há calor.
Na Madeira e nos Açores não sabemos.


12 fevereiro 2009

Música

O lirismo de Cohen na interpretação ímpar de Antony

São jovens... e pensam!

Ironizam, desconstroem e de novo criam sentido para as coisas. São jovens, bonitos, despretensiosos e trabalham. Quem não conhece os DEOLINDA? Depois de cada actuação apetece dizer: geração rasca...uma ova!

Darwin

Todos viajámos com Darwin no HMS Beagle.


Ver mais em www.gulbenkian.pt

11 fevereiro 2009

O Brincador


Quando for grande, não quero ser médico, engenheiro ou professor. Não quero trabalhar de manhã à noite, seja no que for. Quero brincar de manhã à noite, seja com o que for. Quando for grande quero ser um brincador.
Ficam, portanto, a saber: não vou para a escola aprender a ser um médico, um engenheiro ou um professor.Tenho mais em que pensar e muito mais que fazer. Tenho tanto que brincar, como brinca um brincador, muito mais o que sonhar, como sonha um sonhador, e também que imaginar, como imagina um imaginador...
A minha mãe diz que não pode ser, que não é profissão de gente crescida,. E depois acrescenta, a suspirar: "é assim a vida". Custa tanto a acreditar. Pessoas que são capazes, que um dia também foram raparigas e rapazes, mas já não podem brincar.
A vida é assim? Não para mim. Quando for grande, quero ser um brincador. Brincar e crescer, crescer e brincar, até a morte vir bater à minha porta. Depois também, sardanisca verde que continua a rabiar mesmo depois de morta. Na minha sepultura, vão escrever "Aqui jaz um brincador. Era um homem simples e dedicado, muito dado, que se levantava cedo todas as manhãs para ir brincar com as palavras".

Alvaro Magalhães, O Brincador, Ed. ASA, 2005

Aguarela :Joaquin Sorolla




Verão Novo


















(J.Sorolla)


O verão que perdemos
não poderá fazer-nos
perder o verão novo
Há-de voltar o corpo
e o mar será o mundo
revolto que já foi
O outono o inverno
serão se nós quisermos
o verão que perdemos

Gastão Cruz

10 fevereiro 2009

Habla con Ela

Romance do Terceiro Oficial de Finanças



Ah! as coisas incríveis que eu te contava
assim misturadas com luas e estrelas
e a voz vagarosa como o andar da noite!

As coisas incríveis que eu te contava
e me deixavam hirto de surpresa
na solidão da vila quieta!...
Que eu vinha alta noite
como quem vem de longe
e sabe os segredos dos grandes silêncios
— os meus braços no jeito de pedir
e os meus olhos pedindo
o corpo que tu mal debruçavas da varanda!...

(As coisas incríveis eu só as contava
depois de as ouvir do teu corpo, da noite
e da estrela, por cima dos teus cabelos.
Aquela estrela que parecia de propósito para enfeitar os teus cabelos
quando eu ia nomarar-te...)

Mas tudo isso, que era tudo para nós,
não era nada na vida!...
Da vida é isto que a vida faz.
Ah! sim, isto que a vida faz!
— isto de tu seres a esposa séria e triste
de um terceiro oficial de finanças da Câmara Municipal

Manuel da Fonseca