31 julho 2010

Diálogos de Verão...


- Querida Bárbara, não seria bem tua amiga se não te pusesse ao corrente. Ele tem outra...
- O meu Arnaldo? Achas?
- Fatal como o destino

Mário de Carvalho, A Arte de Morrer Longe, Caminho, 2010
Foto: Diane Arbus

Um "cronovelema" centrado em Arnaldo e Bárbara, um casal em vias de separação, os donos de um cágado que os une, separa e arrasta para situações inesperadas e absolutamente surrealistas.
Mário de Carvalho dá-nos a conhecer uma galeria de personagens e situações apresentados com a ironia e sarcasmo em que é mestre, levando-nos numa aventura fascinante de vidas vazias numa cidade onde se acumulam solidões.
Não só Arnaldo e Bárbara, como a amiga Clarinda, a mãe de Arnaldo e o namorado polícia são personagens fascinantes com quem, talvez, nos cruzamos todos os dias.
Lê-se de um fôlego.

27 julho 2010

Quando o assentimento habita Matilde...

Às vezes as pessoas não entendem a forma como fala Matilde, mas a mim parece-me muito clara.
- O escritório vem às nove - diz-me - e por isso às oito e meia o meu apartamento sai-me e a escada resvala-me rapidamente porque com os problemas do transporte não é fácil que o escritório chegue a tempo. O autocarro, por exemplo, na esquina o ar está quase sempre vazio, a rua passa depressa porque eu a ajudo atirando-a para trás com os sapatos; por isso o tempo não tem de esperar por mim, chego sempre primeiro. Por fim, o pequeno almoço põe-se em fila para que o autocarro abra a boca, vê-se que gosta de nos saborear até ao último. Tal como o escritório, com aquela língua quadrada que vai subindo as sanduíches até ao segundo e ao terceiro andar.
- Ah - digo eu, que sou tão eloquente.
- Claro - diz Matilde, - os livros de contabilidade são o pior, mal me precato e já saíram da gaveta, a lapiseira salta-me para a mão e os números apressam-se a pôr-se debaixo dela, por mais devagar que escreva estão sempre ali e a lapiseira nunca lhes escapa. Dir-lhe-ei que tudo isso me cansa bastante, de maneira que acabo sempre por deixar que o elevador me agarre (e juro-lhe que não sou a única, muito pelo contrário), e apresso-me a ir para a noite que às vezes está muito longe e não quer vir. Menos mal que no café da esquina há sempre uma sanduíche que quer enfiar-se na minha mão, isso dá-me forças para não pensar que depois vou ser eu a sanduíche do autocarro. Quando o "living" da minha casa acaba de me empacotar e a roupa vai para os cabides e para as gavetas para deixar espaço para o roupão de veludo que tanto terá estado à minha espera, coitado, descubro que o jantar está a dizer qualquer coisa ao meu marido que se deixou prender pelo sofá e pelas notícias que saem como bandos de abutres do jornal. Em todo o caso o arroz ou a carne adiantaram-se  e só resta deixá-los entrar nas caçarolas, até que os pratos decidem apoderar-se de tudo embora isso pouco dure porque a comida acaba sempre por subir até às nossas bocas que entretanto se esvaziaram das palavras atraídas pelos ouvidos.
- É um dia em cheio - digo.
Matilde assente; é tão bondosa que o assentimento não tem qualquer dificuldade em habitá-la, em ser feliz quando está em Matilde.

Julio Cortázar, Papéis Inesperados, Cavalo de Ferro, 2010

A descoberta em 2006 de centenas de páginas inéditas de J.Cortázar possibilitou a publicação deste magnífico Papéis Inesperados. São quase quinhentas páginas de textos que vão do conto ao poema, de textos chamados "de emergência" a outros ditos inclassificáveis (Fundos de gaveta), que se lêm de forma quase compulsiva e onde transparece toda a genialidade do grande escritor. Uma excelente leitura de férias.

25 julho 2010

Um escrito como uma declaração de guerra


«Os espaços de anonimato representam um verdadeiro desafio para a teoria revolucionária. O estatuto político dos espaços de anonimato (o não serem homogéneos, adicionáveis…) é função e já chega determinado pela essência da própria força do anonimato. É ela que lhes confere aquelas que são as suas características principais: ausência de reivindicação, articulação em torno de um gesto radical que se repete, não-futuro, politização apolítica. A força do anonimato aparece-nos quando tentamos pensar a radicalização da impotência. Essa força vem, então, ter connosco. Com toda a sua carga dissolvente e, ao mesmo tempo, portadora de promessas. Com toda a sua ingovernabilidade. Sentimos a impotência face a essa mobilização global que se faz de nós, connosco — contra nós — que unifica realidade e capitalismo, que proclama «Não há nada a fazer» . Esta frase, «não há nada a fazer» é uma frase estranha que em nada se assemelha a outras frases aparentemente parecidas: não podemos fazer nada, é impossível fazer seja o que for… «Não há nada a fazer» é o nome para uma bifurcação que conduz a dois lugares completamente diferentes: «Não se pode fazer nada» e «Tudo está por fazer». O primeiro caso não nos interessa. O segundo, sim. Quando se diz, de facto, «Não há nada a fazer» porque se bateu realmente no fundo e já não resta esperança alguma, o que então se abre é uma travessia do niilismo. Aí, sim, podemos afirmar que «Tudo está por fazer». A travessia do niilismo inaugurada pelo «Não há nada a fazer» não é outra coisa senão a radicalização da impotência. Uma radicalização que nos conduz ao que Artaud denominava o im-poder. Para ele, radicalizar a impotência é o mesmo que fazer a experiência do im-poder. A impotência aparece referida na sua correspondência com Rivière como a impossibilidade de pensar. A análise deste «querer pensar mas não poder pensar» constituirá o núcleo de todo o primeiro escrito de Artaud. Rapidamente essa impossibilidade haverá de estender-se ao próprio viver. Quero viver, mas não consigo viver."


Santiago López-Petit, in A Mobilização Global, seguido de O Estado-Guerra, Deriva Editores, 2010
Imagem: Federico Moroni, Ciclista.

23 julho 2010

Um blues no Bósforo


Vale a pena dizer-vos como tudo começou, já que aquele foi  o momento oportuno para aparecer a carteira de fósforos com dois solitários cabeças vermelhas.
Tratou-se de um inesperado apagão na minha chegada ao restaurante onde aguardaria a chegada do meu contacto na Turquia.. Os fósforos surgiram em segundos, como por magia, na mão do empregado de mesa, turco, salvo erro.
Era uma carteira de fósforos dourada, com aspecto de muito usada, nas pontas estava mesmo queimada e tinha escrito - em relevo - Turkish Airlines.
Surpreendi-me, naturalmente, já que há muitos anos que as companhias aéreas não usam carteiras de fósforos como objectos promocionais. Mas o aparecimento destes fósforos foi providencial. Aceso um candeeiro a óleo pelo própro empregado, reparei que sobre a mesa havia, aparentemente esquecido, um guardanapo de papel com a palavra Fiala escrita e um longo número de telefone com onze algarismos. Ainda tentava perceber a associação dos dois registos, quando o papel foi retirado do meu olhar por um gesto do empregado que teve tanto de rápido como de brusco. No entanto, consegui ler num terceiro registo, letuska, escrito a marcador grosso e a azul. Não tive dificuldade em perceber que esta é a palavra que, em lingua checa, quer dizer "hospedeira de bordo".
Os meus conhecimentos linguísticos não são excepcionais, mas o facto de ter chegado de avião a Instambul nessa manhã, vindo de Praga, fazia toda a diferença.
As duas informações estava relacionadas com aviões comerciais e isso para mim, que adoro enigmas, era um desafio.
Não me espantei quando relembrei o número de onze algarismos - identifiquei de imediato o indicativo da cidade checa de Krnova, na fronteira com a Polónia.
Sempre que viajo, trago comigo uma velha carteira de pele. Apesar de ser de uma marca conhecida, não corre o risco de suscitar cobiça dado o seu aspecto antigo, visível no desgaste que apresenta. Abri-a com cuidado, enquanto esperava a chegada do meu contacto, e contei as liras turcas que trazia comigo: duas mil e quinhentas, cerca de dois mil dólares. Foi então que vislimbrei o empregado a contar comigo o dinheiro, olhando sem disfarce, do outro lado da mesa.
- Traz muito dinheiro consigo, disse. É porque precisa, ou é só por ser perigoso? - acrescentou.
Olhei-o com espanto e um mal disfarçado temor... Estas eram as exactas palavras que o músico cego me tinha dito no hotel Pepa, em Krnov, há duas noites, antes da minha fuga....

20 julho 2010

"eu não sei d'on' qu'ô vim, on' qu'ô tô, pr'onq'ô vô, e quem qu'ô sô"


Não deixo de me surpreender com a diversidade dos dialectos brasileiros (eu sei que deveria escrever dialetos..., mas lá irei, lá irei). Uma das primeiras expressões que eu aprendi do chamado português do brasil setenterional, foi "pedir penico", que significa amedrontar-se, mostrar-se fraco, fracassar.
Eu tinha um aluno brasileiro, miúdo pacato, educadíssimo, que usava o seu humor fino e inteligente, sobretudo em situações de impasse ou de algum constrangimento. A turma era grande mas pouco enérgica, culturalmente muito heterogénea, o que lhe dava, até, um certo encanto, mas que era, para mim, um desafio permanente.
Um dia, lá pelo meio do segundo período, numa fase de apresentação de projectos de leitura, a turma alvoroçou-se na escolha do aluno que deveria apresentar o seu projecto em primeiro lugar. Ninguém se decidia, nenhum queria, de facto, expor-se. Então o garoto soltou, entre um sorriso Colgate e uma gargalhada: está é tudo a "pedir penico"!
Foi a salvação. Gargalhada geral,  estava mais que decidido quem iria começar. E com direito à explicação, atempada e pertinente, da expressão desconhecida.

17 julho 2010

Nova Geração: Peregrinos de Festivais


A nova geração tem necessidade de comunhão, de partilha, de êxtase, como sempre aconteceu.
A nova religião constrói-se, não nas igrejas, como antigamente, mas em torno dos festivais de verão.
E vão em romaria. Mochilas às costas, ténis ou sandálias nos pés, umas gangas esfarrapadas e umas t-shirts sugestivas e eloquentes. Às vezes, os mais devotos chegam às pinturas faciais, lenços na cabeça e gorros internacionais.
Tribalismo? Julgo que não, tribalismo é no futebol, com gritos de guerra e exércitos ferozes.
Nos festivais é partilha, companheirismo, fé, sacrifício, esperança. Ritualismo sazonal e festivo, como recompensa das agruras , como prece: face aos deuses tão inacessíveis, em cima do palco, deuses pagãos e plurais, envoltos em fumo e luzes, eles comungam, imploram, choram, aplaudem.
E voltarão, no ano seguinte, como promessa, como procura do lugar inicial e fantástico.

Logo hoje que o autocarro ia vazio...

15 julho 2010

O absolutamente "outro"

O último post da Ana Paula, no Catharsis (e que eu recomendo, até para se perceber melhor o contexto), é sobre a hospitalidade. A leitura fez-me lembrar o que aconteceu aqui no Marcas, há um tempo, e que na altura nos levou a exigir a verificação daquelas palavras esquisitas na caixa de comentários.

No dia 20 de Fevereiro deste ano, um conjunto de pessoas, escrevendo em inglês, alemão, russo e outras línguas que não tive a pachorra de identificar, deixou comentários (18 no total) num post... de Abril de 2009, sobre o Garrett. Comentários a publicitar sites de índole diversa, páginas individuais, roteiros e por aí fora.
Um desses comentadores  foi de tal forma abusivo que deixou em todos (TODOS) os posts, desde o início do Marcas, esta coisa estranha que a seguir transcrevo. O comentador não se limitou àquele dia de Abril. Não! Fez o mesmo comentário em todos os posts, até há puco tempo. Depois desistiu.
Quando fui indagar, descobri que se tratava de um link correspondente a uma página publicitária de uma cadeia de hotéis. Viva o marketing na sua forma mais abusiva!
Eu não sei como isso se faz, nem me interessa, mas deve haver um processo de comentar TODOS os textos que se queira, de uma só vez, repetindo a fórmula. Não me passa pela cabeça que os sujeitos tenham andado a comentar post a post.
Eu sei que o controle com a tal palavrinha-espelho deve ser a solução para os visitantes indesejados, mas não devia ser preciso, pois não?
Será impertinência minha, e escusada, esta de sentir o espaço invadido e desrespeitado?

Só tive paciência para apagar uns tantos. Que se dane.

«somebody disse...

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20 de Fevereiro de 2010 13:35 »

14 julho 2010

Salário: 1,1€

Notícias do reino onde as plantas são animais e os animais são flores


No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética I

O Nuno tem uma paixão. O mar, espaço de silêncio, luz e pedra é o seu fascínio desde criança e, como todos os apaixonados, ele é um criador e um homem feliz que dá a ver aos outros coisas lindíssimas.
(chegou há pouco do fundo do mar e trouxe notícias daquele mundo. Vamos ver na SIC, domingo, dia 18, após o Jornal da Noite: Missão Selvagens)

10 julho 2010

Paisagem com jazz e lago ao fundo


Há dias assim nas vidas. Desde sempre sentidos, muitas vezes adiados, sempre sonhados, mas, geralmente, arrumados no baú do "qualquer dia vai ser".
De repente, numa inesperada curva do tempo, estamos lá, onde a fantasia tanta vezes nos levou, e descobrimos na realidade a completa superação da mais improvável ficção.

Montreux é uma cidade junto a um lago deslumbrante. Há uma  estonteante beleza nesta água e na forma leve como toca os jardins das casas. Em cada Julho,desde 1967, as suas margens relvadas enchem-se com a magia do jazz.
 O tempo e a força da música fez com que por aqui passassem Miles Davies, David Bowie, Ray Charles, Herbie Hancock, e também Prince ou Phil Collins. Assim, a música, naturalmente - como o Lago faz à cidade - abraça e estende-se por outros caminhos.
Este ano, sob um calor tórrido, o Jazz fez até o precurso inverso e "regressou" ao que podem ser as suas raízes africanas.
 Angelique Kidjo, num "Tributo a Miriam Makeba", fez os sonhos do viajante valerem a pena, nesta fantástica noite de verão.

*
* Angelique Kidjo, Summertime (gravação de 2008)

07 julho 2010

... pelo que me tenho rodeado de silêncios


«Já reparaste que tens o mundo inteiro
dentro da tua cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da tua cabeça
é o teu mundo
e já reparaste que eu tenho o mundo inteiro
dentro da minha cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da minha cabeça
é o meu mundo
o qual neste momento não te está a entrar pelos olhos
mas através dos nomes
pois o que tu tens dentro da tua cabeça
e o que eu tenho dentro da minha cabeça
são os nomes do mundo em brutal compressão
como um filtro ou coador
de forma que nem és tu que conheces o mundo
nem sou eu que conheço o mundo
mas os nomes que tu conheces é que conhecem o mundo
e os nomes que eu conheço é que conhecem o mundo
o qual entra em ti e o qual entra em mim
através dos nomes que já tem...»

«a manifestação estética integral terá que ocorrer no domínio do silêncio, porque para aquém ou além dele é tudo em última análise compromisso».

Alberto Pimenta, O Silêncio dos Poetas, 1978. (Livros Cotovia, 2004)
O mundo todo na cabeça (de C.)

06 julho 2010

A força do amor


O meu pai não se apercebeu de que quase não me tinha abraçado até perder o braço direito num acidente de trabalho que o fez estar quarenta dias hospitalizado. Sempre que ia visitá-lo, eu olhava para o braço que ele não tinha como se fosse mais visível do que o esquerdo. Mas a ausência, claro, carecia de volume. Era um braço de ar. Aquele empenho em observar o inexistente não me permitiu chegar a nenhuma conclusão, mas sim a uma enorme estranheza que de noite, na cama, tentava inutilmente digerir. Queria perguntar a minha mãe o que haviam feito com o braço amputado do papá, mas uma espécie de instinto dizia-me que se tratava de uma pergunta indecorosa.
Quando o meu pai voltou para casa, o vazio do seu braço ficou coberto pela manga das camisas ou dos casacos, que às vezes se mexia como se tivesse vida própria. Eu não podia deixar de olhar para ela porque me atraía fatalmente, tal como as cortinas que ondulam com a passagem do ar sugerindo a existência de alguém escondido atrás delas. A minha mãe disse-me num aparte que devia controlar aquela forma de olhar porque fazia o meu pai sofrer. O meu pai era dextro, pelo que teve de aprender novamente a fazer tudo com o braço esquerdo. Assisti, perturbado, ao seu processo de aprendizagem. Levar uma colher de sopa à boca obrigava-o a um esforço humilhante e brutal. Durante esta época, decidi ser ambidextro e passava os dias a treinar com o braço esquerdo para não padecer o sofrimento do meu pai no caso de sofrer uma desgraça como a dele.
O que era mais difícil para o meu pai era a recordação de que pouco me havia abraçado enquanto pudera fazê-lo. Não sei em que momento nem por que razãose apercebeu de que tinha esta dívida para comigo, mas transformou-se numa obsessão. Quando estávamos sozinhos, pedia-me que me aproximasse dele, rodeava-me o corpo com o braço esquerdo e colocava a manga direita do casaco de modo a parecer que tinha um braço dentro.
- Arrependo-me tanto de não te ter abraçado... - dizia-me ao ouvido enquanto eu tentava libertar-me dele.
Mas não podia, não me era possível libertar-me porque me segurava com força, com força, e não com o braço esquerdo, como seria de supor, mas com aquele que lhe faltava, o direito. Por esse braço inexistente me sentia eu agarrado. Ainda continuo a estar.

Juan José Millás
Foto Willy Ronis

04 julho 2010

Astor Piazzolla

Piazzolla faleceu a 4 de Julho de 1992, com 71 anos.
Foi o compositor de tango mais importante da segunda metade do século XX.
Tinha uma sólida formação musical e, nos anos 60, inovou o género contra as correntes mais conservadoras que o consideravam coisa intocável. Piazzolla introduziu-lhe influências do jazz e outros ritmos urbanos, deu-lhe modernidade, dessacralizou-o e fez com que fosse apreciado e tocado pelas jovens gerações de músicos.
Associou de forma criativa o tango à poesia e à arte contemporânea em geral, tornando-o indissociável da fascinante cidade de Buenos Aires.
Amelita Baltar, que foi casada com Piazzolla, tem, no clip que aqui deixo, uma fantástica interpretação de Balada para un Loco, texto de Horacio Ferrer (poeta que compôs letras de muitos tangos de Astor Piazzolla) onde se sente toda a magia de Buenos Aires na força de um tango.


Las tardecitas de Buenos Aires tienen ese no sé qué, ¿viste?.
Salís de tu casa, por Arenales .
Lo de siempre: en la calle y en vos...
Cuando de repente, de atrás de un árbol, me aparezco yo.
Mezcla rara de penúltimo linyera y de primer polizonte a Venus:
medio melón en la cabeza, las rayas de la camisa pintadas en la piel,
dos medias suelas clavadas en los pies y una banderita de taxi libre
levantada en cada mano. ¡Te reís!...
(...)

03 julho 2010

Carlos Souto


Fotografias, Mentiras e Tudo

Uma noite, estávamos no Litoral, o semanário histórico de Aveiro, a fazer a paginação do próximo número, sempre com dificuldades por carência de meios, mas animados com o amor que tínhamos por aquele trabalho.
Eu, Carlos Souto e Artur Fino.
As páginas íam ficando prontas, a noite avançava e nós inventando novas técnicas que nos ajudassem a suprir a total ausência de jornalistas, fotógrafos,redactores,enfim, a penúria criativa do costume.
Chegados à página onze, tínhamos que encontrar uma ilustração, uma foto, ou um desenho que encimasse uma carta de amor, escrita com mestria, imitando os velhos tempos do amor platónico.-E agora? O que é que pomos?
-Já sei, disse o nosso inventivo Carlos Souto. Vamos às gavetas procurar fotos antigas que estão para aí.
-Mas isso é muito perigoso. Imagina que alguém reconhece o avô ou a avó, disse eu, podem processar-nos e com razão.
-Não te preocupes, eu ponho-lhes uns bigodes, uns chapéus e ninguém dá por ela.
Dito e feito. As fotos do fundo dos armários saíram, assim, enchapeladas e de bigodes retorcidos.
No dia seguinte à tarde, cheguei à redacção do jornal e sentei-me a ver o correio e a saborear mais um número do nosso semanário.
Trim!- Está? Desejava falar com a directora do Litoral.
-Sou eu mesma,boa-tarde.
- Ó minha senhora, eu venho protestar. Estou, estamos muito ofendidos com o que fizeram no último número.
-O que foi?
-Então os senhores usaram as fotos do meu avô  e da minha avó para ilustrar um texto ridículo? Eles eram pessoas muito sérias, a minha avó era uma senhora!
-Ah, desculpe, que lhe posso dizer, estou desolada, foi sem intenção.
-Sem intenção? Ó minha senhora, ponha-se no meu lugar.
-Tem razão, estou a ver, e se nós fizermos um pedido de desculpa no próximo número?
- Não, não aceito, vou processar-vos, vou fechar esse jornal, vou para a justiça, vou fazer um escândalo.
Eu nem sabia o que dizer. Só pensava"eu bem dizia, mas aquele Souto, é sempre o mesmo."
-Mas reconsidere, vamos reunir e conversar. Vai ver que encontramos uma solução.
-Uma solução? É a honra da minha família...ai, ai, ó minha senhora desculpe, ...este engenheiro Souto mete-nos em cada embrulhada.
E ria-se! E riam todos à volta dele, de entre os quais o nosso amigo. Estavam todos na Lacticoop, liderados pelo Carlos, a pregar-me aquela partida.
-Foi aqui o engenheiro que me convenceu a fazer este papel...desculpe.
E riam, riam, riam.

Felizmente, a história foi toda encenada pelo Souto.
Apanhei um valente susto.
Felizmente, o meu, nosso amigo, fez-nos sorrir, uma vez mais, sempre.

02 julho 2010

O meu amigo Tom

Em 1835, eu e o cometa Halley viemos a este mundo. O cometa volta no próximo ano e é com ele que eu espero partir. Não aproveitar a viagem seria a maior desilusão da minha vida. O Todo-Poderoso terá dito certamente: "Eis dois fenómenos bizarros e inexplicáveis. Vieram juntos e hão-de partir os dois." (Mark Twain, 1909)


A adolescência é o território de excelência para a construção das amizades. A minha entrada nesse espaço enigmático foi feita na companhia de muita gente. De alguns, de carne e osso, que ainda por aí andam, já aqui falei. Outros, feitos das efabulações de quem tinha na leitura uma porta aberta ao mundo, ficaram lá, dentro das páginas que lhes deram vida.
Tom Sawyer foi um deles. Com ele, Mark Twain levou-me às mais fantásticas aventuras num tempo em que o sonho era ainda um começo.
Descobri-o hoje numa nova edição, lavado e bem penteado, um pouco à revelia de Tom, mas com o uso e as leituras, será de novo o meu amigo daquele tempo.

01 julho 2010

Hoje, se quisermos, pode começar o Verão...

How was I to know that this was always only just a little game to you?

All the time I felt you gave your heart I thought that I would do the same for you,
Tell the truth I think I should have seen it coming from a mile away,
When the words you say are,
“Baby I’m a fool who thinks it’s cool to fall in love”
If I gave a thought to fascination I
would know it wasn’t right to care,
Logic doesn’t seem to mind that I am fascinated by the love affair,
Still my heart would benefit from a little tenderness from time to time, but never mind,
Cos Baby I’m a fool who thinks it’s cool to fall in love,
Baby I should hold on just a moment and be sure it’s not for vanity,
Look me in the eye and tell me love is never based upon insanity,
Hear the way my heart is beating every other moments fleeting,
Kiss me now,
Don’t ask me how,
Cos Baby I’m a fool who thinks it’s cool to fall,
Baby I’m a fool who thinks it’s cool to fall,
And I would never tell if you became a fool and fell in Love.

Melody Gardot considera-se uma autora e cantora com influência de jazz e do blues, tem um timbre de voz inconfundíval. Budista,  cozinheira macrobiótica,  tem uma  história pessoal que nos leva a um  obrigatório reconhecimento duma indomável vontade de atingir objectivos, mesmo os mais difíceis.
Vai estar, de novo, em Portugal na próxima semana.
Casa da Música (Porto) 06/07, 21,30h
CCB (Lisboa) 07/07, 21,00h
Não percam.