29 maio 2011

Senhor doutor, dói-me a alma, aqui do lado esquerdo...


Mário Sacramento (1920-1969) marcou a vida cultural e política de Portugal de forma determinante entre a década de 40 e 60 do século XX.
Médico, Ensaísta, Crítico e Activista Político (com cinco detenções durante a ditadura) foi sempre uma voz livre e um pensamento crítico e inovador.
Em Sementes de Liberdade - Tese de Eunice Voulliot sobre M.Sacramento apresentada na Sorbonne - descobre-se o Homem e o combate no seu Tempo.
O filme de José António Paradela é um belíssimo testemunho sobre Mário Sacramento, feito a partir do livro de Eunice.

25 maio 2011

Para os que tinham, pelo menos, treze anos no Verão de 1967


A canção foi lançada em Maio em Londres e (com era hábito na época) foi, entre nós um sucesso depois de Julho.
As meninas começavam, timidamente a usar mini saia e os rapazes, ainda longe dos blue jeans, equipavam-se de calças boca-de-sino e camisas justas com colarinhos tão longos como o cabelo que lhes tapava as orelhas até meio.
Era tudo a preto e branco, mas a música dava para dançar de cara encostada o que só lhe acrescentava qualidades...

21 maio 2011

A fazedora de ilusões

Como lá em casa o dinheiro andava a cavalo e nós a pé, quando chegava à Mina algum filme que o meu pai – só pelo nome do actor ou actriz principal – achava que era bom, juntavam-se as moedas uma a uma, à justa para o bilhete, e mandavam-me ir vê-lo.
Depois, à vinda do cinema, eu tinha de o contar à família reunida em pleno na divisão do "living".

Era lindo, depois de ver o filme, encontrar o meu pai e os meus irmãos à espera em casa, ansiosos, sentados em fila como no cinema, penteadinhos de fresco e com a roupa mudada.
O meu pai, com uma manta boliviana sobre as pernas, ocupava o único cadeirão que nós tínhamos, e era aí a plateia. No chão, ao lado do cadeirão, reluzia a sua garrafa de vinho tinto e o único copo que restava em casa. A galeria era o banco comprido, de madeira bruta, onde os meus irmãos se instalavam por ordem, do mais novo ao mais velho. Depois, quando alguns amigos deles começaram a assomar à janela, passou a ser aí o balcão.
Eu chegava do cinema, bebia depressinha uma caneca de chá (que já tinham preparado para mim) e dava início à sessão. De pé diante deles, de costas para a parede caiada, branca como o ecrã do cinema, punha-me a contar-lhes o filme “de pé a pá”, como dizia o meu pai, procurando não esquecer nenhum pormenor, nem do argumento, nem dos diálogos, nem das personagens.
A propósito, devo esclarecer aqui que não me mandavam a mim ao cinema por ser a única mulher da família e eles – o meu pai e os meus irmãos -, uns cavalheiros com as damas. Não, senhor. Mandavam-me porque eu era melhor do que eles todos a contar filmes. É como digo: a melhor contadora de filmes da família. Depois passei a ser a melhor da correnteza e, daí a pouco tempo, do acampamento. Que eu soubesse, não havia ninguém na Mina que me ganhasse a contar filmes. De qualquer género: de "cow boys", de terror, de guerra, de marcianos, de amor. E, claro está, mexicanos, que eram os que o meu papá, como bom sulino, mais apreciava.
E foi precisamente com um mexicano, daqueles bem contados e chorados que ganhei o título. Porque o título, foi preciso ganhá-lo.
Ou julgam que fui eleita pelo meu físico?....

Hernán Rivera Letelier, A Contadora de Filmes, Ed. Presença, 2011

19 maio 2011

Almocemos, pois!

Sábado próximo haverá muitos almoços pelo País. Contudo, um terá um significado muito especial para um empenhado grupo de dezenas de homens e mulheres que, juntos, irão celebrar, na maior alegria, um tempo.
Com a impressionante dinâmica que estes movimentos têm adquirido na era Facebook, vão juntar-se na Figueira da Foz amigos, amigas, conhecidas, conhecidos, companheiros, companheiras, colegas, ex colegas e assim-assim, cujas vidas se cruzaram um dia no Liceu da cidade.
Será, certamente, uma festa bonita.
Por mim, celebro ali a maravilha de ter tido dezassete anos.

17 maio 2011

À mesa do café com o Tomás, o Gil e a Joana (...e o Hélder)



Ontem à noite, no Bar da Barraca- Cinearte, confrontaram ideias e ideais, Tomás de Torquemada, Gil Vicente e Joana d'Arc.
Num diálogo vivo e acutilante, suscitado por Hélder Costa, promotor e moderador da reunião, foi possível juntar à mesa três personagens históricos do século XV num debate sobre as grandes questões da Humanidade e os respectivos percursos pessoais.
Ali, pelo menos, não dominou a finança.
Interessante, pedagógico e lúdico, os Encontros Imaginários são uma iniciativa muito estimulante  da Barraca, que merece ser vista e participada .

Em 6 de Junho, estarão a tomar café: Luther King, Maria Callas e Ku-Klux-Klan

14 maio 2011

"É a vida!", o caraças! A ver se me animas, Frank!


12/12/1915 - 14/05/1998


That's life,
that's what all the people say
You're riding high in April,
Shot down in May
But I know I'm gonna change that tune,
When I'm back on top, back on top in June.
I said that's life, and as funny as it may seem
Some people get their kicks,
Stompin' on a dream
But I don't let it, let it get me down,
'Cause this fine old world it keeps spinning around.

I've been a puppet, a pauper, a pirate,
A poet, a pawn and a king.
I've been up and down and over and out
And I know one thing:
Each time I find myself, flat on my face,
I pick myself up and get back in the race.

That's life

12 maio 2011

Manuel António Pina


O Prémio Camões, o mais importante galardão de literatura portuguesa, foi hoje atribuído por unanimidade a Manuel António Pina.

Finalmente uma boa notícia!

08 maio 2011

Roth

Nada fazia prever - principalmente porque Pegeen Mike Stapleford vivia como lésbica desde os vinte e três anos - que quando ela tivesse quarenta anos e Axler sessenta e cinco se tornassem amantes que se telefonariam todas as manhãs ao acordar e sofregamente passariam juntos o tempo livre em casa dele, onde, para gáudio dele, ela se apropriou de dois compartimentos para seu uso, um dos três quartos de dormir no primeiro andar para as roupas e o escritório do rés-do-chão, ao lado da sala de estar, para o portátil. Havia lareiras em todos os compartimentos do rés-do-chão, mesmo na cozinha, e quando Pegeen estava a trabalhar no escritório tinha sempre a lareira acesa. Vivia a pouco mais de uma hora de distância dali, percorrendo estradas de montanha sinuosas e onduladas, por entre campos de cultivo, que a traziam até à propriedade dele, vinte e dois hectares de campo aberto e uma grande e antiga casa de campo branca com portadas pretas, emoldurada por plátanos antigos e grandes freixos, e muros altos de pedra tosca. Não vivia ninguém, além deles, nas redondezas. Durante os primeiros meses raramente saíam da cama antes do meio-dia. Não conseguiam estar um sem o outro.
E no entanto, antes de ela chegar, ele tinha a certeza de estar acabado: acabado para o teatro, acabado para as mulheres, para as pessoas, definitivamente acabado para a felicidade. Estava há mais de um ano com graves problemas físicos, mal conseguindo dar dois passos ou estar muito tempo de pé ou sentado, por causa das dores da coluna que tinha conseguido suportar durante toda a idade adulta mas cuja evolução debilitante se tinha acelerado com a idade - e portanto tinha a certeza de que estava arrumado em todos os aspectos.

Philip Roth, A Humilhação, Ed. Dom Quixote, 2011
Pintura: Eric Fischl

06 maio 2011

Para a Catarina, que fará dezoito anos num domingo de 2027


Hoje
és ainda um cálido sopro de ternura,
e vida enchendo as memórias com o riso
aprendido nas aves.
Olhamos o céu com os mesmos olhos,
e andarei contigo onde estiveres.
Porque nós somos os passos que dermos
e tu já és tanto

Foto: C.