21 maio 2011

A fazedora de ilusões

Como lá em casa o dinheiro andava a cavalo e nós a pé, quando chegava à Mina algum filme que o meu pai – só pelo nome do actor ou actriz principal – achava que era bom, juntavam-se as moedas uma a uma, à justa para o bilhete, e mandavam-me ir vê-lo.
Depois, à vinda do cinema, eu tinha de o contar à família reunida em pleno na divisão do "living".

Era lindo, depois de ver o filme, encontrar o meu pai e os meus irmãos à espera em casa, ansiosos, sentados em fila como no cinema, penteadinhos de fresco e com a roupa mudada.
O meu pai, com uma manta boliviana sobre as pernas, ocupava o único cadeirão que nós tínhamos, e era aí a plateia. No chão, ao lado do cadeirão, reluzia a sua garrafa de vinho tinto e o único copo que restava em casa. A galeria era o banco comprido, de madeira bruta, onde os meus irmãos se instalavam por ordem, do mais novo ao mais velho. Depois, quando alguns amigos deles começaram a assomar à janela, passou a ser aí o balcão.
Eu chegava do cinema, bebia depressinha uma caneca de chá (que já tinham preparado para mim) e dava início à sessão. De pé diante deles, de costas para a parede caiada, branca como o ecrã do cinema, punha-me a contar-lhes o filme “de pé a pá”, como dizia o meu pai, procurando não esquecer nenhum pormenor, nem do argumento, nem dos diálogos, nem das personagens.
A propósito, devo esclarecer aqui que não me mandavam a mim ao cinema por ser a única mulher da família e eles – o meu pai e os meus irmãos -, uns cavalheiros com as damas. Não, senhor. Mandavam-me porque eu era melhor do que eles todos a contar filmes. É como digo: a melhor contadora de filmes da família. Depois passei a ser a melhor da correnteza e, daí a pouco tempo, do acampamento. Que eu soubesse, não havia ninguém na Mina que me ganhasse a contar filmes. De qualquer género: de "cow boys", de terror, de guerra, de marcianos, de amor. E, claro está, mexicanos, que eram os que o meu papá, como bom sulino, mais apreciava.
E foi precisamente com um mexicano, daqueles bem contados e chorados que ganhei o título. Porque o título, foi preciso ganhá-lo.
Ou julgam que fui eleita pelo meu físico?....

Hernán Rivera Letelier, A Contadora de Filmes, Ed. Presença, 2011

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