29 junho 2011

Gonçalo M. Tavares

Mas não se aprende a ser sábio como se aprende
a resolver uma equação.
Nas duas aprendizagens exige-se atenção total, é certo,
mas há no caminho para a sabedoria mais obstáculos,
como se algures, deuses de voz rouca tivessem assumido o
                                                                  [compromisso
de não deixar a filosofia sensata
ocupar por completo os homens.
E talvez a causa seja puramente egoísta, pois se todos
                                                           [fossem sábios
quem precisaria de templos?

(Gonçalo M. Tavares,Uma Viagem à Índia, Ed Caminho, 2010)

Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores 2010

23 junho 2011

14 de Junho de 2011




E como tudo (tudo mesmo) se concentrou entretanto no teu nome!
Digo mãe para dizer filha, e me dizer a mim.
Afago-te o rosto e os dias ficam rutilantes nestes laços;
Aninho-me na tua pequenez e viajo por dentro contigo,
no sono, no choro,
em segredos que esqueci.

Julgo, enfim, possível um tempo reencontrado.
Nesta breve e cálida exaltação silenciosa.


Foto C.

13 junho 2011

Son "mis" huellas el camino


Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.

Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.

Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.


Pintura de Graça Neves

11 junho 2011

vadiagem em letra minúscula

 

corto uma fatia da tarde e dou-me ao luxo da preguiça.

curiosa dessas portas meio abertas, navego, mas todo o jogo de reflexos é próximo da miragem: há muito que não me encontro com as leituras de auster, e cansada dos trabalhos de babel, vou adiando a catharsis dos meus dramas filosóficos.
abro a janela. por ela entram ainda paisagens salvíficas para o meu olhar breve que, enublado de teimosa melancolia, viaja no tempo, caminha por entre abencerragens, falcoeiros e castelos mouriscos, como quem limpa o aos livros ou refaz a trama de um velho agasalho .  

regresso à natureza do meu mal: dou corda a um relógio parado no tempo de vermeer; limpo do texto os excessos e risco símbolos, ruídos de horas extraordinárias que ensurdecem qualquer pensamento musical. desço por vezes à matriz de outros sonhos, descubro outros lugares, novos mundos povoados de fantasmas ou barcos com flores, perfeitos para as minhas provas de contacto com a realidade que me importa.

Tornei-me desgraçadamente sensível à anarquia do riso por entre todas as dúvidas metódicas. dizem-me alguns que há vida noutros planetas, mas eu descubro nessa ronda dos astros a irónica comédia de todos os cais de partida em amsterdam.

[devaneio estranho, este, pois o que interessa mesmo é irmos andando, num thriller de mortos-vivos e salmos de david.
com ou sem arrastão, e a jugular exposta ao golpe, sentar-nos-emos à direita de deus pátria, sem  meditação à esquerda que nos reflicta, ou brumas de avalon que nos encantem.]

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