29 setembro 2010

Esta coisa da consciência ... dá que ler.

«A mente permite-nos perceber como é o Mundo, mas é a consciência que nos dá a vantagem subjectiva de dizer «Eu estou aqui, existo, tenho uma vida e há coisas à minha volta que se referem a mim». (excerto da entrevista)

Créditos: Big Think (http://bigthink.com/ideas/23020)



«... poucos são os constituintes do nosso ser tão espantosos, fundamentais e aparentemente misteriosos como a consciência. Sem ela, ou seja, sem uma mente dotada de subjectividade, não poderíamos saber que existimos, e muito menos quem somos e aquilo em que pensamos. Se a subjectividade não tivesse surgido, mesmo que de forma muito modesta ao início, em seres vivos muito mais simples do que nós, a memória e o raciocínio provavelmente não se teriam expandido de forma tão prodigiosa como se veio a verificar, e o caminho evolutivo para a linguagem e para a elaborada versão humana da consciência que agora detemos não teria sido aberto.
A criatividade não se teria desenvolvido. Não teria havido música, nem pintura, nem literatura. O amor nunca teria sido amor, apenas sexo. A amizade não passaria de uma mera vantagem cooperativa. A dor nunca se teria tornado sofrimento, o que pensando bem não teria sido mau, mas tratar‑se‑ia de vantagem equívoca, dado que o prazer nunca se viria a tornar em alegria.»

António Damásio, in O Livro da Consciência, Temas e Debates, 2010

25 setembro 2010

Ilha Encantada

"Onde vos retiver a beleza dum lugar, há um Deus que vos indica o caminho do espírito."
Natália Correia
Foto: C.




22 setembro 2010

Uma "crise planetária da educação"?

 

«Atravessamos actualmente uma crise de grande amplitude e de grande envergadura internacional. Não falo da crise económica mundial iniciada em 2008; falo da que, apesar de passar despercebida, se arrisca a ser muito mais prejudicial para o futuro da democracia: a crise planetária da educação.

Estão a produzir-se profundas alterações naquilo que as sociedades democráticas ensinam aos jovens e ainda não lhe aferimos o alcance. Ávidos de sucesso económico, os países e os seus sistemas educativos renunciam imprudentemente a competências que são indispensáveis à sobrevivência das democracias. Se esta tendência persistir, em breve vão produzir-se pelo mundo inteiro gerações de máquinas úteis, dóceis e tecnicamente qualificadas, em vez de cidadãos realizados, capazes de pensar por si próprios, de pôr em causa a tradição e de compreender o sentido do sofrimento e das realizações dos outros.

De que alterações estamos a falar? As Humanidades e as Artes perdem terreno sem cessar, tanto no ensino primário e secundário como na universidade, em quase todos os países do mundo. Consideradas, pelos políticos, acessórios inúteis, numa época em que os países têm de desfazer-se do supérfluo para continuarem a ser competitivos no mercado mundial, estas disciplinas desaparecem em grande velocidade dos programas lectivos, mas também do espírito e do coração dos pais e das crianças. Aquilo a que poderíamos chamar os aspectos humanistas da ciência e das ciências sociais está igualmente em retrocesso, preferindo os países o lucro de curto prazo, através de competências úteis e altamente aplicadas, adaptadas a esse objectivo

Martha Nussbaum, in Courrier Internacional, ed. portuguesa – Nº. 175, Setembro de 2010

19 setembro 2010

Últimos desejos


Quero voar como os anjos
quero lavar os dentes com triflúor
quero o Belinho sem o Oliveira
quero cornear o duque de Kent


quero 250 de Platão bem passados
quero a destreza do okapi
quero ir ao Douro e às vindimas
quero pagar com letrasset


quero vestir de linho (e do Veiga)
quero ser primeiro no Mundial
quero pudim francês com caramelo
quero ler um cabinda em verso branco


quero uma sequóia para o quarto
quero voar de Spitefire
quero esmurrar o Marcel Cerdan
quero a Maja Desnuda


quero-te de bicicleta
quero-te outra vez de bicicleta sobre as folhas
quero-te ouvir chegar de bicicleta
quero o som macio que fazia na mata a tua bicicleta.

Fernando Assis Pacheco, in Variações em Sousa

17 setembro 2010

Cadeiras que são gente


Na minha casa há cadeiras misteriosas, encolhem-se a um canto, frágeis,um pouco reformadas ,de outros tempo. Quase sempre dormem. Às vezes alguém se senta por pouco tempo e elas tremem um bocadinho, e pensam que vão cair. Por momentos, sentem-se nas grandes salas de antanho, eu era da sala de jantar, agora só sirvo para pousar um casaco, o jornal,os óculos.
Outras espreguiçam-se e falam com o candeeiro, ao lado,a minha companhia. Quando vem alguém, ou está muito cansada, ou a telefonar. Gosto de ouvir as conversas. Antes era uma avó que dormia uma sestinha com o gato ao colo.
O sofá da televisão é o mais sacrificado, mas também é o que tem a vida mais animada. Sei muito de política, debates. Com o futebol é pior, porque me enervo,  vão saltar de repente e dizer:Golo.
A cadeira da cozinha é muito prática, nova, sempre asseada, mas estou sempre debaixo da mesa.
A poltrona do quarto é muito calma e acolhedora, tem sempre visitas de roupas atiradas com sono. Também sirvo para calçar os sapatos, sou baixinha.A cadeira do escritório é muito útil e pragmática. Sei que grandes decisões passam por mim e às vezes até apareço num blogue.
Eu sou feliz, sou a espreguiçadeira do jardim, apanho solinho, às vezes chuva,estou sempre de férias. Tenho uma característica única, sou desdobrável, vou para a arrecadação no Inverno, mas volto sempre, revigorada, contente, cheia de vontade de reencontrar o guarda-sol.
Hoje vai haver limpezas, vamos andar às cavalitas e ficamos a brilhar, ou muito escovadinhas. Só não gostamos do aspirador, que monstro, barulhento, bruto, áspero.
Amanhã vai haver almoço de família. Fomos todas e todos convocados.

15 setembro 2010

O dia tem vinte e quatro horas, os cérebros vão ao ginásio e eu matei "saudades" dos discursos do Tomás...

"

Mário Viegas, como tão bem assinala Meditação na Pastelaria, um dos nossos Blogs preferidos e de onde roubámos a ideia, é muito melhor contador de histórias para meninos e graúdos...

14 setembro 2010

Nostalgia




















Quisera adormecer
como a criança acorda,
à beira de outro tempo, que é o nosso.

Só quero o que não posso.

Jorge de Sena, in 40 Anos de Servidão
Foto: C.

11 setembro 2010

11 de Setembro - 1973 -


















Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.

Pablo Neruda (Últimos Poemas)

09 setembro 2010

Correm turvas as águas deste rio

Correm turvas as águas deste rio,
Que as do céu e as do monte as enturbaram;
Os campos florescidos se secaram,
Intratável se fez o vale, e frio.
Passou o Verão, passou o ardente Estio,
Úas cousas por outras se trocaram;
Os fementidos Fados já deixaram
Do mundo o regimento, ou desvario.
Tem o tempo sua ordem já sabida;
O mundo, não; mas anda tão confuso,
Que parece que dele Deus se esquece.
Casos, opiniões, natura e uso
Fazem que nos pareça desta vida
Que não há nela mais que o que parece.

Luis Vaz de Camões

08 setembro 2010

... ainda os serviços do "serviço público"

A entrevista "non stop" que, desde que foi condenado, Sua Inocência tem estado ininterruptamente a dar às TVs, teve o mais respeitoso e obrigado dos episódios na RTP1, canal que é suposto fazer "serviço público".
Desta vez, o "serviço" foi feito a um antigo colega, facultando-lhe a exposição sem contraditório das partes que lhe convêm (acha ele) do processo Casa Pia e promovendo o grotesco julgamento na praça pública dos juízes que, após 461 sessões, a audição de 920 testemunhas e 32 vítimas e a análise de milhares de documentos e perícias, consideraram provado que ele praticou crimes abjectos, condenando-o à cadeia sem se impressionarem com a gritaria mediática de Suas Barulhências os seus advogados, o constituído e o bastonário.
Tudo embrulhado no jornalismo de regime, inculto e superficial, de Fátima C. Ferreira, agora em versão tu-cá-tu-lá ("Queres fazer-lhe [a uma das vítimas] alguma pergunta, Carlos?"). O "Prós &Contras" só não ficará na História Universal da Infâmia do jornalismo português porque é improvável que alguém, a não ser os responsáveis da RTP, possa chamar jornalismo àquilo.

07 setembro 2010

Equilíbrios e equilibristas

Apenas um exercício.
Suponhamos que só havia um réu e uma condenação.
Imaginemos que esse réu, condenado, era Carlos Silvino, o "Bibi".
Será que o "Serviço Público de Televisão" continuaria a insistir no seu papel moderador na sociedade portuguesa?

05 setembro 2010

Do pouco que sei


1. Depois de um julgamento, depois de ouvidas as testemunhas e depois de examinadas as provas, um colectivo de juízes deu seis arguidos como culpados e conferiu o estatuto de vítimas às anteriormente alegadas "crianças mentirosas".

2. O julgamento arrastou-se ao longo de seis anos, o que trouxe um inegável acréscimo de sofrimento às vítimas e propiciou, aos acusados, uma exposição mediática pouco adequada a um julgamento correcto por parte da opinião pública. Essa mediatização excessiva levou à profusão de opiniões baseadas, muitas vezes, numa crença sobre a culpabilidade ou inocência dos arguidos.

3. Dada a dimensão pública que o caso atingiu, o anúncio das sentenças deveria ter tido uma fundamentação adequada relativamente às provas das acusações que originaram as penas aplicadas.

4. Hoje, em Portugal, todos os criminosos com meios económicos podem deixar de cumprir pena. Basta uma utilização “adequada” dos poderes suspensivos dos recursos.

5. Há suspeitas de que continua a haver crianças abusadas na Casa Pia, o que quer dizer: há mais vítimas e mais abusadores.

Espero sinceramente que a publicitação da sentença esclareça, em definitivo, as legítimas dúvidas de quem  quer acreditar no exercício da justiça.

03 setembro 2010

...e o futuro deles é hoje


Para o progresso de Moçambique precisamos de trabalhar, se não trabalharmos caminharemos para trás.
(Joaquim Eugénio Pires - 4ª classe)

Toda a gente vai trabalhar cultivar as plantas para nós comermos.
(António Muiocha - 2ª classe)

Não vamos fazer como o governo de Salazar e Caetano de se sentar na cadeira e os outros trabalharem. Vamos todos trabalhar.
(César Alfredo Muchanga - 4ª classe)

É neste novo espírito que vamos trabalhar estudar e ter vigilância, não ter medo da polícia.
(Júlio Silvano Chemane - 2ª classe)

in As Vozes do Futuro, Revista Tempo, edição especial da Independência
República Popular de Moçambique, Junho de 1975.