Na minha casa há cadeiras misteriosas, encolhem-se a um canto, frágeis,um pouco reformadas ,de outros tempo. Quase sempre dormem. Às vezes alguém se senta por pouco tempo e elas tremem um bocadinho, e pensam que vão cair. Por momentos, sentem-se nas grandes salas de antanho, eu era da sala de jantar, agora só sirvo para pousar um casaco, o jornal,os óculos.
Outras espreguiçam-se e falam com o candeeiro, ao lado,a minha companhia. Quando vem alguém, ou está muito cansada, ou a telefonar. Gosto de ouvir as conversas. Antes era uma avó que dormia uma sestinha com o gato ao colo.
O sofá da televisão é o mais sacrificado, mas também é o que tem a vida mais animada. Sei muito de política, debates. Com o futebol é pior, porque me enervo, vão saltar de repente e dizer:Golo.
A cadeira da cozinha é muito prática, nova, sempre asseada, mas estou sempre debaixo da mesa.
A poltrona do quarto é muito calma e acolhedora, tem sempre visitas de roupas atiradas com sono. Também sirvo para calçar os sapatos, sou baixinha.A cadeira do escritório é muito útil e pragmática. Sei que grandes decisões passam por mim e às vezes até apareço num blogue.
Eu sou feliz, sou a espreguiçadeira do jardim, apanho solinho, às vezes chuva,estou sempre de férias. Tenho uma característica única, sou desdobrável, vou para a arrecadação no Inverno, mas volto sempre, revigorada, contente, cheia de vontade de reencontrar o guarda-sol.
Hoje vai haver limpezas, vamos andar às cavalitas e ficamos a brilhar, ou muito escovadinhas. Só não gostamos do aspirador, que monstro, barulhento, bruto, áspero.
Amanhã vai haver almoço de família. Fomos todas e todos convocados.
8 comentários:
A minha cadeira de secretária, que é ainda parente das tuas,tem convicções literárias e políticas muito marcadas.
Mal me sentei, percebi pelo acolhimento que me fez, que ela tinha nascido e crescido num tempo em que a palavra dos homens era o seu bem mais precioso, um tempo em que o combate de ideias era o centro da vida de muitos deles, a ponto de darem a vida pelas suas convicções.
Ela lembra-me isso todos os dias.Sinto-o.
Belíssimo o teu texto, Clara.
...e quanto têm a revelar as cadeiras Clara...O tempo marca mesmo os assentos, com seus assentimentos e negativas, esses objetos tão próximos, cadeiras...e fazê-las poesia foi apropriado e belo! Beijos
Um texto muito original.
Gostei imenso.
Alguém pensará na história que uma simples cadeira pode contar?
Das várias que tenho há uma que se destaca.
É uma "costureirinha" (para quem não sabe, o nome deve-se ao facto de a mesma se destinar à pessoa que costurava dado ser muito baixinha) que sempre a conheci em casa da minha avó.
De casa da minha bisavó, passou para a casa de minha avó, depois para a de minha mãe e agora repousa na minha. Uma cadeira linda e que já conta a história de 4 gerações.
Tudo têm a sua história. O segredo é saber lê-la.
Abraço.
Pois é, gente. As coisas falam muito, porque nos acompanham ao longo de muitas vidas.
Paulo, percebi e gostei. Beijinho.
Keila, Ana e Teresa, as casas dizem tanto. Vou continuar, sempre que me deparar com a vossa benevolência.
Teresa, conheço essas costureirinhas, são uma graça.
Este texto está original e muito expressivo.Gostei!
Se as cadeiras falassem, teriam tantas histórias para nos contar...
mas que bela dança de cadeiras, Clara. muito muito. gostei muito.
Relógio e Marta:
A dança das cadeiras, em todas as casas falam muito dos seus donos.
Aliás, podemos pôr todos os objectos a falar, é muito apelativo.
Outra coisa gira- um carro, quando sai do stand é um carro. Passado uns tempos, começa a ter os tiques do proprietário e nós identificamo-lo com o dono.
Concordam?
Um xi-cioração.
Enviar um comentário