17 setembro 2010

Cadeiras que são gente


Na minha casa há cadeiras misteriosas, encolhem-se a um canto, frágeis,um pouco reformadas ,de outros tempo. Quase sempre dormem. Às vezes alguém se senta por pouco tempo e elas tremem um bocadinho, e pensam que vão cair. Por momentos, sentem-se nas grandes salas de antanho, eu era da sala de jantar, agora só sirvo para pousar um casaco, o jornal,os óculos.
Outras espreguiçam-se e falam com o candeeiro, ao lado,a minha companhia. Quando vem alguém, ou está muito cansada, ou a telefonar. Gosto de ouvir as conversas. Antes era uma avó que dormia uma sestinha com o gato ao colo.
O sofá da televisão é o mais sacrificado, mas também é o que tem a vida mais animada. Sei muito de política, debates. Com o futebol é pior, porque me enervo,  vão saltar de repente e dizer:Golo.
A cadeira da cozinha é muito prática, nova, sempre asseada, mas estou sempre debaixo da mesa.
A poltrona do quarto é muito calma e acolhedora, tem sempre visitas de roupas atiradas com sono. Também sirvo para calçar os sapatos, sou baixinha.A cadeira do escritório é muito útil e pragmática. Sei que grandes decisões passam por mim e às vezes até apareço num blogue.
Eu sou feliz, sou a espreguiçadeira do jardim, apanho solinho, às vezes chuva,estou sempre de férias. Tenho uma característica única, sou desdobrável, vou para a arrecadação no Inverno, mas volto sempre, revigorada, contente, cheia de vontade de reencontrar o guarda-sol.
Hoje vai haver limpezas, vamos andar às cavalitas e ficamos a brilhar, ou muito escovadinhas. Só não gostamos do aspirador, que monstro, barulhento, bruto, áspero.
Amanhã vai haver almoço de família. Fomos todas e todos convocados.

8 comentários:

Paulo disse...

A minha cadeira de secretária, que é ainda parente das tuas,tem convicções literárias e políticas muito marcadas.
Mal me sentei, percebi pelo acolhimento que me fez, que ela tinha nascido e crescido num tempo em que a palavra dos homens era o seu bem mais precioso, um tempo em que o combate de ideias era o centro da vida de muitos deles, a ponto de darem a vida pelas suas convicções.
Ela lembra-me isso todos os dias.Sinto-o.
Belíssimo o teu texto, Clara.

Keila Costa disse...

...e quanto têm a revelar as cadeiras Clara...O tempo marca mesmo os assentos, com seus assentimentos e negativas, esses objetos tão próximos, cadeiras...e fazê-las poesia foi apropriado e belo! Beijos

Ana Paula Sena disse...

Um texto muito original.

Gostei imenso.

Teresa Santos disse...

Alguém pensará na história que uma simples cadeira pode contar?
Das várias que tenho há uma que se destaca.
É uma "costureirinha" (para quem não sabe, o nome deve-se ao facto de a mesma se destinar à pessoa que costurava dado ser muito baixinha) que sempre a conheci em casa da minha avó.
De casa da minha bisavó, passou para a casa de minha avó, depois para a de minha mãe e agora repousa na minha. Uma cadeira linda e que já conta a história de 4 gerações.
Tudo têm a sua história. O segredo é saber lê-la.
Abraço.

clara disse...

Pois é, gente. As coisas falam muito, porque nos acompanham ao longo de muitas vidas.
Paulo, percebi e gostei. Beijinho.
Keila, Ana e Teresa, as casas dizem tanto. Vou continuar, sempre que me deparar com a vossa benevolência.
Teresa, conheço essas costureirinhas, são uma graça.

RC disse...

Este texto está original e muito expressivo.Gostei!
Se as cadeiras falassem, teriam tantas histórias para nos contar...

Marta disse...

mas que bela dança de cadeiras, Clara. muito muito. gostei muito.

clara disse...

Relógio e Marta:
A dança das cadeiras, em todas as casas falam muito dos seus donos.
Aliás, podemos pôr todos os objectos a falar, é muito apelativo.
Outra coisa gira- um carro, quando sai do stand é um carro. Passado uns tempos, começa a ter os tiques do proprietário e nós identificamo-lo com o dono.
Concordam?
Um xi-cioração.