Pouso a minha mão no lençol, impecavelmente esticado, junto à da minha mãe. Estão cuidadas as duas, mas a dela agora despida dos adereços que sempre lhe enfeitaram os dedos. “Desgosta-me que não uses, filha, ninguém os vai herdar”.
Assim pousadas, as nossas mãos tão idênticas parecem saídas dos braços duma mesma mulher, direita e esquerda.
Olhando com atenção, há uma que mantém, elevada, uma pequena prega do lençol branco, ondulando entre o indicador e o polegar, num tremor fino. É a dela, adormecida.
A coluna de luz jorra da persiana em pequenos raios tangentes ao bordo da cama até se perder no chão. Não toca as nossas mãos que ficam na penumbra do quarto branco e asséptico.
Sinto a minha mão na carícia suave do lençol lavado, impressão antiquíssima e, se fecho os olhos, vejo-a, infantil, fechada na outra, protectora, que a segura e conduz na manhã fria até à sala das letras e dos números cantados. “Agora vens todos os dias para esta sala”.
Há um sabor conhecido na memória que guardo depois dessa manhã, tantas foram depois as vezes que a minha mão encontrou abrigos naquela concha.
Hoje, é uma ínfima mudança do brilho da luz que conduz a minha mão, contraída, de novo adulta, até àquela, antes enseada e amparo, que agora naufraga no ocaso dos anos.
7 comentários:
Gostei , gostei muito, Paulo!
Altamente simbólico , li e reli para ver se nada me escapava , mas isto é sempre uma presunção minha . Sem importância , claro !
Um abraço
Zé
Coisa linda Paulo! Essa "concha protetora"...veio-me até inspiração para dizer dessas conchas que nos assaltam durante a vida...e que tanto precisamos...esse toque mágico tão significativo...
Beijo
Também gostei deste texto.Tem um toque acentuado de um Tempo passado que passou e que deixou uma marca... e muito mais do que uma simples marca de água.
Zé, tem toda a importância. A tua apreciação representa muito. Tu sabes. Abraço
Keila, muitas vezes só damos valor à infância que tivemos quando as nossas referências se vão retirando de cena. Beijo
relogio.de.corda, muito mais que marca de água, bem observado.São marcas profundas e que nos desenham pela vida fora.
Obrigado
Obrigada por este excelente post. Gostei muito.
Até chorei, Paulo.
Austeriana, às vezes a escrita dos momentos mais intensos reconcilia-nos com a vida.
Clara, obrigado.
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