22 setembro 2010

Uma "crise planetária da educação"?

 

«Atravessamos actualmente uma crise de grande amplitude e de grande envergadura internacional. Não falo da crise económica mundial iniciada em 2008; falo da que, apesar de passar despercebida, se arrisca a ser muito mais prejudicial para o futuro da democracia: a crise planetária da educação.

Estão a produzir-se profundas alterações naquilo que as sociedades democráticas ensinam aos jovens e ainda não lhe aferimos o alcance. Ávidos de sucesso económico, os países e os seus sistemas educativos renunciam imprudentemente a competências que são indispensáveis à sobrevivência das democracias. Se esta tendência persistir, em breve vão produzir-se pelo mundo inteiro gerações de máquinas úteis, dóceis e tecnicamente qualificadas, em vez de cidadãos realizados, capazes de pensar por si próprios, de pôr em causa a tradição e de compreender o sentido do sofrimento e das realizações dos outros.

De que alterações estamos a falar? As Humanidades e as Artes perdem terreno sem cessar, tanto no ensino primário e secundário como na universidade, em quase todos os países do mundo. Consideradas, pelos políticos, acessórios inúteis, numa época em que os países têm de desfazer-se do supérfluo para continuarem a ser competitivos no mercado mundial, estas disciplinas desaparecem em grande velocidade dos programas lectivos, mas também do espírito e do coração dos pais e das crianças. Aquilo a que poderíamos chamar os aspectos humanistas da ciência e das ciências sociais está igualmente em retrocesso, preferindo os países o lucro de curto prazo, através de competências úteis e altamente aplicadas, adaptadas a esse objectivo

Martha Nussbaum, in Courrier Internacional, ed. portuguesa – Nº. 175, Setembro de 2010

9 comentários:

Ricardo António Alves disse...

O problema é, como dizia o Ferreira de Castro, todo o homem começar em zero. A experiência não se herda, apenas a memória dos antepassados, que progressivamente se esvai.
O que significa que caminhamos de outra vez para a barbárie; e se do Homem restar alguma coisa, ele iniciará de novo o caminho da sua libertação, qual pedregulho de Sísifo -- até um dia se suster lá no alto, ou não.

Keila Costa disse...

Migramos quase que definitivamente para a era técnica, essa ferramenta maravilhosa e horrenda, porque raramente está a serviço de uma melhor qualidade de vida, mais humana, mas simplesmente se curva aos caprichos do lucro...Muito bom colocar o tema em discussão Paulo! Beijinho

Marta disse...

gostei tanto, Paulo.
obrigada.

RC disse...

Inicial C, será de Clara, correcto!?Portanto, se foi a Clara a postar esta mensagem só tenho de lhe dar os meus parabéns pela partilha deste artigo.
As ciências sociais, as humanidades estão em crise, em declínio crescente e, assim será!
Vendo a forma como a sociedade está,eu não agoiro nada de positivo para estas áreas.
Talvez por terem percebido que estas ciências são fundamentais, temos agora, alguns médicos a defenderem estas disciplinas nos cursos de formação em medicina (leia-se o artigo escrito sobre este assunto, no meu blog).
O exemplo desta crise está bem patente no ensino secundário onde não abrem turmas de línguas e humanidades, por exemplo. Pelo 3º ano consecutivo a escola sec. do meu concelho não tem alunos suficientes para fazerem turmas. A minha filha, está no 12ºano de outra escola(numa turma com 14 alunos)e foi a "ovelha tresmalhada", na altura, porque foi a única a seguir uma área que ela realmente queria e para a qual se sentia vocacionada. Todos os seus colegas optaram pelas ciências e informática porque são as áreas com "futuro" e aqueles que dão emprego, diziam eles.
A forma como tudo se parece "organizar", tendo em conta apenas o que é mais fácil, rápido, rentável, etc, etc, rebentará mais dia menos dia e terá as suas consequências. Isto não pode continuar assim... as gerações que estamos a educar, desculpem-me as palavras menos simpáticas que vou usar, serão umas cabeças vazias, com pouco ou nenhum substrato. Sou levada a perguntar-me a mim própria; que humanidade terão estes futuros adultos perante a diferença, a ausência de qualquer bem ou serviço, a doença, a velhice e tantas outras?...
Este assunto daria sem dúvida, "muito pano para mangas".

Keila Costa disse...

Desculpe-me o engano Clara! Você e Paulo têm sincronia, harmonia na seleção de temas, na forma de abordagem! Bela postagem... comentei e ainda indiquei! Beijos, Keila

Paulo disse...

Keila e relogio de corda, C. podia ser Clara, mas, por acaso, C. é C. e Clara é Clara. São duas pessoas diferentes que com o Paulo se divertem a fazer este Blog.
Beijinhos e obrigado pelos vossos comentários.

Ana Paula Sena disse...

Gostei muito de ler, C.

Uma reflexão e uma crítica mais que oportunas. Na verdade, urgentes.

Gosto muito de ler a Martha Nussbaum. Infelizmente, é pouco conhecida e divulgada no nosso país. Foi um prazer encontrá-la aqui, graças a si.

Deixo um abraço.

Anónimo disse...

Que confusão! Até eu já estava baralhada, C! Não conheço o livro mas vou ler. Eu andava a notar que a Escola estava a ficar uma casa de doidos e como está tudo caladito, até pensei que era Eu que estava a envelhecer mal...o mundo cheira muito a merda, C!!

mmanuel

A disse...

Um post excelente e faço minhas as palavras dos comentadores anteriores. Acrescentaria apenas em relação ao comentário do anónimo que esta crise na educação não se reduz apenas à escola. Infelizmente.