04 janeiro 2011

Carta a Vanessa


As caras são enigmas, não falam dos corações, sei disso. Mas eu, mal olhei para ti no café, vi-te a alma toda, Vanessa.
Alguns olhares que me devolves passam por cima da vozearia, contornam o empregado de pano seboso ao ombro, flutuam nos reformados do dominó, ignoram a minha calvice cruzada com a cascata de gordura sobre o cinto e despenham-se no meu peito aberto, ali mesmo, por entre os pêlos e o cordão de ouro com a plaquinha bem visível: Amor de Mãe.
Dos meus lábios saem palavras distraídas para os colegas de mesa, mas é para ti que viro o melhor sorriso, temperado com um tranquilizante recato, banhado na languidez do olhar e apimentado com o meu infalível toque na melena.
Percorro-te à chegada, quando fazes caminho entre as mesas e o balcão, sei-te de cor depois destes meses e sonho a entrega da tua alma nas minhas mãos, incendiada com a intensidade rubra da fita que te prende o cabelo e que já conheci despenteado, molhado, arrepanhado ou preso em rabo-de-cavalo saltitante como hoje.
Tomas café como se beijasses a chávena, indiferente aos empregados que marcam com os pés a camurça das tuas botas no afã de teclarem a registadora.
Quando planas o olhar pelas mesas, sem o deteres em mim, nem me sugerir, num tão ansiado gesto de cabeça, um encontro, ali ou algures para lá da porta, aguo como um cachorro de leite.
O teu deslizar para a saída planta vazios nos olhares dos bronquíticos da sueca, que se especam, de caras paradas, na indiferença das tuas costas.
O teu porte transpira intangibilidade, mas eu não desanimo, porque ouço com nitidez a voz da minha santa mãe – “filho, quem não se regista, não petisca”- pairando acima do som estridente da tv, sussurrando-me insistentemente que a sorte protege os vorazes e, por isso, nós ainda vamos ser felizes, Vanessa.

5 comentários:

Mar Arável disse...

Bom ano
em poesia
e resistência

Anónimo disse...

Começamos bem o ano!
Que venham muitas mais efabulações como esta.

Um abraço

João Morais

Keila Costa disse...

Coisa boa Paulo ver-te assim de escrita tão inspirada, funda...Gostei muito!
Beijos

zé azevedo disse...

Não quero estar a aborrecer o teu tempo, nem nada do género, mais isto é só 1 MINUTO, ou nem isso!

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se o fizeres, ficarei grato :)

Paulo disse...

Mar Arável, Bom ano! Em poesia, clar... e muita. Resistência, a que for precisa. Abraço.

João Morais, obrigado. Contamos consigo.

Keila, bem vinda. Obrigado. Beijo.

Zé Azevedo, olhe meu caro, nós aqui é mais outras coisas, mas, de facto, o Facebook entra-nos pelas casas e pelas vidas como a formiga branca na madeira...
Que quer que lhe diga?
Seja feliz e tenha um bom ano!