25 outubro 2012



A infância é um lugar de exílio. Se não tivermos, em qualquer sítio do coração, uma infância, onde nos refugiaremos quando os ladrões vierem para nos roubar a inocência e os sonhos e quando os assassinos baterem à porta? Se não tivermos uma pequena infância que seja  (um jardim longínquo, um vago quarto de dormir perdido), onde guardaremos os segredos mais secretos e onde brincaremos ainda? E quem nos responderá quando, diante do nosso rosto no espelho, nos virmos e não nos reconhecermos, ou quando, nos dias de infelicidade, chamarmos pelo nosso nome? (...) 
As estatísticas não falam disso, mas na nossa sociedade há uma enorme e perigosa carência de infância. Nos homens, nas instituições na vida de todos os dias. E uma enorme carência de sonhos e de coisas verdadeiramente grandes, razões ou desejos. Os sonhos, que pertencem a uma frágil e excessiva espécie, foram as principais vítimas da mortandade liberal dos últimos anos, substituídos por monstros gélidos chamados "planos", "programas", "projectos",. ( Que coração - de homem ou sociedade - sobreviverá alimentando-se, não do desmesurado sangue dos sonhos, mas de "programas" e "projectos"?).
Com o fito de receber o prémio do sucesso (intrigante e inquietante palavra !) muitos de nós procuraram, viva ou morta a infância dentro de si e entregaram-na, amarrada de pés e mãos, aos carrascos. E pior: vista daqui, parece que a própria sociedade, no seu conjunto, fez o mesmo.....

Manuel A. Pina, JN 29/1/92 

Foto Diane Arbus

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