A minha mãe contava-me que, quando o meu pai saiu de casa para ir viver com uma mulher que conheceu numa feira, também os noitibós não se calaram toda a noite.
Não sei o que me espera, mas o meu homem saiu de manhã, dizendo que ia fazer o avio à vila, e já o sol se pôs, já a lua vai alta e ele não aparece. Por duas vezes os cães soaram lá fora a ladrar, enfurecidos. Até parecia que alguém andava a rondar o monte. E eu aqui sozinha, à espera que ele volte. Já pensei em tanta coisa: a ribeira vai cheia e pode ter caído à água ao passar o açude do moinho; podem tê-lo morto em alguma taberna; ou estar caído de bêbado aí numa vereda da serra.
Logo aquele homem se havia de lembrar de fazer o avio hoje, que eu estava de amassadura e não podia deixar o monte para ir com ele, como sempre faço.
Fiquei cabeceando de sono à volta do lume, pensando que ainda tinha de passajar as calças do homem, para ele levar à feira no outro dia.
Levantei-me, fui ao quarto de dormir, abri a arca e nem uma peça de roupa do meu homem lá estava.
A minha mãe dizia-me que, quando os noitibós chiam à noite, anunciam sempre alguma desgraça. E olhem que ela tinha razão.
Joaquim Mestre, Breviário das Almas, Oficina Do Livro,2009
Imagem: Karl Addison