Quando surgem cataclismos como o que ocorreu na Madeira, e que nos deixam sem palavras, chego a pensar que a Natureza se revolta em formas catastróficas de aviso. Bem sei que o retrocesso é impossível e que o futuro do homem é sempre o de um tempo a haver. Mas interrogo-me: que tempo será?
E só me vem à memória o Caeiro - natural, antimetafísico, simples como um girassol.
Ah querem uma luz melhor que a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas que vejo!
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.
Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol que o Sol,
O que quero é prados mais prados que estes prados,
O que quero é flores mais flores que estas flores –
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!
Aquela coisa que está ali estava mais ali que ali está!
Sim, choro às vezes o corpo perfeito que não existe.
Mas o corpo perfeito é o corpo mais corpo que pode haver,
E o resto são os sonhos dos homens,
A miopia de quem vê pouco,
E o desejo de estar sentado de quem não sabe estar de pé.
Todo o cristianismo é um sonho de cadeiras.
E como a alma é aquilo que não aparece,
A alma mais perfeita é aquela que não apareça nunca —
A alma que está feita com o corpo
O absoluto corpo das coisas,
A existência absolutamente real sem sombras nem erros
A coincidência exacta (e inteira) de uma coisa consigo mesma.
Poesia de Alberto Caeiro, Colecção: "Obras de Fernando Pessoa", Assírio & Alvim, 2009.