Vemos este homem e esta mulher juntos no final de uma sufocante tarde de Verão em Lisboa. Entram no Bar, primeiro ela, de vestido rasgado e um pé descalço, depois ele, com o sapato que pensa ser dela na mão.
Veste de forma irrepreensível, segue-a cambaleando, passa com dificuldade entre as mesas, parece hesitar, mas quer o perdão dela, o homem de quarenta anos, cego há cinco.
A mão que agora o impede de cair está agarrada ao balcão enquanto diz à mulher, ferida pelo seu amor, que ela cheira a Verão.
O narrador, sentado numa mesa junto à janela, observa um segundo homem que entra logo a seguir ao casal.
Veste de forma irrepreensível, segue-a cambaleando, passa com dificuldade entre as mesas, parece hesitar, mas quer o perdão dela, o homem de quarenta anos, cego há cinco.
A mão que agora o impede de cair está agarrada ao balcão enquanto diz à mulher, ferida pelo seu amor, que ela cheira a Verão.
O narrador, sentado numa mesa junto à janela, observa um segundo homem que entra logo a seguir ao casal.
Troca um olhar de surpresa com o jovem poeta que está sentado há horas a seu lado.
Estão apaixonados, confidencia-lhe o poeta, segurando uma imperial meia vazia e já quente.
Conhece-os? O jovem abana a cabeça sem o olhar, vira-se agora também para a porta.
E aquele, quem será?
O segundo homem permanece de pé junto à porta, estático, ar oriental, cabelo de corte militar com tons aloirados, magro, com um fato escuro de péssimo corte que contrasta com o fato elegante do primeiro. Segura na mão direita a bengala do cego e tem uma pasta moderna presa por uma algema dourada ao pulso esquerdo.
O Bar está cheio, mas todas as conversas estão suspensas, com a maioria dos clientes a olharem fixamente a cena.
Em pouco tempo as vozes sobem de novo de tom e, progressivamente, apaga-se o silêncio.
O narrador termina a imperial num golo demorado inclinando a cabeça para trás e convida o segundo homem a sentar-se com eles à mesa.
Pede três imperiais e fazem espaço para se sentarem confortavelmente. O empregado pousa as imperiais na mesa, deixando um longo e não disfarçado olhar de curiosidade sobre o segundo homem. Sai depois para a esplanada.
O homem fala com um estranho sotaque. Nasceu em Macau, diz. É o secretário do primeiro homem e mantém uma espessa reserva sobre os acontecimentos.
O jovem poeta insiste no vestido rasgado, no pé descalço, mas o secretário olha o vazio com o rosto sem expressão. Abraça a pasta no colo com indisfarçável cuidado.
O narrador não retribui o silêncio do homem: identifica-se como jornalista, mas oculta os três casamentos e os filhos mal conhecidos. Fala duma ida a Macau, sem outra resposta senão o silêncio.
Quando se levanta para ir à casa de banho, o oriental parece ficar mais distendido com o poeta.
Olha com curiosidade o seu ar vagamente nórdico, fato de linho branco com sapatilhas azuis e, sobretudo, o relógio colorido no pulso direito. Indaga do conteúdo do saco de plástico pousado no chão e fica tranquilo com a resposta do jovem:
Livros, são poemas da minha autoria
Sabe, tudo isto vai ser ainda uma grande tragédia diz, inclinando o corpo sobre a mesa e olhando agora o poeta nos olhos
Ia continuar, mas a súbita chegada do narrador fá-lo calar-se de novo.
Estão apaixonados, confidencia-lhe o poeta, segurando uma imperial meia vazia e já quente.
Conhece-os? O jovem abana a cabeça sem o olhar, vira-se agora também para a porta.
E aquele, quem será?
O segundo homem permanece de pé junto à porta, estático, ar oriental, cabelo de corte militar com tons aloirados, magro, com um fato escuro de péssimo corte que contrasta com o fato elegante do primeiro. Segura na mão direita a bengala do cego e tem uma pasta moderna presa por uma algema dourada ao pulso esquerdo.
O Bar está cheio, mas todas as conversas estão suspensas, com a maioria dos clientes a olharem fixamente a cena.
Em pouco tempo as vozes sobem de novo de tom e, progressivamente, apaga-se o silêncio.
O narrador termina a imperial num golo demorado inclinando a cabeça para trás e convida o segundo homem a sentar-se com eles à mesa.
Pede três imperiais e fazem espaço para se sentarem confortavelmente. O empregado pousa as imperiais na mesa, deixando um longo e não disfarçado olhar de curiosidade sobre o segundo homem. Sai depois para a esplanada.
O homem fala com um estranho sotaque. Nasceu em Macau, diz. É o secretário do primeiro homem e mantém uma espessa reserva sobre os acontecimentos.
O jovem poeta insiste no vestido rasgado, no pé descalço, mas o secretário olha o vazio com o rosto sem expressão. Abraça a pasta no colo com indisfarçável cuidado.
O narrador não retribui o silêncio do homem: identifica-se como jornalista, mas oculta os três casamentos e os filhos mal conhecidos. Fala duma ida a Macau, sem outra resposta senão o silêncio.
Quando se levanta para ir à casa de banho, o oriental parece ficar mais distendido com o poeta.
Olha com curiosidade o seu ar vagamente nórdico, fato de linho branco com sapatilhas azuis e, sobretudo, o relógio colorido no pulso direito. Indaga do conteúdo do saco de plástico pousado no chão e fica tranquilo com a resposta do jovem:
Livros, são poemas da minha autoria
Sabe, tudo isto vai ser ainda uma grande tragédia diz, inclinando o corpo sobre a mesa e olhando agora o poeta nos olhos
Ia continuar, mas a súbita chegada do narrador fá-lo calar-se de novo.
(continua)
8 comentários:
Gostei,Paulo,usas um linguagem cinematográfica, plena de mistério, temos que seguir-lhes os passos.
... aguardo a continuação c/muito interesse.
Já não me recordava da "luz negra" - que era azulada - que nos Bares mal alumia [a ilustração é muito feliz, pois retrata na perfeição o ambiente 'saudável' do convívio das sombras]e, recortando silhuetas, deixa apenas ver o branco dos olhos, a alvura dos dentes, dos colarinhos e punhos das camisas.
Esta personagem de 'ar vagamente nórdico', de fato de linho branco submetido àquela luz, terá ficado um resplandecente Cavaleiro Ardente, das lindas histórias de justiceiros medievais!
Se esta bonita narrativa não for comovente, pelo menos será ofuscante!
Desculpem a brincadeira, mas faço hoje um ano de blogueiro e..., ainda 'um puto', permiti-me a uma piada sem graça nenhuma (...) muito embora, deva haver quem concorde que vestir de branco num ambiente daqueles, é personificar o lendário Cavaleiro Branco.
Cumpts. a todos!
César Ramos
Estou curioso , promete!
Quero reler tudO!
____ JRMARTO
Gostei particularmente da inusitada acumulação de funções do
narrador-personagem - um narrador sem nome, que também participa na narrativa mas que se distingue apenas pela tarefa de ser narrador (pelo menos até aqui...).
Aproveito para felicitar o César Ramos pelo diálogo interessantíssimo estabelecido com a história.
Clara, vamos seguir-lhes os passos, sim...
César Ramos, já o felicitei no seu blogue, felicito-o aqui agora pela riqueza de sugestões que trouxe à narrativa. Vão ser muito úteis, obrigado.
José Marto, estamos lançados, leitores e narradores, abraço.
Austeriana, é um ensaio, uma brincadeira...vamos ver se resulta. Obrigado
Cá estarei
Mar Arável,é um prazer. Obrigado.Abraço
Paulo,
Obrigado pela visita ao Alfobre, e estimuladoras palavras para prosseguir na caminhada, no propósito de semear mais aniversários!
On verra...!
Se a minha "cebola" estiver afinada com o calendário das festas, fico de "estátua viva" e de taça em riste..., esperando uma 'saúde' a 9 de Fevereiro!
Todos os dias teremos sempre algo a celebrar, nem que seja o facto de ainda estarmos vivos!
Todavia, se bem apreendi, hoje - NOVE de Fevereiro - é um dia especial, não é...?
Aguardo a madrugada e o trinar do V/ post, murmurando o borbulhar da água... e o da marca...
Clarice Lispector! Foi este nome que me fixou a vós, logo na primeira hora!
A identificação com a estrada já percorrida pelo v/trabalho no blog, veio com a paisagem dos vossos temas, da vossa sensibilidade, objectividade, do vosso carinho pela Verdade!
Sou um companheiro de route... que, não indo à frente, nem atrás, prefere ir ao lado,... como amigo(...)
PARABÉNS
[não terei errado porque, "Marcas d'água" estão de parabéns todos os dias]
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