29 abril 2010

A dupla maravilha no país da treta


Esta semana, quem tivesse tempo e disposição teria assistido a mais um original contributo da lusa Pátria  para a resolução da grave situação financeira decorrente do criminoso ataque dos especuladores internacionais.
Os maiores responsáveis internos pela crise, acolitados por uma comunicação social sempre veneranda e disponível, encenam uma espécie de concílio a dois de onde afirmam poder sair a salvação milagrosa e a tranquilidade "dos mercados".
No fim de tão magno ajuntamento, tudo simples afinal: a dupla, em nome do "interesse nacional" (o que quer que isso seja) está unida e tira a solução da cartola.
Partilha de sacrifícios? Ataque ao desperdício? Mobilização para a produção de bens que façam entrar divisas?... Eh pá, não! As duas cabeças propõem, com o ar sério dos grandes momentos e o tom circunspecto que têm aprendido com o tempo, a solução milagrosa: atacar os que mais têm sofrido com a crise - os desempregados (tenham paciência, estão a gastar em excesso). O País jornalístico, dito mediático, suspirou aliviado.
Agora, quem ainda tiver estômago para ouvir os vários Foruns, Antena Aberta e  quejandos que, na rádio, dão microfone a toda a espécie de gente que se ocupa a bolsar ódio e alarvidades, verá, objectivamente, o caldo em que se movem aqueles dois, qual a sua base de apoio, para quem falam e governam. E sentirá o nojo em que nos estamos a tornar como País.
De resto, um sítio cada vez menos recomendável. 

Foto Julia Fullerton -  Batten

27 abril 2010

Dispositivo de conhecimento bio-óptico organizado


Não resistimos a roubá-lo ao Bicho-carpinteiro. Está excelente.
Numa altura em que as indústrias criativas (e o mar, é verdade... o mar) são "a saída para a crise".... propomos até que se faça um dia de divulgação, pelos blogues, deste produto extraordinário. O Magalhães "já era".
Desafiamos, pois, bloguistas, seguidores, viajantes, leitores..., a editar este vídeo num post, na mesma data, por esses écrans fora.

O Marcas propõe o dia 3 de Maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, implementado pela UNESCO. 
Através do seu programa "Memória do Mundo", a UNESCO tem promovido a  identificação e preservação de documentos e arquivos de grande valor histórico, assegurando a sua ampla disseminação. Entre eles contam-se, por exemplo, o original da 9ª sinfonia de Beethoven, a Bíblia de Gutenberg ou a Carta de Pêro Vaz de Caminha (o primeiro bem português inscrito no programa). Por isso a sugestão desta data.

Quem vai aceitar o desafio? Passem a palavra.

26 abril 2010

Uma valsa para dançar

Américo, eu te amo, Américo. Você tem uma loja de tecidos, uma mulher que você vive querendo não enganar, um filho tão bonitinho, Américo, as mãos macias de medir tecido, de apalpar o meu pescoço com intenções de quem vai assassinar. Você é um colosso, Américo, tem tudo para me agradar. Sua inteligência sem escolas é tão ignorante que eu me arrepio dos seus mundos novos.Dentes afiados, uma saúde enxuta você tem, não vai me pedir um chá. Quando eu te peço um metro de voal, você retruca pra espichar conversa: "Leva também um metro de amorim". Você fala amorim, de sabido ou de bobo, Américo? Antigamente se um homem falasse errado, descartava na hora. Hoje, não. Quero vinho de todos os barris. Você é pai extremoso, exemplar marido caseiro. Tens um livro não tens? Uma colecção de marcas de cigarro e o retrato de sua mãe. Você fecha a loja aos domingos e feriados, incrível Américo, você não quer ficar rico, como te resistir? Sua mulher me pede açúcar emprestado, eu peço a ela é licença pra ver o álbum de retratos: você segurando seu filho, você pondo comida pra passarinho, brincando com o cachorro. Se você ficar quieto e parar de me espreitar desse modo invisível, eu pinto você, seus olhos bonitos de homem mais que os de uma mulher, bonitos. Você é meu amor delicado, por você faço doce de leite, corto em pequenos losangos, ponho minha blusa bordada e fico no banco da praça te esperando no seu caminho, quando "cai a tarde tristonha e serena, em macio e suave langor", pra te entregar o coração.
Você passa e eu digo: boa tarde, Américo.

Adélia Prado, in solte os cachorros, Livros Cotovia
Quadro: Fernando Botero

24 abril 2010

Bom dia

O Supremo Tribunal de Madrid expulsou o partido de extrema-direita (Falange) do processo contra Baltasar Garzón, impedindo-o de voltar a acusar o juiz da Audiência Nacional.
... AQUI

23 abril 2010

Puro, claro e natural

A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos.

Mia Couto
Foto: R. Misrach

22 abril 2010

Os videirinhos e o reino do faz-de-conta

Houve um tempo em que se militava neste ou naquele Partido porque se queria lutar por isto ou aquilo. Geralmente motivações importantes, tipo mudar o mundo e assim. Chegava-se por convite de quem estava, às vezes por iniciativa própria e, depois de um rigoroso escrutínio dos quadros, tarimbava-se...
 Formado num outro tempo onde, noutros lados, até se recomendava internamente que só fossem aceites os melhores filhos e filhas do povo, os de comportamento, digamos, exemplar, acertado e imaculado, no emprego, na rua,  na escola, no bairro e na família. Era assim, nos finais do século XX, antes da modernidade por assim dizer.
Intriga-me e ainda não tenho cabal esclarecimento sobre  o que leva alguém  a ser hoje convidado para aderir a um Partido. Que critérios, que exigência, que competência, que desafios ...
O País interroga-se tanto sobre  a qualidade (intelectual e política) dos deputados, que é interessante ter como elemento informativo  que, ao mais alto nível de decisão, o critério de escolha dos representantes que agora impera é o grau de conhecimento que, quinhentos cidaddãos, deles possam ter.
Delirante.
Ver AQUI e, sobretudo, AQUI

21 abril 2010

Legalidade, vidinhas e Ética. Decididamente, o meu mundo não é deste reino.

O presidente da Assembleia da República (AR), Jaime Gama, enviou um ofício para o Conselho de Administração (CA) em que acolhe os argumentos do parecer realizado pelo auditor jurídico do Parlamento - um documento que defende o pagamento de uma viagem semanal à deputada Inês de Medeiros, para esta se deslocar à sua residência em Paris.
O parecer aponta dois argumentos na defesa da tese de que a deputada – eleita pelas listas do PS em Lisboa, mas residente na capital francesa - tem direito ao pagamento da viagem a casa, todas as semanas. Por um lado, o princípio da igualdade entre todos os deputados. Por outro, o princípio constitucional de que os parlamentares devem dispor dos meios para cumprir as suas funções.
Nesse sentido, o documento sustenta que Inês de Medeiros tem direito a uma viagem semanal de avião para Paris; às ajudas de custo correspondentes aos 25 quilómetros da deslocação entre o aeroporto e a sua residência; e a ajudas de custo equiparadas a um deputado não residente em Lisboa. Um parlamentar eleito por Lisboa e que viva na capital ou nos concelhos limítrofes recebe 23 euros por cada dia de presença nos trabalhos parlamentares. Os restantes recebem 69 euros por dia.
O relatório sublinha, no entanto, que sendo a situação de Inês Medeiros omissa (eleita por um círculo nacional, mas residente no estrangeiro) no regimento da Assembleia, o parecer vale apenas para este caso. O mesmo é dizer que a partir desta decisão não fica criada uma regra no Parlamento – se o mesmo cenário se voltar a colocar, terá de ser novamente analisado.
O parecer foi enviado a Jaime Gama, que o reenviou ao Conselho de Administração, acompanhado de um ofício sobre os ‘princípios orientadores’ para esta decisão, em que acolhe a argumentação expressa pelo auditor jurídico. O presidente do Parlamento pede ainda ao CA que tome uma posição (que não será vinculativa), após o que Gama emitirá um despacho final, fechando assim uma controvérsia que se arrasta desde o início da legislatura.
(AQUI)

...e, já agora, porque raio têm alguns cidadãos de receber dinheiro (extra, além do vencimento) para estarem presentes no local onde se comprometeram estar? 

19 abril 2010

A expressão das emoções


Em 1872, um ano depois de Proust nascer, Claude Monet exibiu uma tela intitulada Impressão: Nascer do Sol. O quadro representava o porto de Le Havre ao amanhecer, deixando entrever, através de um denso nevoeiro matinal e uma amálgama de pinceladas invulgarmente espessas, o contorno de uma orla marítima industrial, com um conjunto de guindastes, chaminés fumarentas, edifícios. A tela pareceu uma confusão desconcertante para a maioria das pessoas que a observaram e irritou particularmente os críticos da época que apelidaram pejorativamente o seu criador e o grupo disperso a que pertencia de “impressionistas”, referindo que o domínio que Monet tinha da vertente técnica da pintura era tão limitado que só conseguia produzir uma representação infantil, com muito poucas semelhanças com as verdadeiras manhãs de Le Havre.
O contraste com o julgamento feito, alguns anos depois, pela elite do mundo da arte, não podia ter sido maior. Afinal de contas, parecia que os Impressionistas não só sabiam usar o pincel, como a técnica que usavam era extraordinária para captar uma dimensão da realidade visual ignorada por contemporâneos menos talentosos.
O que poderia explicar uma reavaliação tão díspar? (…).
A resposta proustiana começa com a ideia de que todos temos o hábito de atribuir ao que sentimos uma forma de expressão que difere tanto da realidade e que, ainda assim, após algum tempo, acabamos por tomar como sendo a própria realidade.(...)
Se Monet é um herói neste contexto, é porque se libertou das representações tradicionais e, em certos aspectos, tradicionais do Le Havre, para se concentrar mais de perto nas suas próprias e incorruptas impressões da cena.
Numa homenagem aos pintores Impressionistas, Proust incluiu um deles no seu romance, o fictício Elstir, que partilha características com Renoir, Degas e Monet.(...) Nas paisagens de Elstir não existe demarcação entre o mar e o céu, o céu parece-se com o mar, o mar parece-se com o céu.(...)
Tal como Proust disse: a nossa vaidade, as nossas paixões, o nosso espírito de imitação, a nossa inteligência abstracta, os nossos hábitos estão em actividade há muito tempo e a tarefa da arte é desfazer essa actividade, fazendo-nos recuar na direcção de onde viemos para as profundezas onde o que existiu verdadeiramente permanece desconhecido dentro de nós.
E o que permanece desconhecido dentro de nós inclui coisas tão surpreendentes como navios que atravessam cidades, mares que não se distinguem momentaneamente dos céus e sentimentos intensos desencadeados pelo contacto de uma pele macia.

Alain De Botton, Como Proust pode mudar a sua vida, D.Quixote, 2009

17 abril 2010

Momentos mágicos


Ontem, 19h, no Grande Auditório da Gulbenkian: A Tentação do Jazz, em Concertos comentados
Orquestra Gulbenkian com o Maestro Cesário Costa; Piano: Mário Laginha,
Comentador: Alexandre Delgado
Participaram também: Jorge Reis (Sax Alto), João Moreira (Trompete), Pedro Moreira (Sax Tenor), Bernardo Moreira (Contrabaixo) e Alexandre Frazão (Bateria)


Num fantástico ambiente, com uma plateia cheia de crianças atentas, curiosas e interessadas, ouviu-se G. Schuller (A Journey to Jazz); Geoge Gershwin (Rhapsody in Blue) e Duke Ellington (Ellington Portrait).
Uma fusão perfeita da música e dos músicos, do jazz e da música sinfónica, num fim de tarde mágico.
Repete hoje!...

Era uma vez, num país a preto e branco...

15 abril 2010

O tempo só faz falta no fim


"...o sargento olhou para o relógio: eram oito e quarenta e quatro minutos. Tinha de esperar que dessem as nove. Hladik, mais insignificante que infeliz, sentou-se num montão de lenha. Reparou que os olhos dos soldados fugiam dos seus. Para aliviar a espera, o sargento entregou-lhe um cigarro. Hladik não fumava; aceitou-o por cortesia ou por humildade. Ao acendê-lo, viu que lhe tremiam as mãos. O dia enevoou-se; os soldados falavam em voz baixa como se ele já estivesse morto.(...)
O piquete formou e perfilou-se. Hladik, de pé contra a parede do quartel, esperou a descarga. Alguém receou que a parede ficasse manchada de sangue; então ordenaram ao réu que avançasse alguns passos. Hladik, absurdamente, lembrou-se das vacilações preliminares dos fotógrafos. Uma pesada gota de chuva tocou uma das faces de Hladik e rolou lentamente pela sua bochecha; o sargento vociferou a ordem final.
O universo físico parou.
As armas convergiam sobre Hladik, mas os homens que iam matá-lo estavam imóveis.O braço do sargento eternizava um gesto inacabado. Numa ardósia do pátio uma abelha projectava uma sombra fixa. O vento havia cessado, como num quadro. Hladik tentou um grito, uma sílaba, o torcer de uma mão. Compreendeu que estava paralisado. Não lhe chegava nem o mais ténue rumor do tolhido mundo. Pensou estou no inferno, estou morto. Pensou estou louco. Pensou o tempo parou. A seguir reflectiu que nesse caso também se lhe teria parado o pensamento. Quis pô-lo à prova: repetiu (sem mover os lábios) a misteriosa quarta écloga de Virgílio. Imaginou que os já longínquos soldados compartilhavam a sua angústia: ansiou por comunicar com eles (...). Dormiu, ao cabo de um prazo indeterminado. Ao acordar, o mundo continuava imóvel e surdo. Na sua bochecha perdurava a gota de água; no pátio a sombra da abelha; O fumo do cigarro que expelira nunca mais acabava de se dispersar. Outro "dia" passou, antes que Hladik compreendesse.
Um ano inteiro havia solicitado de Deus para terminar o seu trabalho: um ano lhe outorgava a sua omnipotência. Deus operava para ele um milagre secreto: matá-lo-ia o chumbo alemão, na hora determinada, porém na sua mente um ano decorria entre a ordem e a execução da ordem.
Não dispunha de outro documento além da memória (...) Minucioso, imóvel, secreto, urdiu no tempo o seu elevado labirinto invisível. Refez o terceiro acto duas vezes. Apagou um ou outro símbolo demasiado evidente: as repetidas badaladas, a música. Omitiu, abreviou, ampliou; nalguns casos, optou pela versão primitiva. Chegou a gostar do pátio, do quartel (...) deu fim ao seu drama: já só lhe faltava resolver um único epíteto. Achou-o; a gota de água resvalou-lhe pela bochecha. Iniciou um grito enlouquecido, mexeu a cara, a quádrupla descarga abateu-o.
Jaromir Hladik morreu a vinte e nove de março, às nove horas e dois minutos da manhã."

1943
Jorge Luis Borges, Ficções
Foto C.

13 abril 2010

A vida pode ser bela


Uma casa simpática, uma ideia genial.
Como se pode viver a sorrir com um pouco de imaginação:

"Trata-se do Inntel Hotels Amsterdam-Zaandam, um hotel em forma de aglomerado de casas tradicionais que, segundo o jornal britânico The Guardian, tem 12 andares e 160 quartos.
Na última década, formas neo-tradicionais surgiram nas cidades holandesas, e este é mais um exemplo.

Van Winden, o arquitecto responsável pela obra que custou 15 milhões de euros, referiu ao diário britânico que não tinha qualquer intenção de chocar quando criou o hotel.
O responsável disse ainda que é um edifício sem rodeios e que está em sintonia com a região. Ainda que reconheça que uma construção desta dimensão não possa ser totalmente tradicional, esclarece que é uma obra racional e com um interior planeado.
As suites podem ser comparadas a verdadeiras casas.
Van Winden disse ainda que o melhor elogio que os amigos lhe fizeram foi dizerem-lhe «que os edifícios os fazem sorrir».

«Isso devia ser suficiente para qualquer arquitecto», acrescentou o autor.

SOL"

11 abril 2010

A música, a escrita e o prazer de ler


"... No entretanto já se desencadeou o apocalipse, porque Louis não faz mais do que levantar a sua espada de ouro, e a primeira frase de When it's sleepy time down South cai sobre as gentes como uma carícia de leopardo. A música sai do trompete de Louis como os filmes falados das bocas dos santos primitivos, desenha-se no ar a sua quente escrita amarela, e atrás desse primeiro sinal solta-se Muskat Ramble enquanto nós nos agarramos nos nossos lugares a tudo aquilo que temos à mão, e também àquilo que é dos vizinhos, de forma que a sala parece uma vasta sociedade de polvos enlouquecidos, e ao centro está Louis com os olhos em branco atrás do seu trompete, com o seu lenço a flutuar numa despedida contínua de algo que não se sabe bem o que é, como se Louis precisasse de dizer um adeus perpétuo a essa música que cria e se desfaz no mesmo instante, como se soubesse o preço terrível dessa maravilhosa liberdade que é a sua."

Julio Cortázar, A Volta ao Dia em 80 Mundos

A fantástica narrativa de J.Cortázar em torno de um concerto de Louis Armstrong nos anos 60 do século XX, conduz-nos num voo pleno de referências literárias, mergulhando os sentidos na música (que na leitura não se ouve mas se sente), nos movimentos que se adivinham e na emoção que nos invade. Um texto que é uma homenagem à música, à sensibilidade e à cultura universal.

"No meio de tudo isto Louis escondeu o copo, tem um lenço fresco na mão, e então vem-lhe a vontade de cantar e canta, mas quando Louis canta a ordem estabelecida das coisas detém-se não por qualquer razão explicável, mas porque tem de deter-se quando Louis canta, e naquela boca de onde antes saíram bandeirolas de ouro cresce agora um mugido de cervo apaixonado, um bramido de antílope para as estrelas, um murmúrio de abelhão durante a sesta das plantações. Perdido na imensa abóbada do seu canto eu fecho os olhos, e com a voz deste Louis de hoje chegam-me todas as suas outras vozes a partir de outro tempo, a sua voz a partir de velhos discos perdidos para sempre, a sua voz a cantar Confessin', a cantar Dusky Stevedore.(...) E abro os olhos e ele ali está num palco de Paris, e abro os olhos e ele ali está, depois de vinte e dois anos de amor sul-americano ele ali está, depois de vinte e dois anos está ali a cantar, rindo-se com toda a sua cara de criança incorrigível, Louis cronópio, Louis enormíssimo cronópio, Louis alegria dos homens que te merecem".

Julio Cortázar, A Volta ao Dia em 80 Mundos

10 abril 2010

O Duplo


Sugerido ou estimulado pelos espelhos, as águas e os irmãos gémeos, o conceito do Duplo é comum a muitas nações. É verosímil supor que sentenças como "um amigo é um outro eu" de Pitágoras ou o "Conhece-te a ti mesmo" platónico se inspiraram nele. Na Alemanha chamam-lhe o Doppelgunger, na Escócia o Fetch, porque vem buscar os homens (fetch) para os levar à morte. Encontrar-se consigo mesmo é, portanto, ignominioso (...). Para os judeus, em contrapartida, o aparecimento do Duplo não era presságio de uma morte próxima. Era a certeza de ter encontrado o estado profético...

Jorge Luis Borges, O Livro dos Seres Imaginários

07 abril 2010

E-s-c-o-l-a... será o quê?


O bom humor é uma forma excelente para falar de coisas sérias.
Mesmo que, por vezes, o ritmo e o jargão dificultem a compreensão do discurso, e tudo pareça muito longínquo e diferente, a paródia serve-nos amargamente, na perfeição, uma ideia de escola. Em mudança vertiginosa.

04 abril 2010

Human(a)idade


Lisa Kokin - Remembrance

--*

Falaram-me os homens em humanidade,
Mas eu nunca vi homens nem vi humanidade.
Vi vários homens assombrosamente diferentes entre si.
Cada um separado do outro por um espaço sem homens.

Alberto Caeiro, Fragmentos
* Philip Glass - Truman Sleeps

01 abril 2010

Fazes-nos mesmo falta, Mário!


Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera!
e zás, comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar o que acontece.

in Novos Contos do Gin, de Mário-Henrique Leiria

Fazes-nos falta, Mário!

Mário Viegas 10 / 11 / 1948  -  1 / 04 / 1996

Mário Viegas faleceu há 14 anos. Faz-nos falta a sua sensibilidade e o amor pela poesia, o humor cáustico e o riso implacável perante a  hipocrisia e o novoriquismo com que nos querem dominar o espírito. Faz-nos muita falta.

Isto não pára...



Vale-nos a atenção de Suas Excelências (AQUI)