Américo, eu te amo, Américo. Você tem uma loja de tecidos, uma mulher que você vive querendo não enganar, um filho tão bonitinho, Américo, as mãos macias de medir tecido, de apalpar o meu pescoço com intenções de quem vai assassinar. Você é um colosso, Américo, tem tudo para me agradar. Sua inteligência sem escolas é tão ignorante que eu me arrepio dos seus mundos novos.Dentes afiados, uma saúde enxuta você tem, não vai me pedir um chá. Quando eu te peço um metro de voal, você retruca pra espichar conversa: "Leva também um metro de amorim". Você fala amorim, de sabido ou de bobo, Américo? Antigamente se um homem falasse errado, descartava na hora. Hoje, não. Quero vinho de todos os barris. Você é pai extremoso, exemplar marido caseiro. Tens um livro não tens? Uma colecção de marcas de cigarro e o retrato de sua mãe. Você fecha a loja aos domingos e feriados, incrível Américo, você não quer ficar rico, como te resistir? Sua mulher me pede açúcar emprestado, eu peço a ela é licença pra ver o álbum de retratos: você segurando seu filho, você pondo comida pra passarinho, brincando com o cachorro. Se você ficar quieto e parar de me espreitar desse modo invisível, eu pinto você, seus olhos bonitos de homem mais que os de uma mulher, bonitos. Você é meu amor delicado, por você faço doce de leite, corto em pequenos losangos, ponho minha blusa bordada e fico no banco da praça te esperando no seu caminho, quando "cai a tarde tristonha e serena, em macio e suave langor", pra te entregar o coração.
Você passa e eu digo: boa tarde, Américo.
4 comentários:
O final é tão inesperado quanto desconcertante! Adoro a escrita da A.P., cheia de humor, sensualidade e fina observação (sobretudo interior).
Este conto é girissimo:-))
Simples e elegante prosa poética de Adélia...Obrigada! Abraço laço!
C., subscrevo inteiramente, a escrita de Adélia Prado associa o humor, a observação e o fantástico.É fantástica :):)
Keila, obrigado eu e parabéns por ter (também) Adélia no seu mundo.
li.
voltei para ler outra vez.
voltei, novamente, paara levar.
obrigada Paulo. muito.
só me falta o livro, agora.
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