06 julho 2010

A força do amor


O meu pai não se apercebeu de que quase não me tinha abraçado até perder o braço direito num acidente de trabalho que o fez estar quarenta dias hospitalizado. Sempre que ia visitá-lo, eu olhava para o braço que ele não tinha como se fosse mais visível do que o esquerdo. Mas a ausência, claro, carecia de volume. Era um braço de ar. Aquele empenho em observar o inexistente não me permitiu chegar a nenhuma conclusão, mas sim a uma enorme estranheza que de noite, na cama, tentava inutilmente digerir. Queria perguntar a minha mãe o que haviam feito com o braço amputado do papá, mas uma espécie de instinto dizia-me que se tratava de uma pergunta indecorosa.
Quando o meu pai voltou para casa, o vazio do seu braço ficou coberto pela manga das camisas ou dos casacos, que às vezes se mexia como se tivesse vida própria. Eu não podia deixar de olhar para ela porque me atraía fatalmente, tal como as cortinas que ondulam com a passagem do ar sugerindo a existência de alguém escondido atrás delas. A minha mãe disse-me num aparte que devia controlar aquela forma de olhar porque fazia o meu pai sofrer. O meu pai era dextro, pelo que teve de aprender novamente a fazer tudo com o braço esquerdo. Assisti, perturbado, ao seu processo de aprendizagem. Levar uma colher de sopa à boca obrigava-o a um esforço humilhante e brutal. Durante esta época, decidi ser ambidextro e passava os dias a treinar com o braço esquerdo para não padecer o sofrimento do meu pai no caso de sofrer uma desgraça como a dele.
O que era mais difícil para o meu pai era a recordação de que pouco me havia abraçado enquanto pudera fazê-lo. Não sei em que momento nem por que razãose apercebeu de que tinha esta dívida para comigo, mas transformou-se numa obsessão. Quando estávamos sozinhos, pedia-me que me aproximasse dele, rodeava-me o corpo com o braço esquerdo e colocava a manga direita do casaco de modo a parecer que tinha um braço dentro.
- Arrependo-me tanto de não te ter abraçado... - dizia-me ao ouvido enquanto eu tentava libertar-me dele.
Mas não podia, não me era possível libertar-me porque me segurava com força, com força, e não com o braço esquerdo, como seria de supor, mas com aquele que lhe faltava, o direito. Por esse braço inexistente me sentia eu agarrado. Ainda continuo a estar.

Juan José Millás
Foto Willy Ronis

2 comentários:

Keila Costa disse...

Belo! Como devemos abraçar sem reservas...e às vezes quanto nos custa...viver em abraço...coisa melhor não há...
Abraços

Petra Maré disse...

´belo. muito belo.
parabéns pela escolha.