23 julho 2010

Um blues no Bósforo


Vale a pena dizer-vos como tudo começou, já que aquele foi  o momento oportuno para aparecer a carteira de fósforos com dois solitários cabeças vermelhas.
Tratou-se de um inesperado apagão na minha chegada ao restaurante onde aguardaria a chegada do meu contacto na Turquia.. Os fósforos surgiram em segundos, como por magia, na mão do empregado de mesa, turco, salvo erro.
Era uma carteira de fósforos dourada, com aspecto de muito usada, nas pontas estava mesmo queimada e tinha escrito - em relevo - Turkish Airlines.
Surpreendi-me, naturalmente, já que há muitos anos que as companhias aéreas não usam carteiras de fósforos como objectos promocionais. Mas o aparecimento destes fósforos foi providencial. Aceso um candeeiro a óleo pelo própro empregado, reparei que sobre a mesa havia, aparentemente esquecido, um guardanapo de papel com a palavra Fiala escrita e um longo número de telefone com onze algarismos. Ainda tentava perceber a associação dos dois registos, quando o papel foi retirado do meu olhar por um gesto do empregado que teve tanto de rápido como de brusco. No entanto, consegui ler num terceiro registo, letuska, escrito a marcador grosso e a azul. Não tive dificuldade em perceber que esta é a palavra que, em lingua checa, quer dizer "hospedeira de bordo".
Os meus conhecimentos linguísticos não são excepcionais, mas o facto de ter chegado de avião a Instambul nessa manhã, vindo de Praga, fazia toda a diferença.
As duas informações estava relacionadas com aviões comerciais e isso para mim, que adoro enigmas, era um desafio.
Não me espantei quando relembrei o número de onze algarismos - identifiquei de imediato o indicativo da cidade checa de Krnova, na fronteira com a Polónia.
Sempre que viajo, trago comigo uma velha carteira de pele. Apesar de ser de uma marca conhecida, não corre o risco de suscitar cobiça dado o seu aspecto antigo, visível no desgaste que apresenta. Abri-a com cuidado, enquanto esperava a chegada do meu contacto, e contei as liras turcas que trazia comigo: duas mil e quinhentas, cerca de dois mil dólares. Foi então que vislimbrei o empregado a contar comigo o dinheiro, olhando sem disfarce, do outro lado da mesa.
- Traz muito dinheiro consigo, disse. É porque precisa, ou é só por ser perigoso? - acrescentou.
Olhei-o com espanto e um mal disfarçado temor... Estas eram as exactas palavras que o músico cego me tinha dito no hotel Pepa, em Krnov, há duas noites, antes da minha fuga....

4 comentários:

RC disse...

Uma ausência notada..., no entanto, o blog ficou bem entregue!:)
Espero que essas viagens tenham corrido pelo melhor.

A disse...

Texto curioso e (o remate final)a coincidência frásica terá sido mero acaso?!?

Joaquim Moedas Duarte disse...

Pelo contrário, eu não gosto de enigmas. Quando muito, umas palavras cruzadas...

Mas este texto deixou-me água na boca - embora eu preferisse vinho...
Está aqui uma bela primeira página de romance!

Paulo disse...

relogio, as viagens são, sobretudo, interiores :):)

Austeriana, obrigado. Veremos se há acaso ou não na coincidência...

Méon, será, pelos menos, uma primeira página de uma estória que se pretende interessante.