23 agosto 2012

Excerto 2


"Guten Tag", digo a Herr Schroeder quando o encontro. "Tag", acena ele com a cabeça e sorri vagamente. Herr Schroeder é o nosso carteiro. Embora não fale com ele com muita frequência, é a única pessoa que vejo todos os dias
Herr Schroeder colecciona selos. "Guarde-me todos os que forem interessantes, sobretudo aqueles novos, croatas" diz ele. "Basta que mos deixe em cima da sua caixa do correio".
E eu deixo, quase amorosamente.
Herr Schroeder vem todos os dias exactamente às 10h,30. Da minha varanda do primeiro andar, monitorizo a sua pontualidade. Se sinto que há alguma hipótese de me ver - basta-lhe olhar para cima - delizo par trás da cortina. E sinto uma vaga excitação ao fazê-lo.
Assim que ele se vai embora, corro até ao rés-do-chão, para ver se há algum correio. Do cimo das escadas vejo logo, com inexplicável satisfação, que ele levou os selos que lhe deixei na véspera.
Aquela sequência - o movimento da minha mão segurando a cortina fina enquanto deslizo para trás dela para me esconder, baixando a cabeça, e um pouco mais tarde a nuca cinzenta de Herr Schroeder enquanto avança pelo caminho para a direita ( sempre para a direita!) - aquela sequência vem-me muitas vezes à cabeça, como se estivesse a vingar. É a medida integral da minha solidão berlinense.

Dubravka  Ugresic, O Museu da Rendição Incondicional, Ed. Cavalo de Ferro, 2011

Foto: Nathalie Mohadjer, Weimar Paradies


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