...Palavras chave como boa-governação, "accountability", parcerias, desenvolvimento sustentável, capacitação instuticional,auditoria e monitoramento, equidade, todas estas palavras da moda acrescentam uma grande mais-valia (eis outra palavra da moda) às chamadas comunicações (deve-se, de preferência, dizer "papers"). Mas devem evitar-se traduções feitas à letra se não acontece-nos como ao palestrante - já ouvi chamarem de painelista, o que, além de pouco simpática, é uma palavra perigosa-; pois esse palestrante, para evitar dizer que ia fazer uma apresentação em "power - point", acabou dizendo que ia fazer uma apresentação em "ponta-poderosa". O que pode sugerir maliciosas interpretações.
O problema do desenvolvimentês é que só convida a pensar o que já está pensado por outros. Somos consumidores e não produtores de pensamento. Mas não foi apenas uma língua que inventámos: criou-se um exército de especialistas, alguns com nomes curiosos, e tenho-os visto em reuniões diversas: já vi especialistas em resolução de conflitos, facilitadores de conferências, workshopistas, "experts" em advocacia, engenheiros políticos.
Estamos empenhando o nosso melhor manancial humano em algo cuja utilidade deve ser interrogada.
A grande tentação hoje é reduzirmos os assuntos à sua dimensão linguística. Falamos, e tendo falado, pensamos ter agido. (...)
Tornou-se comum a ideia de que o desenvolvimento é o resultado acumulado de conferências, "workshops" e projectos. Eu não conheço país nenhum que se tivesse desenvolvido à custa de projectos.
Vocês, melhor que ninguém, sabem disto. Mas quem lê os jornais verifica como está enraizada esta crença. Isto apenas ilustra a atitude apelativa que prevalece entre nós de que os outros ( na nossa linguagem moderna os "stake-holders") é que têm a obrigação histórica de nos retirar da miséria.
Pintura Mr Christopher
Há uma evidente proximidade entre a realidade (liguística) de Moçambique, relatada neste texto de Mia Couto e a nossa.
País pequenino, periférico e engravatado, pensamos também que é com este liguajar de banqueiro e tecnocrata aprumado que ganhamos horizontes. Não é, até porque tudo isto é sintoma e sinal duma enorme incapacidade de um pensar original, de um reflectir profundo sobre problemas que, sem qualquer dúvida, teremos de ser nós a solucionar.
3 comentários:
... será que Fernando Pessoa diria hoje que a Língua Portuguesa é a nossa Pátria?
Assim... como se vê: cheia de nódoas negras?
penso que não!
um abraço em português
César
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Notável denúncia,
o "já pensado" por outrém
travestido de agir voluntarioso.
lol
Realmente...!
Excelente texto de Mia Couto!
Muito obrigada, Paulo :)
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