28 agosto 2010

O Poema de Amor de Esteban Rojas

Esteban Rojas é um dos 33 homens que vivem hoje uma das mais dramáticas experiências a que um ser humano pode ser submetido. Encerrado com os seus companheiros, numa pequena galeria a 700 metros da superfície, prepara-se para a mais difícil prova: sobreviver as semanas necessárias (meses ?) até poder voltar a ver o céu e as estrelas.
Do fundo da Terra e da esperança escreve à companheira:...Y cuando salga compramos el vestido, y nos casamos...
Ficamos esmagados só de imaginar o que poderão ser os minutos que estes homens estão a viver.
Tem de nos emocionar a força indestrutível e a infinita capacidade de sobrevivência de alguém que, ali, coloca o amor no centro dos seus sonhos e do seu futuro.

Para Esteban e Jesica, as palavras de Neruda:

...Às vezes amanheço, e até a alma está húmida.
Soa, ressoa o mar ao longe.
Este é um porto.
Aqui te amo.

(Pablo Neruda, Vinte Poemas de Amor...)

26 agosto 2010

Como um postal



Trazê-la aos amigos, como um beijo

(bem sei que de pouco nos serve,
a descarada,
face de cobre martelado,
carta do tempo,
grisalha,

mas que queres, ontem
eu tinha os pés descalços
era o teu aniversário
e foi o mais longe que consegui
ir
na noite escura...)

Foto: C.

24 agosto 2010

"...with [without] a little help from my friends"


O Prémio Nobel da Economia Joseph Stiglitz considera que a economia europeia se arrisca a entrar de novo em recessão devido aos cortes na despesa que os governos estão a realizar para reduzir os seus défices orçamentais.
Cortar, com ou sem vontade, nos investimentos de alta rendibilidade apenas para fazer com que os números do défice pareçam melhores é realmente um disparate, afirmou o norte-americano Joseph Stiglitz, professor na Universidade de Columbia, numa entrevista à rádio irlandesa RTE, citada pela agência Bloomberg.
Porque tantos na Europa estão concentrados no número artificial de três por cento [de défice], que não tem qualquer realismo e só olha para um lado da balança, a Europa está em risco de entrar em nova recessão, acrescentou o Nobel da Economia.
Stiglitz, que falava àquela rádio irlandesa, considerou que, por si só, a Irlanda era demasiado pequena para determinar o que acontece à Europa no seu todo, alertando no entanto que se a Alemanha, o Reino Unido e outros dos maiores países seguirem esta abordagem de austeridade excessiva, a Irlanda irá sofrer, à semelhança do que acontecerá nesse caso aos países mais pequenos e dependentes das maiores economias.

21 agosto 2010

O'Neill

Ao lado do homem vou crescendo
Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente
Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas
Ao lado do homem vou crescendo
E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida

Alexandre O'Neill (1924-1986)

Alexandre O'Neill nasceu em 1924 e faleceu a 21 de Agosto de 1986. De si próprio disse:

"O'Neill (Alexandre), moreno português, / cabelo asa de corvo; da angústia da cara, / nariguete que sobrepunha de través/ a ferida desdenhosa e não cicatrizada. / Se a visagem de tal sujeito é o que vês / ( omita-se o olho triste e a testa iluminada ) / o retrato moral também tem os seus quês / ( aqui, uma pequena frase censurada...) /No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill!) / e tem a veleidade de o saber fazer / (pois amor não há feito) das maneiras mil / que são a semovente estátua do prazer. / Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se / do que neste soneto sobre si mesmo disse..."
("Auto-Retrato", in O'Neill, Alexandre, Tomai lá do O'Neill- uma antologia, Pref. António Tabucchi, Círculo de Leitores, Dezembro de 1986)

19 agosto 2010

Um herói do nosso tempo

Em 19 de Agosto de 2003, um atentado nunca esclarecido matou Sérgio Vieira da Mello em Bagdad.
Diplomata ao serviço da ONU, especialista em conflitos graves, esteve em missões em todo o mundo. Homem de paz e de convicções, implacável com os corruptos, defensor firme dos direitos humanos e dos mais fracos, seria o provável sucessor de Kofi Annan como secretário geral da ONU.
Ao iniciar, no Iraque, aquela que seria a sua última missão afirmou, numa clara posição anti bélica : ...quem gostaria de ver o seu país ocupado? Eu não gostaria de ver tanques estrangeiros em Copacabana... A vida deu-lhe a razão, os poderosos interesses imperiais tiraram-lhe a possibilidade de a construir.

15 agosto 2010

Atributos


Este homem vive em Massamá!
(Mendes Bota definindo um portugês normal) 

Gustavo Cerati


Aos artistas e aos jovens associa-se geralmente a ideia de imortalidade. Depois, a vida - na sua brutal realidade - encarrega-se de a desfazer e reduzir a pó, muitas vezes em escassos segundos.
Gustavo Cerati é um cantor argentino que em Maio passado sofreu um acidente vascular cerebral durante um espectáculo. Foi já submetido a uma intervenção cirúgica mas mantém-se inconsciente, ligado a um aparelho de respiração assistida sendo as esperanças de recuperação muito débeis.
Há actualmente um enorme movimento de solidariedade ao cantor, sobretudo na net e entre os apoiantes por toda  a América do Sul, que se rodeou de grande emoção em 11 de Agosto, quando o cantor completou 51 anos.

14 agosto 2010

O Que Diz Bolaño


Antanho,os escritores de Espanha (e da América Latina) entravam no redondel público para o transgredir, para o reformar, para o queimar, para o revolucionar. Os escritores de Espanha (e da América Latina) procediam geralmente de famílias acomodadas, famílias estáveis ou de uma certa posição, e, ao tomar eles a pluma, voltavam-se, ou revoltavam-se, contra essa posição: escrever era renunciar, era renegar, às vezes era suicidar-se. Era ir contra a família. Hoje, os escritores de Espanha (e da América Latina) procedem em número cada vez mais alarmante de famílias de classe baixa, do proletariado e do lúmpem-proletariado, e o seu exercício mais usual da escrita é uma forma de escalar posições na pirâmide social, uma forma de se acomodarem tentando o mais possível não transgredir em nada. Não digo que não sejam cultos. São tão cultos como os de antes. Ou quase. Não digo que não sejam trabalhadores. São muito mais trabalhadores do que os de antes! Mas são, também muito mais vulgares. E comportam-se como empresários, ou como gangsters. E não renegam nada, ou apenas renegam o que se pode renegar, e cuidam muito de não criar inimigos, ou de os escolher entre os mais inermes. Não se suicidam por uma ideia, mas sim por loucura ou raiva. As portas,implacavelmente, abrem-se de par em par. E assim a literatura está como está. Tudo o que começa como comédia acaba indefectivelmente como comédia.

Roberto Bolaño, através da personagem Pere Ordoñes, in " Detectives Selvagens", teorema

13 agosto 2010

Hoje


As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só p'ra mim

Sophia de Mello Breyner Andresen
Foto: C.

12 agosto 2010

Josefa

Josefa, 21 anos, a viver com a mãe. Estudante de Engenharia Biomédica, trabalhadora de supermercado em part-time e bombeira voluntária. Acumulava trabalhos e não cargos - e essa pode ser uma primeira explicação para a não conhecermos. Afinal, um jovem daqueles que frequentamos nas revistas de consultório, arranja forma de chamar os holofotes. Se é futebolista, pinta o cabelo de cores impossíveis; se é cantora, mostra o futebolista com quem namora; e se quer ser mesmo importante, é mandatário de juventude. Não entra é na cabeça de uma jovem dispersar-se em ninharias acumuladas: um curso no Porto, caixeirinha em Santa Maria da Feira e bombeira de Verão. Daí não a conhecermos, à Josefa. Chegava-lhe, talvez, que um colega mais experiente dissesse dela: "Ela era das poucas pessoas com que um gajo sabia que podia contar nas piores alturas." Enfim, 15 minutos de fama só se ocorresse um azar... Aconteceu: anteontem, Josefa morreu em Monte Mêda, Gondomar, cercada das chamas dos outros que foi apagar de graça. A morte de uma jovem é sempre uma coisa tão enorme para os seus que, evidentemente, nem trato aqui. Interessa-me, na Josefa, relevar o que ela nos disse: que há miúdos de 21 anos que são estudantes e trabalhadores e bombeiros, sem nós sabermos. Como é possível, nos dias comuns e não de tragédia, não ouvirmos falar das Josefas que são o sal da nossa terra?
Ferreira Fernandes, AQUI

10 agosto 2010

Diário da Bicicleta


... estas pessoas que andam a trabalhar para revigorar as suas cidades estão todas em dívida para com Jane Jacobs, que em 1968 lutou contra o plano de Robert Moses de fazer atravessar uma auto - estrada pelo meio da baixa de Nova Iorque.(...)
Nesses tempos - entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70 -, muita gente nos Estados Unidos parecia acreditar que as cidades depressa se iriam transformar em coisas do passado, que a vida moderna só poderia ser genuinamente vivida numa casa dos subúrbios com um quintal, ligada ao local de trabalho urbano - um amontoado de prédios altos de escritórios - por uma rede de auto-estradas.
Um sítio para trabalhar, outro para viver. (...) O que veio a acontecer foi que, hoje em dia, cada vez mais pessoas se inclinam para aquilo que Jacobs compreendeu, que a fórmula da separação entre a vida e o trabalho tem como resultado inevitável acabar por haver muito pouca vida a acontecer verdadeiramente em ambas as áreas. (...)
Ficou famoso o nome que Jacobs deu àquilo que acontece no seu quarteirão em Greenwich Village, "um ballet no passeio".
«Eu faço a minha primeira entrada nele um bocadinho depois das 8 da manhã, quando vou pôr o lixo lá fora...Pouco depois, homens e mulheres com pastas e bem vestidos, até mesmo elegantes, saem das portas e das ruas secundárias, e, em simultâneo, um grande número de mulheres com vestidos de trazer por casa vem cá para fora; e à medida que se cruzam uns com os outros, param durante uns segundos para conversas rápidas que ressoam ou com gargalhadas ou indignação conjunta, nunca, ao que parece, algo entre ambas as coisas».
Ela percebeu que a utilização mista era essencial. Que quando uma rua ou um parque estão a ser utilizados por diferentes tipos de pessoas em diferentes alturas do dia, acabam por se manter económica e socialmente saudáveis e ficam mais seguros. Não são precisos mais polícias nem leis duras para tornar um bairro mais seguro. É preciso não lhe sugarmos vida...



David Byrne é conhecido como músico e compositor. Foi o fundador da banda Talking Heads e é também fotógrafo amador. Desde há alguns anos tem um interessante blog (david byrne's journal) onde relata regularmente viagens de bicicleta que realiza em várias cidades do mundo (Berlim, Londres, Instambul, Buenos Aires, Nova Iorque, etc.). A compilação de alguns desses textos saiu recentemente em livro. É uma obra com um traço descritivo dos locais, mas com uma importante vertente de análise e estudo das cidades vistas sob o ponto de vista de um visitante que se desloca em bicicleta. O excerto de texto que se reproduz acima diz respeito a Nova Iorque, mas poderia ser aplicado a qualquer outra grande cidade do mundo. Com particularidade, para nós, que damos ares de grande modernidade, insistindo em praticar erros urbanísticos com importantes consequências sociais, erros esses que já foram diagnosticados há trinta ou quarenta anos noutras paragens.
É importante referir que todos os combates feitos na defesa dum urbanismo moderno e que coloque as pessoas no centro das decisões têm o nosso apoio. Aliás, temos um grande orgulho em ter sido a Clara a dinamizadora duma recente luta em Aveiro, justamente na defesa destes valores (conhecer AQUI)

06 agosto 2010

Contra o horror e a barbárie


Esta fotografia conta o bárbaro assassínio de Asha Ibrahim, uma jovem de 14 anos, em 2008 na Somália,
Asha fora violada e posteriormente considerada adúltera por um "tribunal" que a condenou à morte por apedrejamento.
Aqui no Marcas, fazemos eco da campanha internacional desencadeada para salvar uma outra mulher, Sakineh Ashtiani, que no Irão enfrenta as forças dementes que ali fazem lei e que se preparam para repetir este crime hediondo.
Ninguém, em parte nenhuma do mundo, pode descansar enquanto este  horror não for impedido.

O poema, a intérprete e a canção

04 agosto 2010

Memórias musicais


O período da História Argentina, vivido sob os efeitos da Grande Depressão e da Guerra Civil Espanhola, e conhecido como "Década Infame" (1930-1943), caracterizou-se por uma fase de corrupção generalizada, fraude eleitoral sistemática, repressão sobre os opositores ao regime, e ganhou aquele nome devido, entre outras razões, ao suicídio de algumas personalidades argentinas.
Alfonsina tinha 46 anos, quando desapareceu. Os seus biógrafos garantem que a poetisa argentina (1892-1938) se atirou de uma amurada do cais de Mar del Plata, mas a lenda e o mito poético dizem que Alfonsina caminhou lentamente em direção ao mar, entrando nas suas águas profundas.
É esse o leitmotiv desta melodiosa homenagem à poetisa, composta por Ariel Ramírez e Félix Luna e publicada, pela primeira vez, no disco de Mercedes Sosa, Mujeres.

Mas hoje, é na voz de Cristina Branco que me apetece escutá-la. Partilhada está.

03 agosto 2010

O Tesouro de Portugal


Parece que estamos em décimo quarto lugar nas reservas mundiais de ouro-382,5 toneladas pesa a nossa riqueza.
No século dezanove, os lingotes chegavam em barris e, em 95,. havia uma ponte levadiça para entrar na caixa forte.
Temos mais ouro que o Reino Unido e a Arábia Saudita. A nossa é a maior reserva da Europa, tendo em conta o PIB.
O nosso tesouro representa 6,8% do PIB nacional e encontra-se guardado em Portugal, no Carregado, em Londres e na Reserva Federal Americana.

Para que nos serve tanto ouro? Então somos mais ricos do que nos dizem e, ainda por cima, está em alta.
Sabem o que me apetecia fazer?
Ir a esses três lugares, pedir para entrar e dizer:" Quero ver o meu ouro". (também me pertence, não é?)...olhar para ele, contá-lo e depois declarar:pode guardá-lo de novo.
relogio.de.corda já tratou o assunto(AQUI ) e o nosso amigo César Ramos, no seu blogue, tem um curioso trabalho sobre a serventia do nosso tesouro guardado. Aconselho a leitura.
Que mistério, somos ricos e tão pobres.
Alguém me sabe explicar? Ou nem tudo o que luz é euro?

01 agosto 2010

Canino, como submissão, obediência ou dente

Num tempo que pode ser qualquer tempo, um pai, uma mãe e três filhos adolescentes - um rapaz e duas raparigas - vivem numa casa cercada por uma vedação. Nunca nenhum dos filhos ousou sair daquele espaço e todo o conhecimento que têm da vida foi-lhes transmitido pelos pais, que empregam a mentira, a manipulação e a violência  para formar a consciência dos filhos. O pai é o único a sair do espaço fechado, para trabalhar e comprar o que é necessário para uma vida "normal". Para "resolver"os ímpetos sexuais do filho, compra também, de tempo a tempo, Cristina, uma sua conhecida, que se encarrega do rapaz. Um dia Cristina quebra as regras e mostra a uma das raparigas algo que ela nunca deveria chegar a conhecer...
Todo o filme é uma intensa alegoria sobre as sociedades de pensamento único. Tanto as que durante todo o século XX foram sendo erguidas e derrubadas, como as que hoje florescem com novas roupagens, outra cosmética, mas a mesma construção ideológica de intolerância e submissão, assentes na  inquestionável afirmação de que os detentores do poder são quem sabe o que interessa a todos. 
Denso, inquietante e perturbador, tem lá tudo: a manipulação, a censura, a elaboração da realidade assente no desconhecimento, no medo e na obediência cega.
Um verdadeiro murro no estômago do espectador.