Antanho,os escritores de Espanha (e da América Latina) entravam no redondel público para o transgredir, para o reformar, para o queimar, para o revolucionar. Os escritores de Espanha (e da América Latina) procediam geralmente de famílias acomodadas, famílias estáveis ou de uma certa posição, e, ao tomar eles a pluma, voltavam-se, ou revoltavam-se, contra essa posição: escrever era renunciar, era renegar, às vezes era suicidar-se. Era ir contra a família. Hoje, os escritores de Espanha (e da América Latina) procedem em número cada vez mais alarmante de famílias de classe baixa, do proletariado e do lúmpem-proletariado, e o seu exercício mais usual da escrita é uma forma de escalar posições na pirâmide social, uma forma de se acomodarem tentando o mais possível não transgredir em nada. Não digo que não sejam cultos. São tão cultos como os de antes. Ou quase. Não digo que não sejam trabalhadores. São muito mais trabalhadores do que os de antes! Mas são, também muito mais vulgares. E comportam-se como empresários, ou como gangsters. E não renegam nada, ou apenas renegam o que se pode renegar, e cuidam muito de não criar inimigos, ou de os escolher entre os mais inermes. Não se suicidam por uma ideia, mas sim por loucura ou raiva. As portas,implacavelmente, abrem-se de par em par. E assim a literatura está como está. Tudo o que começa como comédia acaba indefectivelmente como comédia.
Roberto Bolaño, através da personagem Pere Ordoñes, in " Detectives Selvagens", teorema
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