21 agosto 2010

O'Neill

Ao lado do homem vou crescendo
Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente
Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas
Ao lado do homem vou crescendo
E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida

Alexandre O'Neill (1924-1986)

Alexandre O'Neill nasceu em 1924 e faleceu a 21 de Agosto de 1986. De si próprio disse:

"O'Neill (Alexandre), moreno português, / cabelo asa de corvo; da angústia da cara, / nariguete que sobrepunha de través/ a ferida desdenhosa e não cicatrizada. / Se a visagem de tal sujeito é o que vês / ( omita-se o olho triste e a testa iluminada ) / o retrato moral também tem os seus quês / ( aqui, uma pequena frase censurada...) /No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill!) / e tem a veleidade de o saber fazer / (pois amor não há feito) das maneiras mil / que são a semovente estátua do prazer. / Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se / do que neste soneto sobre si mesmo disse..."
("Auto-Retrato", in O'Neill, Alexandre, Tomai lá do O'Neill- uma antologia, Pref. António Tabucchi, Círculo de Leitores, Dezembro de 1986)

3 comentários:

Keila Costa disse...

Tão difícil dizer sobre si...esse si que mais se incompreende e se surpreende num susto que vem e vai...isso é ser...Bela descrição de si mesmo do O'Neill...nesse contar dos tantos em si...
Beijinho

Paulo disse...

Keila, O'Neill consegue algo de muito importante em qualquer intelectual: conseguir descolar e "olhar-se de fora". Isso é marcante depois na forma irónica como fala do seu país, dos pequenos vícios e, naturalmente, de si próprio e do amor.Deixo-lhe um pedaço duma entrevista de A.O'Neill de 1972 que acho especialmente reveladora da sua personalidade:
"Que quis eu da poesia? Que quis ela de mim? Não sei bem. Mas há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler. Em português, traduzi-la-ia por desimportantizar, ou em certos momentos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter. Só aliviados podemos tirar o ombro da ombreira e partir fraternalmente, ombro a ombro, para melhores dias, que o mesmo é dizer, para dias mais verdadeiros. É pouco como projecto? Em todo o caso, é o meu. O que vou deixando escrito, ora me desgosta, enjoa até, ora me encanta. Acontece certamente o mesmo aos outros poetas, tenham estatuto ou não. Mas comigo, talvez essa oscilação se dê com mais frequência. É que a invenção atroz a que se chama o dia-a-dia, este nosso dia-a-dia, espreita de perto tudo o que faço. É o preço que tenho pago para o esconjurar, pelo menos nas suas formas mais gordas e flácidas.”
Obrigado por sua atenção, beijinho

Keila Costa disse...

Tão difícil dizer o porquê da escrita e da poesia...e O'Neill conseguiu fazer isso, a dizer exatemente da dificuldade de dizer disse...Belo dito!
Eu é que agradeço a oportunidade de trocar palavras com você Paulo!