Nos dias em que se vendia um borrego, havia dinheiro em casa. O meu pai voltava da feira e trazia da venda uma posta e dois rabos de bacalhau. Sem palavras, pousava tudo, embrulhado num jornal velho, em cima da mesa da cozinha. A minha mãe, em silêncio, guardava-o e punha-o de molho no sábado seguinte.
No domingo eu acordava com o inconfundível cheiro, denso e húmido, do bacalhau e das couves a cozerem.
Quando voltava da missa, o cheiro persistia e as janelas da cozinha escorriam humidade.
Quando voltava da missa, o cheiro persistia e as janelas da cozinha escorriam humidade.
Às vezes, a minha mãe cozia um ovo.
4 comentários:
O inconfundível cheiro do bacalhau...e as lembranças evocadas...Belo!
Acho este texto uma pérola, Paulo. Os não ditos são incrivelmente sugestivos.
"Caçaste" bem o ambiente pesado, pobre e angustiante de um tempo longínquo. O Herberto Helder diz que "a memória é improvável". Será?
Giro!!!Fixe, gostei.
Keila, é um bom exercício para a escrita o retomar a memória e trazê-la para a narrativa.
Obrigado
C., a memória do narrador é, acho, essencial à escrita.
Obrigado.
Clara, o ponto de partida foi o cheiro da memória do narrador, de que se apropriou a personagem. Este odor surge primeiro que tudo em jantares de Natal que tu conheces.
Beijo
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