Passar mais tempo na companhia dos residentes de Starfish Beach era outra possibilidade insuportável. Ao contrário dele, muitos conseguiam não só construir conversas inteiras que giravam à volta dos netos mas também encontrar na existência dos netos razões para eles próprios existirem. Apanhado na companhia deles, experimentava por vezes a solidão naquela que era talvez a sua forma mais pura. E mesmo com aqueles residentes que eram pessoas ponderadas e de conversa agradável, só era interessante estar de vez em quando. Na sua maioria, os residentes idosos tinham casamentos que duravam há décadas e continuavam de tal maneira ligados ao que restava da sua felicidade conjugal que raramente conseguia convencer um marido a ir com ele almoçar fora sem levar a mulher. Embora por vezes olhasse com nostalgia para aqueles casais quando descia a noite ou nas tardes de domingo, havia a considerar as restantes horas da semana, e aquilo não era vida que desejasse para si quando estava no auge da melancolia. A conclusão a tirar era de que nunca devia ter ido viver para uma comunidade como aquela. Tinha-se desenraizado precisamente na altura em que aquilo que a idade mais exigia dele era que estivesse enraizado como tinha estado durante todos os anos em que dirigiu o departamento criativo da agência. Sempre tinha sido revigorado pela estabilidade, não pela estase. E aquilo era estagnação. O que tinha agora era a ausência de todas as formas de consolação, uma total aridez a que chamavam conforto, e nenhuma hipótese de voltar ao que era antes. Tinha-se apoderado dele uma sensação de "alteridade", uma palavra que no seu léxico pessoal descrevia um estado que lhe era quase estranho até que a sua aluna de pintura Millicent Kramer a tinha usado em tom lancinante para lamentar o estado a que tinha chegado.Já nada lhe despertava a curiosidade ou satisfazia as necessidades, nem a pintura, nem os vizinhos, nada a não ser as mulheres jovens que de manhã se cruzavam com ele no passeio marítimo, a fazer jogging. Meu Deus, pensava, o homem que eu era! A vida que me rodeava! A força que eu tinha! Não sentia nenhuma "alteridade"! Em tempos que já lá vão fui um ser humano completo.
Philip Roth, Todo-O-Mundo, Dom Quixote, 2006
5 comentários:
Gostaria muito que lesse outro grande escritor (a verdade é que não considero Roth grande...): Isaac Bhasevis Singer, em inglês, preferivelmente. É um Mestre de tudo...
Manuel Poppe
A verdade é que sempre achei aqueles casais de 80 anos que ainda têm a força de andar na rua de mão dada, uma das coisas mais belas que uma pessoa pode, durante toda a sua vida, ver.
É, realmente, belo, muito belo.
A solidão não é nada bela e são muito aqueles que se vêem completamente cercados de mágoa e aridez sem se darem conta.
Com a idade vem a sabedoria, mas toda a gente falha na percepção da sua própria decadência. Contudo nada é eterno e enquanto há vida e força num coração, mesmo que envelhecido, existe esperança e espaço para mudar.
Não conheço esta obra. O excerto é belíssimo (e estimula a leitura da obra), bem diferente do Roth avassalador que conheço (de "Goodbye, Columbus" e "The Human Stain"). Ao contrário do comentador anterior, considero Roth um dos grandes escritores norte-americanos.
Pois! Vontade de ler. é o que é.
Obrigada, Paulo.
manuel poppe, obrigado pela visita.
Vou procurar Singer,claro. Aqui darei o "feed back".Espero encontrar alguma tradução... ah, antes que esqueça, o Roth é mesmo, para mim, um grande escritor. Abraço.
Bruce,fico sempre tocado com a sua sensibilidade para questões que geralmente estão longe das preocupações de um jovem. Saúdo-o especialmente por isso. Austeriana, há (outras) páginas belíssimas neste "Todo-o-Mundo". Acho que vai gostar. Marta, é uma satisfação muito grande quando suscitamos em alguém a vontade de procurar uma leitura que nos tocou. Obrigado também.
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