Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
Guerra Junqueiro, 1896
4 comentários:
mil oitocentos e quÊ?
não se enganou na data, Clara ? ;)
Pois é Marta...
- Parece um texto de 2009!
Mas, "Finis Patriae?"...
Nem tanto. Há que acreditar que o País tem reservas de patriotismo para resistir.
E mudar de vida...!
Vamos lá a ter pensamentos positivos para 'dobrar' mais um ano!
Como se vê,... cá na terra, o problema já vem de longe,... e tudo se resolveu! como se resolverá...!
É um 'caso' recorrente da nossa terra, como a "malária" ou a "febre de Malta"!
Veio a tempestade... como há-de vir a bonança!
O Povo parece imbecilizado, mas não o é de todo! já deu muitas provas!
Então e a sabedoria registada em adágios ou provérbios? não é testemunho disso?
Claro que é preciso uma coisa de vez em quando:
- É 'Avisar a Malta'!... e, para isso, penso que a Clara deixou este texto; para que se medite...!
Boas Festas a Todos
César Ramos
Diz Marx, na obra 18 de Brumário,que a história se repete sempre duas vezes, a primeira como tragédia e a segunda como farsa. Se considerarmos que em Maio de 1926 (na primeira repetição, houve uma tragédia, facilmente concluímos pela justeza da tese de Marx e, sim, vivemos hoje a farsa correspondente à segunda repetição histórica.
Martinha, não me enganei, è mesmo assim!
César, tem razão, o poder foi sempre igualmente trapaceiro, egoísta, manipulador. Basta-nos estudar um pouco de História Mundial.
Paulo, não acredito nesse paralelismo. O Tio Marx, nessa altura, não sabia que havia Comunidade Europeia.
Abraço
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