* Lisa Gerrard, Amergin's Invocation
30 junho 2009
À saída de Junho
* Lisa Gerrard, Amergin's Invocation
29 junho 2009
28 junho 2009
O Pináculo da Glória
Foto aqui
27 junho 2009
Os motores da Campanha...
26 junho 2009
A vida como um anel
Poema de amor
Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
E quase ia morrendo com o receio de que ele
não te coubesse no dedo.
Jorge de Sousa Braga, in O Poeta Nu
São os rios
Somos o tempo, somos a famosa
parábola de Heraclito, o Obscuro.
Somos a água, não diamante duro
a que se perde, não a que repousa.
Somos o rio e somos esse rio
a olhar-se no rio. A sua imagem
muda na água do espelho entre as margens,
no rio que varia, fogo cego.
Somos o rio vão, predestinado
runo ao seu mar. De fogo está cercado.
Tudo nos diz adeus, tudo nos deixa.
A memória não cunha moeda lesta.
E no entanto há algo que ainda resta
e no entanto ainda há algo que se queixa.
Jorge Luís Borges, in Os Conjurados
* Léo Ferré, Avec le Temps
In memoriam
Farrah Fawcett
No dia da morte de Michael Jackson
No dia da morte de Michael Jackson, ninguém reparou nesta notícia.
Uma das luas de Saturno, que se distingue das outras pelo jacto de vapor que lança desde o seu pólo sul e que alimenta um dos anéis deste planeta, tem uma grande quantidade de água salgada líquida sob a sua superfície gelada. A descoberta de sais de sódio neste anel prova, segundo os cientistas, que este satélite natural esconde um verdadeiro oceano.
O que é que diferencia a Encélado de qualquer outra das luas de Saturno? Um enorme jacto de vapor de água, gás e pequenos grãos de gelo que brota do seu pólo sul, alimentando o anel exterior deste planeta. O mesmo no qual os cientistas detectaram sais de sódio. Uma prova, dizem, de que debaixo da superfície da lua existe um reservatório de água líquida.
Esta descoberta pode ter novas implicações na procura de vida extraterrestre, sendo esta lua um dos poucos locais dentro do nosso sistema solar com condições teóricas para a albergar (in Diário de Notícias)
25 junho 2009
Há 34 anos em Moçambique
24 junho 2009
Homenagem a Botticelli
O lenço branco na parede
Espelhos (II)
Os amigos garantiram que não há risco desse lado - respondeu Amílcar com a secura que lhe era habitual quando questionado sobre questões que punham em causa, ainda que vagamente, as suas decisões. A segurança de Jorge Serpa depois da saída da prisão, enquanto era preparada a sua ida para o exterior, fora uma indicação “vinda de cima”, pelo que dúvidas sobre aspectos funcionais do plano era admitir a possibilidade de um erro.
Nos poucos momentos de contacto que tiveram, foi fácil a Jorge conhecer-lhe alguns tiques. A primeira impressão fora logo perturbada por dois aspectos, para si essenciais: o aperto de mão - o de Amílcar era mole e sem energia, apenas pousava a mão na mão de quem cumprimentava, sem o olhar nos olhos. Depois, o cabelo: Amílcar tinha o crânio coberto com uma espécie de peruca tipo ninho de pássaro, mas que numa observação mais atenta mostrava uma rebuscada forma de pentear comum a alguns calvos, trazendo o cabelo da têmpora esquerda até ao lado direito, cobrindo toda a cabeça. Ficava com um ar ridiculamente cómico que impedia Jorge de perceber o que ouvia, absorvido que ficava naquela enigmática obra de engenharia. Usava um tom de voz baixo, com as vogais ciciadas, o que indicava uma origem Beirã. Quando queria sublinhar alguma afirmação procurava a atenção do interlocutor lançando um olhar aguado por cima dos óculos de massa pretos.
Fica tranquilo, Serpa, disse-lhe de novo; segundo o Amigo, a moça vive só, confinada a este espaço, donde raramente sai. Foi expulsa da Vila desde que enganou o marido. Um escândalo no Natal passado, o homem a chegar de Angola ao fim de 4 anos de tropa e uma antiga namorada foi-lhe contar da aventura da mulher com o irmão mais novo dele. Tinham casado no Verão, por procuração . Como vês, é seguro, ninguém lhe fala, excepto o nosso contacto.
Estavam sentados na cozinha, a porta entreaberta deixando entrar a brisa do início da noite e, terminada a reunião habitual, Amílcar achara melhor voltar a este assunto para tranquilidade do companheiro.
Por várias razões, as questões envolvendo relações amorosas eram agora, para Jorge, temas onde estava pouco à vontade.
O tempo passado na prisão tornara-o inseguro em tudo o que se relacionasse com assuntos sentimentais. Tinha vivido dois anos sem qualquer espaço de intimidade. Uma restrição total de sentimentos, a obrigatoriedade de partilhar um espaço fechado com três homens que desconhecia e não escolhera para companhia. Odiava a sala / camarata, estar aí fora mais doloroso do que a própria perda de liberdade.
E havia a Fátima. No momento da prisão planeavam viver juntos. Depois, até ao julgamento, sentiu sempre a sua proximidade. Mais tarde, começara a dar aulas e não tinha dias para as deslocações. Nos últimos seis meses apenas tinha vindo vê-lo três vezes e sempre em visitas com mais gente, o que impedia a proximidade.
Depois falamos, Jorge. Quando saíres e tudo estiver mais calmo falamos.
Encenara vezes sem conta o que fariam no momento do reencontro. Alimentara a saudade e o frémito do desejo com o sonho dos braços dela e o que tinha a esperá-lo, além da carta, era uma reunião de família com frango frio e espumante para celebrar a sua chegada....
23 junho 2009
22 junho 2009
21 junho 2009
O III Bibliotecário
Nesses anos o Bibliotecário, seu responsável máximo, chamava-se Erastótenes.
Nos meios académicos do tempo, Erastótenes era chamado em tom depreciativo Beta, porque, diziam, era sempre o segundo melhor em tudo.
Um dia, ao ler um papiro, Erastótenes soube que em Syene (actual Assuão), a cerca de 800 km a sul de Alexandria,às 12 horas do vigésimo primeiro dia de Junho - Solstício de Verão- uma vara ou uma coluna de pedra em posição vertical não projectava sombra.
Comparou esta informação com a existência, no mesmo dia e hora, de sombra nas colunas da sua cidade, a Norte.
Deu-nos mais Erastótenes. Ao contrário do que diziam as vozes académicas do tempo, ele podia, afinal, ser primeiro: calculara, ainda, 240 anos antes de Cristo, o raio da Terra com uma precisão quase absoluta.
Hoje, no Solstício de Verão, 2500 anos depois, é bom recordar Erastótenes.
Carl Sagan também gostava de Erastótenes:
20 junho 2009
Música
Carla Bley, magnífica
(...and that's my kind of Jazz.)
19 junho 2009
Não Sei
Não sei como dizer-te
18 junho 2009
Espelhos
Despertado pelo ruído, o cão correu para ela, latindo…
-“Quieto, Fiel. Quieto!” - exclamou rindo… “Chega-te pra lá, tens as patas com terra e vais sujar-me a saia!”.
Foi buscar a tigela com os restos do jantar e despejou-a no prato do cão.
- “Come devagar! Vais engasgar-te”- disse, rindo de novo.
Despejou o tacho com a água num canteiro e, depois de lhe pôr água limpa, sentou-se na soleira da porta com um pão seco e uma caneca de cevada nas mãos, beberricando e sentindo o calor que os primeiros raios de sol do dia lhe traziam à pele.
Chovera toda a noite e o vapor saído da terra molhada trazia um cheiro intenso a erva que gostava de sentir bem. Passados uns minutos, descalçou as socas e, com os pés nus, avançou pelo quintal pisando com gosto o chão humedecido.
Na extrema do terreno ficou de olhar perdido, saboreando o pão molhado no café e olhando a Ria que, como um espelho, lhe devolvia o brilho intenso do sol.
A casa ficava dentro duma pequena propriedade, numa minúscula península que, na margem direita da Ria, fazia a terra chegar até ao meio da água.
Mexeu os dedos dos pés, enterrando-os na lama, e fechou os olhos saboreando um prazer imenso que lhe vinha da pele aquecida pelo sol, espalhando-se pelo corpo todo, e a levava a afundar os pés na terra molhada.
Ficou perdida neste sentir doce e só os latidos do cão a fizeram regressar.
Olhou-o desinteressada, pois sabia que o seu sinal não era mais do que uma saudação ao vizinho que passava de bicicleta no estreito caminho junto ao portão.
Não fosse o padre da Vila tê-la vindo avisar deste vizinho e teria ficado assustada quando começou a notar as suas idas e vindas.
Um engenheiro do Porto, a recuperar da morte da mulher - dissera-lhe o padre - pessoa muito séria, apenas quer sossego e não ser perturbado… acrescentou. não é preciso ajudar em nada. Ele tem amigos no Porto que, de vez em quando, o virão visitar. Às vezes ficarão um ou dois dias com ele. Tu, fica à distância Maria do Carmo… rematou.
Durante algum tempo ignorou a presença do enigmático vizinho e das suas idas e vindas, mas na última semana pensou por mais de uma vez atravessar-se no seu caminho e saudá-lo. Só para o ver melhor…
A pequena casa onde estava instalado não se via muito bem do terreno dela, nem de lado nenhum a não ser de dentro da Ria e uma vez espreitara subindo a uma nogueira, mas não observou nada de interesse. Com estranheza, reparou que todas as janelas estavam com as portadas fechadas. Notou que havia uma luz acesa na cozinha apesar de ser dia.
Tentava não pensar no homem, mas a curiosidade era superior à sua vontade… “Maria do Carmo, Maria do Carmo, não tens já problemas que cheguem?” dizia baixinho, enquanto preparava o barco para sair ao moliço… “”só queria dizer bom dia” desculpava-se, “só um cumprimento e ver bem o seu olhar”....
17 junho 2009
Casa
A suave mão da ausência
16 junho 2009
Encanto
A música é a única arte que nos causa uma profunda inquietude: donde vem "aquilo"? A técnica nada explica.
Um grande músico italiano,Puccini,deu a uma ária das suas óperas, a Tosca, o título: Recôndita Harmonia. Acertou em cheio. Deus nunca existiu, minha querida! São pesoas como eu e tu (desde que estudes até desfalecer) que dão um sentido à vida.
Sebastião Alba, in Albas
Recondita armonia
di belleze diverse!...E bruna Floria,
l'ardente amante mia.
E te, beltade ignota, cinta di chiome bionde!
Tu azzuro hai l'occhio, Tosca ha l'occhio nero!
L'arte nel suo mistero
le diverse belleze insiem confonde:
ma nel ritrar costei
il mio solo pensiero,
ah! il mio solo pensier, sei tu,
Tosca, sei tu!
(Luciano Pavarotti)
Água
Águas de Portugal
O Irão em mudança
Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Silêncio, 1966
Fotografia: Morteza Nikoubbazl
Podem prender Moussavi, matar manifestantes, proibir a Internet e mentir na televisão; podem, mas o movimento é imparável.
15 junho 2009
Irão
Moussavi, o opositor de Almadinejad, não aparece em público há vinte e quatro horas e põe-se a hipótese de ter sido preso. Uma centena de políticos reformadores foram detidos.
Entretanto, o governo bloqueou o acesso aos meios de comunicação, como o facebook, youtube e até telemóveis.
Tudo isto porque grande parte dos iranianos não aceita os resultados eleitorais, sugerindo a existência de fraude.
Há notícias de confrontos violentos. A classe média iraniana já não está disposta a suportar o obscurantismo e, além disso, depois do discurso de Obama, não será tão fácil a justificação dos pressupostos religiosos na política.
14 junho 2009
As palavras
Hoje, imperturbáveis, os rituais antes criados a dois.
A porta aberta com cuidado, elevando suavemente a fechadura, chaves no prato de estanho sobre mesa à esquerda; alarme, os números mágicos 9-10-17-1: os aniversários dos meninos.
Depois, tudo mais demorado, suave, ritualizado: luz na cozinha, fruta na taça de vidro, pão no tabuleiro, iogurte e leite no frigorífico, congelados na arca, sacos pequenos no saco grande pendurado atrás da porta.
Na passagem para o quarto sorri, sozinha, olhando a varanda. Portadas do quarto abertas e a roupa pendurada, arrumada. Na sala o CD, invariavelmente Betânia, que as palavras e o riso dele iriam depois abafar. Ginger Ale com 2 pedras de gelo, portas de acesso à varanda abertas e, finalmente, o namoro.
…
Agora a voz dele já não chega a partir da sala ou da cozinha, mas sim do outro lado. Na varanda, tem os olhos bem fechados e, reclinada, sente em toda a pele, de novo por cima do som da música, o murmúrio que lhe chega do lado do mar e o som claro, nítido, da voz dele que, entre risos, lhe sussurra: ficas linda na nossa casa…
13 junho 2009
Em jeito de homenagem
Onde a vocação da luz
fez a brancura às casas,
onde a voz abriu
a planície ao verão
e o gesto se adivinhou
(espessa a erva
sobre o chão),
onde as palavras da noite
se pediram mais e belas,
aí eu queria estar
nativo anterior a mim
oferecendo-me às estrelas.
* Keith Jarrett - Somewhere over the rainbow
Valha-me Santo António
12 junho 2009
11 junho 2009
Campos sem Erva
Armand Marie Leroi, in Mutantes, Gradiva 2009
................................
10 junho 2009
Nós, Europeus
09 junho 2009
...e agora:
08 junho 2009
Futuro
O mesmo se prevê nas autarquias de Lisboa e Porto. Em Aveiro é já uma realidade.
O Bloco de Esquerda será sempre uma frente de protesto e a CDU,apesar de ter subido, está geracionalmente condenada.
Sócrates cometeu muitos erros, muitos deles para corrigir o despesismo de Guterres. Cometeu, também, o pecado da soberba.
Falta-lhe, a Sócrates, a vivência e o sentido de humor de Mário Soares e que seria um antídoto para a tragédia do nosso quotidiano.
E agora, aí está: Zapatero, Sócrates e Brown em queda.
Centro-direita, direita e ,até, extrema-direita são o nosso futuro europeu.
07 junho 2009
Melingo
Conhecemos a sua voz e o seu canto no espectáculo de Rodrigo Leão em 5 de Junho.
Ouçam tudo o que puderem dele.
Leitura de domingo
Do Corpo Repousado
Talvez a vida não seja luminosa
Mas tem momentos: o lago da cama, o sol
Na lombada dos livros, o joelho
Amável
Da mulher deitada. Como vai ser a manhã
Não sei, ergo a minha taça.
Amadurece o mar, mergulho na luz
E regresso a casa: a boca na maçã
À sombra do teu olhar, a música
Dos gatos, as tuas mãos que envolvem
As árvores ao meio dia. Sabor a terra,
Gota a gota na minha língua.
Caminho na praia como quem sente
As peles sobrepostas do mundo em volta
Do meu corpo, coração de pó
E sento-me em repouso a ouvir a respiração
Do vinho. Talvez a noite não apague
Esta magia.
Casimiro de Brito in 69 Poemas de Amor,4Águas Editora 2008
Música : Bebo e Cigala Niebla del riachuelo
06 junho 2009
Barroco Tropical
"Barroco Tropical" é o novo romance de José Eduardo Agualusa.
Agualusa atreve-se a denunciar, não há dúvida. Com ou sem liberdade poética, a denúncia espreita a cada página. Mas não derrota. É no próprio sogro do escritor do romance que coloca as palavras: ”O país caiu nas mãos de quimbandeiros e de aventureiros sem escrúpulos. Não podemos baixar os braços. A luta continua. A vitória é certa” (pág. 331).
Dia de Reflexão
05 junho 2009
Sombras com vida
Adormecidos ou apenas cansados. Do abandono, da solidão da fome.
Não do amor, que esse conhecem-no bem.
Um acompanha a menina no sono, qual sentinela; o outro, olhos atentos, repousa deitado.
No centro, protegendo a menina, a sombra do amigo cobre-a como um manto. Lança sobre ela a imagem protectora de um perfil, onde se adivinha um avô, uma mãe…ou apenas um sonho.
(Fotografia aqui)
Cibelle
Existirmos, a que será que se destina
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmos na intacta retina
Da cajuína cristalina em Teresina
Existirmos, a que será que se destina
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmos na intacta retina
Da cajuína cristalina em Teresina
Cibelle Cavalli pertence à chamada música brasileira ultranova.Nasceu em 1978 e vive em Londres.
O seu primeiro disco foi lançado em 2003. Produz uma música que é uma mistura de Bossa Electrónica, Jazz, Tropicalismo e "barulho de coisas"...
Os espectáculos de Cibelle são, geralmente, "performances" multi média com forte componente de música electrónica.
04 junho 2009
N(o) calor da crise
ai que bom o tempo das férias a chegar e o pessoal a pensar em dar de frosques, bazar para uma qualquer praia nas Caraíbas, sei lá, Punta Cana, ou então para Phuket, a perfeita.
a Purífica é que diz que vai, mas aquilo é ela só para fazer raiva e depois dizer que esteve na Pérola do Sul, pois... sempre é mais quente. olha, ainda há no banco uns dinheiritos do falecido. não, pois claro, que esse está a prazo, tens razão. mas ai que bom que as férias vêm aí e este mês entra a dobrar, quer dizer dá pra pouca coisa com as prestaçõs do carro e mais a casa e queira deus que a tua irmã não precise daqueles euros que emprestou. é que este ano foi uma canseira, tantas vidas pra governar e mais os spreads e os juros que não há meio de baixarem. mas olha o miúdo lá se safou e tal..., merece ir a qualquer lado, que não é menos que o dos outros. e se fossemos este ano àquela ilha do jet7, nem que fosse só uns dias, que assim já não ficavas com o jet lag, a Itália é pertinho. afinal sempre quiseste lá ir. deve ser puxadote, mas não faz mal, ainda temos o tal do subsídio e pode ser que entretanto fiques com o tal emprego, eles quase garantiram, lá nas oportunidades ou como é que se chama. ai que bom que estamos quase em férias, amanhã vou perguntar ao Simões da logística como é que lhe fizeram aquilo da revisão do empréstimo ou lá como é que se chama. deus há-de ajudar, não fiques com essa cara, quem não rouba não teme. já sei que não é assim que se diz, mas agora isso não interessa, olha lá vem o 38 que é o nosso.
* Gino Paoli - Sapore Di Sale
03 junho 2009
Por quem os sinos dobram
O enredo do romance decorre em quatro dias e nele o autor faz uma profunda reflexão sobre a vida, a morte, sobre o amor a coragem e a cobardia. Sobretudo, reflecte sobre a solidariedade humana, levada à sua expressão mais sublime em qualquer guerra, seja qual for o lado da trincheira em que cada um se coloque por amor à causa em que acredite.
O texto de Saramago tem sete anos. Foi lido na cerimónia de encerramento do Fórum Social Mundial 2002. Contra a injustiça globalizada.
Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."
Breviário das Almas
02 junho 2009
A Bondade
O Engano da Bondade
Endureçamos a bondade, amigos. Ela também é bondosa, a cutilada que faz saltar a roedura e os bichos: também é bondosa a chama nas selvas incendiadas para que os arados bondosos fendam a terra.
Endureçamos a nossa bondade, amigos. Já não há pusilânime de olhos aguados e palavras brandas, já não há cretino de intenção subterrânea e gesto condescendente que não leve a bondade, por vós outorgada, como uma porta fechada a toda a penetração do nosso exame. Reparai que necessitamos que se chamem bons aos de coração recto, e aos não flexíveis e submissos.
Reparai que a palavra se vai tornando acolhedora das mais vis cumplicidades, e confessai que a bondade das vossas palavras foi sempre - ou quase sempre - mentirosa. Alguma vez temos de deixar de mentir, porque, no fim de contas, só de nós dependemos, e mortificamo-nos constantemente a sós com a nossa falsidade, vivendo assim encerrados em nós próprios entre as paredes da nossa estuta estupidez.
Os bons serão os que mais depressa se libertarem desta mentira pavorosa e souberem dizer a sua bondade endurecida contra todo aquele que a merecer. Bondade que se move, não com alguém, mas contra alguém. Bondade que não agride nem lambe, mas que desentranha e luta porque é a própria arma da vida.
E, assim, só se chamarão bons os de coração recto, os não flexíveis, os insubmissos, os melhores. Reinvindicarão a bondade apodrecida por tanta baixeza, serão o braço da vida e os ricos de espírito. E deles, só deles, será o reino da terra.
Pablo Neruda, in "Nasci para Nascer"
Com o que tenho vivido, considero a bondade, a firme bondade, a suprema qualidade.