Explico: no meu parto não me extraíram todo, por inteiro. Parte de mim ficou lá, grudada nas entranhas de minha mãe. Tanto isso aconteceu que ela não me alcançava ver: olhava e não me enxergava. Essa parte de mim que estava nela me roubava de sua visão. Ela não se conformava:
- Sou cega de si, mas hei-de encontrar modos de lhe ver!
A vida é assim: peixe vivo, mas só vive no correr da água.
Quem quer prender esse peixe tem que o matar. Só assim o possui em mão.
Falo de tempo, falo de água. Os filhos se parecem com água andante, o irrecuperável curso do tempo. Um rio tem data de nascimento?
Mia Couto, O último voo do flamingo
3 comentários:
Os filhos estão no tempo, moram no tempo antes de nascer. Depois chegam... e são o tempo a haver. Antes ou depois, são sempre vida em potência. Acho que é esse o seu encanto irresistível. Só a vida dirá o que eles podem ser entretanto(entre tantos tempos).
O Mia Couto é um sábio jovem. Que os há!:))
Verdade, C. E todos ficamos mais sábios quando somos capazes do encanto dos filhos...tão mais.
Receio o encantamento, o feitiço, a peneira que o meu filho me dá... sinto-me encantada, não me reconheço, fazem isso os filhos não fazem?
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