26 junho 2009

No dia da morte de Michael Jackson


No dia da morte de Michael Jackson, ninguém reparou nesta notícia.
Para que conste.
Não é de somenos.
Claro, não se vai falar "disto", vai falar-se "daquilo", isto é, de um cantor popular que se tornou num ser humano tão estranho como os anéis de Saturno.
Que desafiou a natureza, ao trocar de côr e não só.
Que foi grande e plástico e inovador.
Que morreu cedo, como devem morrer os ícones, para serem eternos.
Que milhares de pessoas o vão chorar, lamentar, comentar.
As pessoas precisam destes momentos, em que as televisões se tornam nos novos locais de culto, organizando algo que nenhuma religião conseguiu, até agora: venerar, em simultâneo, numa só imagem, Deus e o Demónio.
Michael Jackson e Saturno em prime-time.
Cientistas descobrem um oceano numa lua de Saturno.
Talvez não estejamos sós no Universo.
Nem assim a cultura ocidental consegue reequacionar os valores, as crenças e os ícones.
O que interessa mesmo é encher as televisões de lixo.
A Sic, ontem à noite, suspendeu todos os noticiários da meia-noite para mostrar, até ao limite, um hospital americano, enquanto entrevistava jornalistas.
Em rodapé, a descoberta de água em Saturno.
No facebook, twiter e blogues, os seguidores lamentavam a perda do cantor, o que não tem nada de errado em si, se não se tornasse asfixiante, entediante, anormal.
Aldeia Global?
Adro de Igreja?
Os novos deuses?
Um excerto de Eça em "Prosas Bárbaras":
"Lisboa tem compaixões celestes: agrupa-se, em coro de lágrimas, para ver a morte dum cão, mas afasta-se logo, assobiando, se começa a agonia de uma alma.
Tem também uma curiosidade tímida e fácil: senta-se nos passeios pelo Estio, entre o pó, olimpicamente, como os deuses entre a luz, e fica atenta, concentrada, idiota- a ver caminhar seis mil pernas"...
"Ó Lisboa, tu não tens caracteres, tens esquinas"
Eça de Queirós.

Eis um pedaço da notícia que passou em rodapé:
Um Oceano em Saturno

Uma das luas de Saturno, que se distingue das outras pelo jacto de vapor que lança desde o seu pólo sul e que alimenta um dos anéis deste planeta, tem uma grande quantidade de água salgada líquida sob a sua superfície gelada. A descoberta de sais de sódio neste anel prova, segundo os cientistas, que este satélite natural esconde um verdadeiro oceano.

O que é que diferencia a Encélado de qualquer outra das luas de Saturno? Um enorme jacto de vapor de água, gás e pequenos grãos de gelo que brota do seu pólo sul, alimentando o anel exterior deste planeta. O mesmo no qual os cientistas detectaram sais de sódio. Uma prova, dizem, de que debaixo da superfície da lua existe um reservatório de água líquida.

Esta descoberta pode ter novas implicações na procura de vida extraterrestre, sendo esta lua um dos poucos locais dentro do nosso sistema solar com condições teóricas para a albergar (in Diário de Notícias)

3 comentários:

Paulo disse...

Se
o encontrado
no anel de saturno
não fosse
um magnífico jacto de água
salgada
mas um
repugnante pedófilo
um banqueiro trafulha
ou um menino abandonado no passeio
pelos pais
comendo pipocas (no cinema).
Se
em vez de uma fonte
fosse uma fossa
encontrada em Saturno
na Picheleira
ou no estádio
do Benfica

C. disse...

Boa marca, Clara. Mas vamos guardar para os mortos o silêncio, que eles agora já não podem responder.

(Michael Jackson nunca conseguiu encontrar-se com Michael Jackson. Era sempre um à procura de outro. Não admira por isso o seu percurso. Deve ter sofrido horrores, nessa busca doentia de identidade; até admira como não se suicidou. Quando estava quase a deixar de ser M. J. - morreu. Olha só a ironia.)

O que confrange e, de certa forma assusta, é esta quase generalizada incapacidade do Homem para se surpreender com o que, na vida, não seja ranho, baba, excremento e ruído. Com o que não acenda a chama mórbida do espectáculo.

Gostava de poder viver para assistir à vida para além de Marte. Quem dera!

Beijo grande.

clara disse...

Obrigada.
Não tenho nada contra o Jackson, a não ser a sua loucura, de que não era culpado.
Já repararam que estes ícones acabam quase sempre assim?
Talvez a Madona se safe, porque é esperta e fria.
O que custa é ver estes basbaques que se curvam perante o que os midia lhes ordenam.