Vejo muitos turistas vestindo camisas da Nazaré. Dum grupo deles, à varanda de um grande hotel de luxo, digo: como estão pobres os que deveriam frequentar esses lugares. Estou com uma família inglesa. Vestem fatos de teweed de cores admiráveis. Pergunto: is it hand woven? Estou sentada a uma mesa com os turistas, falo do canto dos pássaros. Digo: sei imitar muito bem o melro. Então surge à janela um pásssaro fulvo, ruivo, que identifico com um falcão mas que na verdade era um pequeno faisão. Chama, parece pedir qualquer coisa. Parece cansado duma viagem. Dou-lhe pedacinhos de pão, mas ele não come. Surge então um gato preto que se atira ao pássaro e o mata. Vejo o gato agarrá-lo pelo pescoço. Vejo o sangue dele. O gato vai comer o pássaro. Num restaurante onde parece que faltou a luz, uma senhora turista manda tirar de cima da mesa o maior número de coisas possível e diz: é preciso deixar espaço para o silêncio.
Ana Hatherly, ANACRUSA 68 sonhos, Cosmorama Edições
Pintura Eric Fischl
1 comentário:
Ora aí está um belo post.
Estava a ver as eleições e a pensar: mas se todos ganharam, para que fazem é, preciso?
Se calhar é, que havemos de fazer?
Deixa-os brincar. O mundo vai girando e nós vamos envelhecendo.
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