17 fevereiro 2009

Micro-ficções

Troca-Tintas
Gostava de tinto e bebia verde. Adorava Cesário Verde e lia Guimarães Rosa. Apaixonou-se por Rosa e casou-se com Violeta.
O daltonismo tem destas coisas. Até jura que tem sangue azul.
Fernando Gomes
Os meus problemas
os taxistas perguntam-me sempre se não tenho mais pequeno. as mulheres, se não tenho maior.
Rafael Mota Miranda
E eu no meu caixão, quietinha
Ouço-os em redor do meu caixão, falando baixinho. Lamentam-se dizendo que é injusto, tão injusto. Ficam calados durante uns instantes, talvez olhando para o chão, talvez perguntando-se que horas serão; e depois repetem: tão injusto.
Alguém diz, pesaroso: teve uma vida simples e monótona, tão altruísta. Ninguém responde: e o silêncio incomodando. Novo lamento: uma vida de sacrifício, para que fossem felizes. Depois, uma confissão inesperada, quase inaudível: tanto que a amávamos.
E eu no meu caixão, quietinha. Um pouco surpreendida: amavam-me? E só agora é que mo dizem?
Paulo Kellerman

in Primeira Antologia de Micro-Ficção Portuguesa (selecção e organização de Rui Costa e André Sebastião)

1 comentário:

clara disse...

"les morts sont tous de braves tipes"-J.B.