29 outubro 2009

os medos, a dor e os outros

"...Os nossos antepassados, habituados a sentir medo dos ursos e das cascavéis, demoraram tanto ou mais tempo do que o que levou a invenção da matemática a perceber que a felicidade ou a infelicidade também podiam brotar das suas entranhas e não apenas do universo que os rodeava. À força de experimentarem sensações parecidas mas desencadeadas por estímulos diferentes, como um leão ou uma aranha, acabaram por reparar nas semelhanças e deduzir que sentiam o mesmo. No preciso momento em que um deles deu conta que a repentina aceleração do ritmo cardíaco era disparado por acontecimentos tão diferentes como a vertigem ao deparar com um precipício, a falta de respiração ao mergulhar uma e outra vez, exausto, para alcançar a outra margem do rio, ou as ameaças por um grupo de canibais pintados de vermelho; no preciso momento em que a diversidade mostra o seu denominador comum e, mediante um processo de abstracção,descobre-se o conceito que a define, nasce, sem querer, no interior do homem primitivo a consciência da emoção do pânico.
O que aqui foi resumido em poucas linhas demorou milhares de anos a acontecer.(...)
Se bem que as comparações sejam sempre odiosas, em termos emocionais estamos na fase equivalente ao número 2 na evolução da matemática; isto é, na pré - história. Continuamos a pensar que a felicidade ou infelicidade são induzidas pelas emoções desencadeadas pelos outros, por medos provocados pelo trabalho, pela segurança dada por uns bons estudos ou pelo dinheiro. Continuamos a acreditar que tanto a fonte da felicidade como a da desgraça depende de outros ou do resto da matilha. "

Eduardo Punset, in Viagem à Felicidade, D. Quixote, 2008
Foto: Gregory Crewdson

3 comentários:

Teresa Santos disse...

Se bem que a felicidade dependa muito de nós, da nossa maneira de ser e ver o outro, da nossa capacidade de vivenciar qualquer facto, bom ou menos bom, convém, no entanto, que nunca esqueçamos o "resto da matilha". É que ela faz estragos! E, por vezes, muito graves.
Abraço.

mtt disse...

Paulo,
O livre-arbítrio deixa que escolhamos várias possibilidades no que ao nosso futuro diz respeito, certo?
Bom, mas o que acontece é que por mais possibilidades que tenhamos, a condicionante “outros” existirá sempre. Mas o que me parece, e estou a apenas a dissertar, é que “o outro” também somos nós. E as nossas limitações, por vezes, constrangem-nos mais do que as acções dos outros. Porém, será que todos temos essa consciência, ou será mais fácil atribuir as responsabilidades aos demais (entidades terrenas e/ou divinas)?

Paulo disse...

Teresa Santos, concordo inteiramente consigo. Aliás, o autor do texto defende algo de parecido, chama, porém, a atenção para o facto de muitas vezes nos esquecermos dos factores individuais - endógenos - comoresponsáveis pela forma como se reage aos estímulos agressivos do exterior.
marteodora, é exactamente o que diz. Punset defende que não desenvolvemos ainda uma maior capacidade de análise introspectiva que permita perceber que o factor pessoal é -muitas vezes- causa da forma como sentimos o "outro".De alguma forma damos-lhe o exclusivo do nosso desconforto.
Bem hajam