05 outubro 2009

The White Ship, de Hector Lemieux

Vale mesmo a pena ver o filme
Em 1966, Hector Lemieux, da televisão canadiana, faria este documentário, de cerca de quinze minutos, sobre a faina a bordo do Santa Maria Manuela.
Glória aos grandes hérois da pesca à linha. Em memória desses ilhavenses.
Pesca do Bacalhau

Na pesca do bacalhau, tudo era duplamente complicado. "Maus tratos, má comida, má dormida... Trabalhavam vinte horas, com quatro horas de descanso e isto, durante seis meses. A fragilidade das embarcações ameaçava a vida dos tripulantes", dizia Mário Neto, um pescador que viveu estes episódios e pode falar deles com conhecimento de causa.
Quando chegava à Terra Nova ou Gronelândia, o navio ancorava e largava os botes. Os pescadores saíam do navio às quatro da manhã e só regressavam à mesma hora do dia seguinte, com ou sem peixe e uma mínima refeição: chá num termo, pão e peixe frito. No navio, o bacalhau era preparado até às duas ou três da manhã. Às cinco ou seis horas retomava-se a mesma faina. Isto, dias e dias a fio, rodeados apenas de mar e céu.

Teresa Reis, "A pesca do bacalhau"
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A pesca do bacalhau realizada pelos pescadores portugueses na Terra Nova e Gronelândia, encontra-se intimamente associada à saga das navegações e descobertas, datando do séc. XIV. Há registo da partida, da ilha do Faial, de Diogo, de Teive em 1452. A partir da viagem dos Corte-Real, em meados do século XVI, foi elaborado o Planisfério de Cantino, onde se divulgava um primeiro mapa menos fantasioso dessas regiões (Terra Nova e Labrador) e com o qual a navegação se tornou mais segura e maior a presença portuguesa na pesca do bacalhau.

Em 1504 havia na Terra Nova colónias de pescadores de Aveiro e de Viana do Minho. Em 1506 um dos principais portos bacalhoeiros era Aveiro. Entre 1520 e 1525 existiu, na Terra Nova, uma colónia de pescadores de Viana do Minho que se dedicava à pesca sedentária - pescavam e secavam o peixe ali mesmo. A permanência ia de Abril a Setembro.

No reinado de D. Manuel I (1465-1521) Aveiro foi o porto que mais navios enviou para a Terra Nova (cerca de 60 naus) e em 1550 saíram cerca de 150 naus. O período de dominação dos Filipes (1580-1640) levou quase à extinção da pesca do bacalhau (em 1624 não havia qualquer barco nos portos de Aveiro). A recuperação da Pesca do Bacalhau só se faz no séc. XIX. Até lá, 90% do consumo interno do bacalhau é importado. Em 1830 foram criados incentivos à pesca com a extinção do pagamento dos dízimos e com a construção de 19 barcos.

Sem alterações notórias, através dos séculos, a tripulação dos Bacalhoeiros era composta por:
· Capitão
· Piloto
· Marinheiros (pescadores)
· Cozinheiro
· 1 ou 2 moços (mais recentemente passaram a ser 6, 8 ou 10) conforme a capacidade do navio.

Entre os marinheiros - pescadores, a divisão era:
Escalador
Salgador
Simples pescador
"Os verdes" (os que se iniciavam na faina)

Havia tripulantes com funções específicas: troteiro, cabeças, porão, garfo, celhas, etc. E muitos estão enterrados num cemitério em St. John's, do qual ninguém fala, e que nem sequer atrai visitantes.
As iscas usadas eram amêijoas, lulas.... Só na década de 20, apareceu a assistência aos barcos feita por 2 barcos a vapor - Carvalho Araújo, em 1923, e Gil Eanes, em 1927.

O atraso português no processo de industrialização determinou que esta pesca se prolongasse pelo século XX (até 25 de Abril de 1974) com base numa tecnologia ultrapassada: pesca à linha de mão, munida dum único anzol, a bordo dos dóris, pequenas embarcações individuais de fundo chato e tabuado rincado, com um comprimento de 4 a 5 metros e 80 a 100 Kg de peso, apoiando-se nos tradicionais veleiros de madeira. Tratava-se, contudo, de uma técnica de pesca bastante menos agressiva dos recursos dos que as redes de emalhar ou de arrasto.
Em 1934 foi feita a organização corporativa da Indústria Bacalhoeira. Planeou-se uma grande reorganização da Pesca do Bacalhau, através de:

Empréstimos do Estado a armadores portugueses
Criação da Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau e da Cooperativa dos Armadores de Navios de Pesca do Bacalhau entre outras.
Renovação da frota
Desenvolvimento da Pesca do Arrasto

Mas em Portugal continuou-se a insistir na pesca à linha. Os últimos grandes veleiros foram construídos em 1937: Argus, Santa Maria Manuela e Creoula, mas poucos anos se mantiveram nesta faina. A última viagem dum lugre - o Gazela Primeiro - ocorreu em 1969. As capturas tinham começado a diminuir e em 1974 a situação estava num caos. Era difícil recrutar pescadores, que preferiam emigrar, o que lhes proporcionava menos sofrimento e melhor perspectiva de vida. O total de barcos era então de 55, sendo 5 de pesca à linha, 13 com redes de malha e 37 de arrasto.

Créditos: texto parcialmente adaptado de História da Pesca do Bacalhau
Foto de Henri Lumieux
Quem tiver curiosidade, pode seguir os links que salpicam o texto.

5 comentários:

Paulo disse...

O filme retrata com grande profundidade a realidade dura da gente de Ílhavo numa gesta que, talvez seja a que mais se aproxima das acontecidas no séc. XVI. É impressionante a dureza da luta daqueles homens nas condições mais adversas dos mares do norte. Ao mesmo tempo um olhar (rápido)sobre o Portugal salazarento . Não é só o filme que tem imagens a preto e branco, o país era de chumbo, as pessoas eram cinzentas (e usavam boina). Excelente post, e o filme é de não perder.

Ana Paula Sena disse...

Um tema fascinante! Passei muitos anos a ouvir histórias da pesca do bacalhau. Sempre me suscitaram grande admiração, sobretudo pela coragem que essa forma de vida implica.

Muito obrigada, Clara.

Anónimo disse...

Grande trabalho mãe!!!! E eu a pensar que o bacalhau se pescava no pingo doce ou no jumbo! Viva Ílhavo, Aveiro, a Costa Nova, São Jacinto e as Gafanhas!

Vasco

clara disse...

Pois é, não nos podemos esquecer o que custa o peixinho que comemos. mas antes custava muito mais, foram heróis os nossos ílhavos, aveiros póvoas, nazarés. E agora? Que é feito da nossa pesca? Um beijinho a todos, Paulo, Ana Paula e Vasco.

clara disse...

E também um beijinho a C. pela ajuda preciosa.