09 julho 2009

da infelicidade

... Sobrestimamos repetidamente – talvez imersos num afã ridículo e prepotente de nos diferenciarmos do resto dos animais – a singularidade do nosso cérebro. Foi, inclusivamente, considerado “ a máquina mais perfeita do Universo”. A verdade, não obstante, é outra. O cérebro tem sérias limitações, perfeitamente compreensíveis se pensarmos na sua situação: Os humanos – ao contrário dos crustáceos, que têm o esqueleto no exterior e a “carne” no interior - têm o esqueleto e o cérebro no interior e a “carne” no exterior. O cérebro, diz o neurologista norte – americano Rodolfo Llinás, está completamente às escuras. A sua única forma de elucubrar o que ocorre no exterior é interpretando, mal ou bem, as mensagens codificadas que lhe chegam através dos olhos – cheios de conjuntivites e defeitos oculares -, os ouvidos – carregados de otites – e das papilas gustativas deterioradas e obrigadas a pedir auxílio às células olfactivas - mais sofisticadas que elas -, para definir sabores. Não é estranho que em tais condições, as elucubrações do cérebro ampliem ou subestimem a realidade exterior, com o consequente impacto negativo nas emoções e atitudes individuais. Os físicos dizem que 90% da realidade é invisível; os grandes neurologistas como Richard Gregory , que o cérebro “não procura a verdade, mas elucubra para sobreviver” e os fisiologistas atestam que os circuitos de percepção cerebral são extremamente complexos e, portanto, vulneráveis.
(…)
Há quem admita que, perante a impossibilidade de gerir toda a informação disponível e necessária para analisar um facto, um personagem ou um processo, o cérebro opta por conceptualizá-los em modelos abstractos. Face a uma realidade impossível de abarcar em toda a sua extensão – diz o neurocientista Semir Zeki – o cérebro cria modelos abstractos, quase perfeitos – a casa, o homem, a mulher, ou o carro ideais – que contrastam com a trivialidade da vida quotidiana. Como é de esperar, a comparação raramente favorece a coisa, o indivíduo ou o processo em questão, que nunca se aproximam do todo do modelo abstracto e idealizado. O resultado é um estado de insatisfação constante que estaria na base da depressão generalizada…
Eduardo Punset, in El Viaje A La Felicidad
Pintura, Edward Munch

Eduardo Punset nasceu em Barcelona, em 1936. Advogado e economista, teve um papel importante no que toca à abertura de Espanha ao exterior como ministro das Relações para as Comunidades Europeias. Participou na implantação do Estado das autonomias como conseller de Finanças da Generalitat e, como presidente da Delegação do Parlamento Europeu na Polónia, tutelou parte do processo de transformação económica dos países do Leste depois da queda do Muro.Trabalhou também como jornalista económico da BBC e da The Economist, e como representante do Fundo Monetário Internacional na área das Caraíbas. Professor em diversas instituições universitárias, é autor, entre outros livros, de Viagem à Felicidade. Actualmente, dirige e apresenta o programa Redes na televisão espanhola.

(O texto do Post é uma tradução livre feita a partir da edição em castelhano que é a que tenho disponível. Existem traduções em português desta e de outras obras de Punset.)

2 comentários:

clara disse...

Então,acreditando no cientista, percebo agora os erros de supervisão em relação às fraudes financeiras!.............:)

Marta disse...

Gosto muito de o ler! Só li um e, agora, por si, estes excertos!


nota: têm lá, no meu planeta, um desafio para si, para a C. e para a Clara :) se apetecer!

abraço