29 julho 2009

Imagem


Tê gostava muito da rua de trás, era lá que moravam os ciganos e a menina Cremilde, onde ela ía, de vez em quando, lanchar pão com marmelada. A menina Cremilde era costureira e cantava enquanto passava a ferro. Ao sábado, chegava o senhor da menina Cremilde.
Logo a seguir,entre cheiro a mofo e carapaus fritos, havia uma pequena loja de roupa usada, onde morava uma senhora velha, muito velha e com ar de feiticeira.
Tê passava por lá e metia conversa com a velhota.
Um dia, esta, com um sorrisinho maroto, disse-lhe:
-Tenho aqui uma coisa que deve ser da menina.
-O que é?
A velhota foi buscar lá dentro e apareceu, com o mistério na mão.
Estendeu-lhe uma fotografia já um pouco amarrotada.
-Mas, sou eu! Como é que a senhora tem uma fotografia minha??
-Olhe, menina, estava no bolso deste sobretudo, este.
Era azul.
-Então e de quem era o sobretudo?
-Ah, era de um menino.
-E onde mora o menino?
-Olhe, não sei bem, mas acho que é lá para cima, para os lados da Sé.
-Mas não sabe o nome dele?
-Não sei, não, menina.
Tê teve a certeza de que ela sabia, mas não insistiu.
Agradeceu e levou a foto para casa.
Tinha sido tirada já há um tempo e havia sido arrancada dos ficheiros da piscina. Aliás tinha uma espécie de carimbo, certamente da altura da inscrição.
Ora esta, pensou Tê, quem será?
Fartou-se de pensar, mas acho que nunca chegou a saber.
Quando passa pela rua de trás, lembra-se sempre dos ciganos, da menina Cremilde e da velhota marota.

Do menino nada sabe, mas também, que raio de apaixonado era aquele que deixava assim a imagem do seu amor, ao deus-dará,por esses bolsos do fim do mundo?

2 comentários:

Paulo disse...

Os apaixonados, sobretudo os que vestem sobretudo azul, são tão distraídos... deve ter ficado inconsolável. Muito bonito, parabéns.

clara disse...

Obrigada,"sobretudo os que vestem sobretudo" é muito giro!