11 novembro 2009

Os loucos...e os outros



«No primeiro capítulo (...) chego a uma definição de loucura que diverge da preconizada pela Psicologia e Psiquiatria oficiais. A perspectiva destas últimas limita-se a apreciar o comportamento humano apenas com base no respectivo relacionamento com a realidade, o que, obviamente, tem a sua razão de ser. Só que impede, assim, a aproximação a uma patologia menos evidente e mais perigosa, de cujo método próprio a dissimulação faz parte: a loucura que se encobre a si própria e se mascara de saúde mental. Essa não tem dificuldade em ocultar-se num mundo em que o engano e o ardil são comportamentos adequados à realidade.
Ao mesmo tempo que os que já não aguentam a perda dos valores humanos no mundo real são considerados "loucos", atesta-se a normalidade àqueles que se separaram das suas raízes humanas. E é a esses que confiamos o poder, permitindo que decidam sobre as nossas vidas e o nosso futuro. Pensamos que eles têm a atitude certa perante a realidade e sabem lidar com ela; mas o "relacionamento com a realidade" de uma pessoa não é o único critério para determinar a sua doença ou saúde mental.»

Arno Gruen, in A Loucura da Normalidade, Assírio & Alvim, 1995

4 comentários:

via disse...

o louco era dantes um visionário capaz de uma visão acutilante não subjugada, livre. hoje dá-se-lhe nome médico, dita-se a sua anomalia e passa a ser um doente.também me parece que esses tipos do poder deviam todos ser psicanalisados, há por ali muita coisa retorcida.

clara disse...

Ser Doido-Alegre, que Maior Ventura!
Ser doido-alegre, que maior ventura!
Morrer vivendo p'ra além da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem na morte crê, que felicidade!

Encara, rindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo é só vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.

Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse doido tem
De ver no purgatório um paraíso...

Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
P'ra suportar melhor quem tem juízo.

António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."

MJ FALCÃO disse...

Quando Victor Segalen (etnólogo, escritor, médico, poeta etc)chegou a Papeete, em missão médica, Gauguin tinha morrido há pouco. Fez-se o leilão de todos os seus haveres e pinturas e o preço foi irrisório. Ninguém acreditava nele.
Gaugui era, como conta Segalen: "aquele louco que pintava cavalos cor de rosa", aquele branco doido que vivia no meio dos indígenas...
Van Gogh também foi considerado "doido"...Viva esses doidos, não é? Deram-nos mais -e à cultura universal- do que muitos desses normais que para aí andam!

A disse...

Faz-me sempre muita confusão os "doutos e sábios" politicos que aparecem nos media com a pose de «olhar distanciado» perante as circunstâncias humanas inquietantes vividas no dia-a-dia (então agora com a crise económica, judicial, educacional, etc...).
É fundamental que estes senhores aprendam a necessidade de lidarem, de tratarem, de se preocuparem com as pessoas.
Bem-aventurados os "tresloucados" deste mundo que ajudam e se preocupam sem esperar reciprocidade.
Um beijinho.