22 março 2009

Momentos

- Sr. Romeu, temos de pensar em fazer um tratamento mais agressivo… Vai, talvez, debilitá-lo bastante.
- O Dr. é que sabe, mas eu sinto-me bem. As dores quase desapareceram… mas acha que as coisas estão más?
- ... Piores, sim. Os exames indicam progressão, séria… esta será a melhor forma de tentar travar. Mesmo assim, mesmo com uma maior agressividade, não é garantido que se ganhe muito, mas é a única possibilidade. Por isso acho que temos de tentar. Quer que conversemos com a sua mulher? Toda a ajuda é útil, serão momentos difíceis… Ela não tem vindo…?
- Não, é melhor não. A conversa, quero dizer. Não tem vindo comigo porque está “desmemoriada”, confunde-se muito, tenho de estar sempre de olho nela, às vezes vou buscá-la à rua ou os vizinhos trazem-na a casa… um pouco perdida, sabe… Tem alturas em que me cumprimenta de manhã e logo de seguida diz: “então, e tu, quem és?” não serve de nada conversar com ela… tive de pôr etiquetas em muitas coisas da casa, para ela as reconhecer… escondi a torradeira…
- Já da última vez que a vi aqui me pareceu estranha… nem perguntou pelas suas análises.
- É…fechou-se naquele mundo. Às vezes vem “cá”, parece de novo o que era antes…mas é muito rápido. Volta de novo àquele falar esquisito, repete palavras, coisas sem nexo. Por isso, Dr., não sei se estou preparado para os tratamentos… como vê, não a posso deixar sozinha. Agora mesmo, tive de pedir à minha irmã que lá ficasse um bocado, mas ela não tem muita paciência e tem a vida dela. Mas também, na sua opinião, o tratamento não vai adiantar muito…
- Atrasa a evolução, na nossa opinião. Ganham-se alguns meses…talvez
- Sim, mas fico sem poder tomar conta dela durante esse tempo...
- Provavelmente…
- Então, já vê…
- E os filhos… ajudam?
- O meu rapaz faleceu naquele acidente na auto-estrada há 2 anos, lembra-se? A minha filha está longe…, foram viver para a Austrália. Falamos uma vez por semana ao telefone. Antes dela ficar assim, entusiasmámo-nos e comprámos um computador para estarmos ligados, falar com os netos mais vezes…, mas agora tenho arranjado desculpas para que não fiquem preocupados por sentirem a Avó neste estado. Mas estou contente com a decisão deles, têm uma vida boa, muito melhor do que aqui. Pena é não estarmos juntos….
Bom, vou ter de dar uma desculpa para adiar a nossa ida lá, que estava prevista para o fim do ano… Por ela, percebe?
R.V.C. (à conversa em Março 09)

3 comentários:

clara disse...

Muito tocante, a vida real e o que os médicos passam ao ter que dar essas notícias, embora nem sempre sejam compreendidos.

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

Tremi, a vida real ultrapassa a ficção...
Abraço Fraterno
____________ JRMARTO

Anónimo disse...

São estes momentos que dão mais sentido à vida de cada um...
CM