22 maio 2009

Escolhas

O brilho intelectual (britânico) não logra derrubar um filistinismo consolidado. Em Inglaterra - mas não tanto na Escócia -, a "inteligência", uma paixão intelectual demasiado manifesta, a aspiração de se vir a ser um "cérebro", bem como os valores professorais típicos tão difundidos em França, foram durante muito tempo objectos de desconfiança. São castigados tanto no mundo escolar como no corpo político. A palavra "intelectual" não está longe de constituir um termo que traduz reprovação ou desprezo. O título de "pensador" não tem curso fácil na língua. Os triunfos da literatura inglesa, da sua ciência desde Roger Bacon, dos momentos mais altos do seu discurso filosófico, não apagam esta rejeição enraizada. Uma sondagem recente, que pedia aos inquiridos que fizessem uma lista dos nomes que mais tivessem marcado a consciência nacional, atribuiu a Darwin o décimo lugar. Nos primeiros lugares do rol figuravam os homens de Estado e os desportistas. Hoje são as estrelas pop que dominam as listas de convidados do nº 10 de Downing Street. Mas o quadro está longe de ser exclusivamente negativo. Foi precisamente este filistinismo, esta repugnância por qualquer odium theologicum (...) foi de facto esta desconfiança perante o abstracto e o ideológico que facultou à história inglesa as suas marcas invejáveis de tolerância, imunidade irónica ao carisma intelectual. Dubitativo perante o brio da argumentação, perante os furores e os empenhamentos cerebrais - como o engagement francês -, o inglês preferiu um pragmatismo irónico, uma indiferença saudável. Nem o fascismo nem o marxismo leninismo conseguiram suscitar as emoções de mais de meia dúzia de espíritos. (...). Faz-se assim sentir a necessidade de uma anatomia aprofundada das relações existentes entre a educação inglesa e este anti - intelectualismo terapêutico. E talvez este último mereça um elogio bem ponderado .

George Steiner, Os livros que não escrevi, Gradiva 2008
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1 comentário:

Marta disse...

Tão verdade!