25 maio 2009

O fascínio da mente

"Os gémeos estavam sentados, juntos, a um canto, com um sorriso misterioso e secreto no rosto, um sorriso que nunca tinha visto. Gozavam um prazer e uma paz estranhos e inéditos neles. Aproximei-me com cuidado para não os perturbar. Pareciam estar isolados numa conversa singular, puramente numérica. John dizia um número de seis dígitos e Michael "apanhava-o", acenava, sorria e parecia saboreá-lo. Depois Michael"recebia-o" e apreciava-o profundamente. Pareciam, à primeira vista, apreciadores de vinho, partilhando sabores e aromas raros. Sentei-me, imóvel, sem que me vissem. Estava hipnotizado desconcertado. O que estariam a fazer? Não conseguia perceber. Talvez fosse uma espécie de jogo, mas tinha uma intensidade, uma gravidade, serenas e meditativas, quase sagradas, que nunca tinha visto em jogo nenhum e que, de certeza, nunca vira nos gémeos, normalmente tão agitados e distraídos. (...)
Logo que cheguei a casa, peguei nas tabelas de potências, factores, logaritmos e números primos (...). Já tinha um palpite e confirmei-o : todos os números de seis dígitos que os gémeos tinha trocado entre si eram números primos, isto é, números só divisíveis por eles próprios e por um. Regressei à enfermaria no dia seguinte, com o meu precioso livro de números primos. Voltei a encontrá-los, isolados na sua comunhão numérica, mas desta vez sem dizer nada, juntei-me calmamente a eles.(...) Afastaram-se ligeiramente para fazer espaço para mim, um novo companheiro de jogos numéricos, um terceiro no seu mundo. Então John, que tomava sempre a dianteira, pensou durante muito tempo - pelo menos cinco minutos durante os quais não me mexi e mal respirei - e disse um primeiro número de nove dígitos; depois de pensar outros cinco minutos, Michael respondeu. Eu, depois de uma olhadela sub-reptícia ao livro, acrescentei a minha contribuição, um número de dez dígitos.
O silêncio e a surpresa duraram ainda mais tempo e então, John, após uma prodigosa contemplação interna, disse um número de doze dígitos. Não tinha maneira de confirmar se o número era primo ou não, porque o meu livro - que tanto quanto sei é único no género - não ia além dos números de dez dígitos. Mas Michael não se atrapalhou, embora tenha demorado outros cinco minutos.
Uma hora depois, os gémeos trocavam números primos de vinte dígitos..."
Oliver Sacks, in O homem que confundiu a mulher com um chapéu, Relógio d'Água 2002

Uma notável obra de divulgação sobre algumas alterações da mente, geralmente rotuladas como anomalias e aqui apresentadas duma forma fascinante por quem as estuda e sente a intensa maravilha que a mente contém.

1 comentário:

Marta disse...

Não conhecia. Anotei. obg.