Almeida Garret, em "Viagens Na Minha Terra" :
"Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? — Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas(5) que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis."
3 comentários:
Acho um pedacinho a resvalar para o populista "avant la lettre".
Pois,pode ter essa leitura e muitas outras: repara que é um texto contra o progresso-critica a construção do caminho de ferro! Quer o povo a plantar batatas.
A cena dos ricos tem efeito fácil, como hoje. Garrett com má consciência, ele que foi ministro, deputado, embaixador e...visconde!
Livro de final do sonho, não deixa de ser uma obra prima.
E muito actual.
... populismo , nem a resvalar , actualíssimo ,
e se Garrett fosse hoje á zona do tracejado do TVG , o que diria?
Quanto ao número de pobres que seria preciso para produzir um rico , aí, estamos todos de acordo !
Gosto destes postes :)
______ JRMARTO
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