13 abril 2009

Momentos

- Dr., olhe pra mim. Olhe bem pra mim e diga-me que eu não estou a ficar cinzenta e… feia. Diga nos meus olhos se não lhe pareço uma moribunda a cair aos bocados…
- Não acho isso. Está emagrecida…
-
Não diga nada… Já nem a caixinha de pó de arroz e a sombra verde que ponho nos olhos conseguem disfarçar. Feia, feia é como me sinto…
- Não vejo isso no olhar do seu marido…
-
Hoje nem quis entrar, preferiu ficar na sala de espera… e inchada, é como me sinto. Olhe bem, pareço um peru antes do Natal… nada me serve, nem os sapatos. Veja, tive de vir de chinelos…
- São efeitos dos medicamentos. Vão passar e depois sente-se melhor…
-
… e o que é melhor? Diga-me! Melhor é não estar inchada e vomitar tudo, até a alma? Ou melhor é não vomitar, mas ter dores que me fazem querer nunca ter nascido? Ou melhor é ter cabelo? Quando chegamos a isto… de que estar “melhor” é ter uma coisa que qualquer um tem quando acorda de manhã… e depois, sabe, é fácil, é tão fácil falar e prometer que vai tudo melhorar… mas quanto tempo? … até quando vão as suas promessas desta vez?
- Bem sabe que é imprevisível….
-
Sabe o que me tem custado mais agora, o que é que me faz sentir pior? É a falta de ânimo… estou a perder o ânimo. Eu nunca fui bonita, a minha beleza era o ânimo, a alegria de viver.
Era isso o que transformava tudo. Fazia-me sentir bem, tinha força, conseguia coisas porque transformava aquilo que via em mim e o que queria que os outros também vissem… e foi assim que conquistei aquele padecente que está ali fora com as flores na mão…
M.J. 60 A

3 comentários:

Marta disse...

doi. muitíssimo.
e mesmo assim,
gostei tanto.
de ler.sentir.

clara disse...

pois é, a grande prova da vida é essa, a total solidão, sem retorno.

Anónimo disse...

A beleza continua escondida no coração da gente...
o que é visivel é apenas, e só uma sombra das marcas da doença, do desânimo, da frustação, dos atalhos tortuosos da vida...
Com saudade!...
CM