31 janeiro 2010

31 de Janeiro


A 31 de Janeiro de 1891, decorre na cidade do Porto um levantamento militar contra a aceitação do Rei de portugal à imposição da Coroa Inglesa contida no Ultimatum de 1890 e que previa a saída de tropas portuguesas do território entre Angola e Moçambique que ficou, assim, sob o controle dos ingleses.
A revolta do 31 de Janeiro, esmagada no mesmo dia, com a prisão dos seus autores, foi a precursora da implantação da República em 1910.
Em 31 de Janeiro de 1969, nas comemorações da revolta, Mário Sacramento profere um discurso no Teatro Aveirense de que aqui reproduzimos alguns excertos.
É interessante notar que, apesar das limitações da censura que obrigavam a um texto fortemente metafórico, há uma análise do acontecimento histórico que é extremamente crítica para os que apelam e propõem a mudança das coisas na sua superfície, sem que haja transformações estruturais que levem a reais mudanças no País.
O que foi dito há 40 anos, tem hoje, com as adaptações necessárias, uma indiscutível actualidade.

Em 1507, Afonso de Albuquerque — o terrível fundador do Império Português do Oriente — enviou ao sultão de Ormuz um ultimato impondo-lhe a submissão ao rei de Portugal e dos Algarves. Em 1890, sua majestade britânica — rainha dos mares há muito navegados, mandou ao último rei de Portugal e dos Algarves, senhor já da África e do mais que sabeis, um ultimato semelhante, em que exigia a desguarnição do território interposto entre Angola e Moçambique. (Como haveis notado, chamei a D. Carlos o último rei português. D. Manuel foi, de facto, um "post scriptum" da monarquia apenas, pois a data que hoje comemoramos é a da implantação virtual da República entre nós - a sua data-chave).
Entre aqueles dois marcos - o de 1507 e o de 1891 - medeia uma viagem histórica, que fez de um país pioneiro de progresso a lanterna vermelha de todas as nações europeias.(...)
Em 1507, o porto de Ormuz ficara cor-de-rosa também, mas do sangue que correu, pois Albuquerque não aguardou a rendição dos atacados e abriu fogo de bombardas, mandando às almadias que lançassem os que pelas águas do naufrágio bracejavam. Em 1891, a cor de rosa que enfeitava as lapelas dos cortesãos parasitários do trono retingiu-se na cor rubra da primeira bandeira da República. O navio de guerra que aguardara em Vigo o embaixador inglês, um ano antes, para o repatriar no Caso de o ultimato não ser aceite, não precisou sequer de recolher o passageiro, pois o rei de Portugal, súbdito inglês — como lhe chamou Guerra Junqueiro — apressara-se a ceder, sem regateio, o que cobiçara não se sabia bem para quê, já que se mostrava inepto para prospectar, propulsionar e desenvolver o que há muito possuía.
É neste para quê que se joga toda a nossa História, do século XV até hoje. E adquirir a consciência disso é conhecer (de fonte viva) o passado e programar (de fronte lúcida) o futuro. Habituados a viver de recursos estranhos ao nosso solo europeu e à nossa iniciativa doméstica, saqueámos e mercadejámos a pimenta, o gengibre, o cravo, o sândalo, o pau-brasil, o benjoím, o azougue, a seda, o ouro, o aljôfar, as pedrarias, os chamalotes, o açafrão, a cera, o cardamomo, os brocados, o marfim, a prata, o cobre, os escravos, o café, a emigração e o petróleo. Mas não soubemos investir na metrópole toda essa riqueza.(...)
O 31 de Janeiro de 1891 foi, assim, o estrebuchar de um povo que supôs bastar-lhe a mudança de patrão — o rei, no caso — para resolver os seus dramáticos problemas. Não há dúvida que o patrão se tornara um mero feitor de interesses absentistas, pois Os verdadeiros donos do País eram os proprietários ingleses do vinho do Porto, por exemplo, ou as companhias estrangeiras que exploravam os nossos recursos metropolitanos e ultramarinos. Merecia que o escorraçassem, e a quantos partilhavam tais despojos! Mas mudar de feitor não é transformar as estruturas que administre por conta alheia. Distinguir o falso dono do verdadeiro proprietário — seja ele inglês, americano ou alemão — é o passo fundamental que desde sempre se nos impôs dar para que a Pátria seja verdadeiramente nossa e, como tal, soberana, independente e livre.

Mário Sacramento, Teatro Aveirense, 31 de Janeiro de 1969
Quadro: Proclamação da República na varanda da Câmara Municipal do Porto 31 Janeiro.

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